Crítica


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Sinopse

Ruth Wilder é uma atriz desempregada e batalhadora na Los Angeles dos anos 1980, que encontra sua última chance de virar estrela ao entrar de cabeça no mundo do glitter e dos colãs da luta livre de mulheres. Além de trabalhar com 12 mulheres excêntricas de Hollywood, Ruth precisa competir com Debbie Eagan, uma ex-atriz de novelas que deixou sua carreira de lado para ser mãe, mas voltou ao trabalho quando percebeu que sua vidinha perfeita não era bem o que parecia ser.

Crítica

Um dos fatos mais marcantes do ano passado foi o considerável números de denúncias de assédio sexual contra Harvey Weinstein, produtor cinematográfico responsável por grandes sucessos das telonas desde a metade dos anos 90. Tema tão em voga nos dias atuais, apenas evidencia uma situação que a maioria das mulheres vive no meio hollywoodiano desde que o audiovisual tomou conta do entretenimento de massa. Não é de se espantar, então, que machismo e abuso sejam um dos vértices da segunda temporada de GLOW, serie da Netflix focada num grupo de mulheres que, para ganhar um salário decente, precisa protagonizar uma produção televisiva em que uma luta contra a outra nos ringues, com personagens estereotipadas e que causam identificação com o público. E se a primeira temporada já foi boa, esta consegue ser ainda melhor.

No primeiro ano, cada um dos dez episódios mostrava a preparação para o piloto do Gorgeous Ladies of Wrestling na TV. A segunda temporada coloca as meninas unidas para manter a atração como um grande sucesso. O foco ainda é a tensão entre as ex-amigas Ruth (Alison Brie) e Debbie (Betty Gulpin), já que a primeira dormiu com o marido da segunda, causando o estremecimento da relação. Ruth, que já era a atriz mais participativa na primeira temporada, agora quer ser assistente de direção, o que causa desconforto em Sam (Marc Maron), o diretor machista. Já Debbie exige um contrato maior por ser a estrela mais conhecida (devido à sua predecessora participação em novelas) e acaba por se tornar uma das produtoras. Só que nem tudo é uma grande felicidade, pois logo surgem os problemas de audiência. Enquanto os episódios mostram o desenrolar destas situações, há espaço para muitas das outras participantes de GLOW terem momentos de brilho, o que torna a aproximação com o espectador ainda mais forte.

Um dos destaques é Tammé Dawson (Kia Stevens), a Rainha da Previdência. Seu cotidiano é mostrado num dos episódios, especialmente focado na relação com seu filho prestes a entrar na faculdade. O garoto descobre no que a mãe trabalha e resolve assistir de perto a uma das gravações. É aqui que o estereotipo das personagens caracterizadas em GLOW (o show dentro do show) é diluído. Há uma crítica contra a visão racista que produtores televisivos têm da comunidade negra. Provavelmente, um dos momentos mais tocantes da temporada. Rhonda Richardson/Britânica (a cantora Kate Nash) também tem seu instante de destaque, por ser uma imigrante ilegal nos EUA. Ela não é mexicana, iraniana, afegã, mas, sim, britânica. Mais um momento de quebra de clichês que a série proporciona. Ainda há espaço para outras das meninas reclamarem das suas personagens (uma metalinguagem inteligente e discreta), relacionamentos homoafetivos, dramas sobre divórcio e novas paixões. Porém, o que chama mais atenção nesta temporada é como o foco ficou muito menor nas performances do palco (que continuam divertidíssimas, por sinal), indo à evolução da vida de cada uma.

Por isso, é notável como Ruth parece estar mais confiante de si, inclusive despertando o interesse de um dos cinegrafistas da atração, e precisando lidar com a ciumeira de Debbie e o rechaçar de Sam por suas escapadas como diretora de chamadas. Debbie está numa situação frágil. Para se livrar do trauma do divórcio, acaba vendendo todos os móveis de sua casa. Ela não tem com quem conversar, já que não criou laços estreitos com alguma das meninas do trabalho. E Sam precisa lidar com o fato de ter uma filha adolescente que conheceu há pouco e agora mora na sua casa. O ponto de impacto entre esses três personagens é o assédio sofrido por Ruth, o que acaba levando o programa a ir parar nas madrugadas da RDKTV, já que o meliante é presidente da emissora. Ou seja, a morte prematura de GLOW. A discussão sobre abuso e machismo acaba levantando várias opiniões, inclusive surpresas, como a de uma pessoa que acredita que Ruth deveria ter cedido enquanto outra, de quem se esperaria este posicionamento, fica completamente indignada com a atitude do executivo.

Em meio a isso tudo, claro que a ambientação da época chama atenção, seja pela trilha sonora recheada de sucessos dos anos 80 (que vão de "Don't You Want Me", do The Human League, a "Crazy for You", de Madonna), as ombreiras, o excesso do uso de laquê nos cabelos volumosos, as cores explosivas em cada peça de roupa. O VHS também é bem utilizado, sobretudo no oitavo episódio, talvez o mais surpreendente de todos. Após os conflitos que geraram num grave acidente em meio às gravações, a série dá uma pausa nos dramas das meninas para mostrar, de cabo a rabo, como seria um capítulo do GLOW daquela época. A atmosfera trash, as atuações toscas, o roteiro nada crível. Tudo é mostrado como se realmente assistíssemos à RDKTV de então, com direito a comerciais e chamadas dos outros programas da emissora. Um episódio digno de prêmios, algo que pode acontecer nos próximos Globo de Ouro e Emmy.

Com tantos predicados, GLOW absorve e expande mais ainda o empoderamento feminino, seja através de suas personagens extremamente carismáticas, do elenco em uníssono ou dos temas tão relevantes hoje, que mal eram discutidos 30 anos atrás. Não à toa, a série recebe a participação de dois lutadores homens de wrestling que são derrotados pelas mulheres da tela. É feminismo narrado graficamente e sem pudores. Agora, a série ficcional toma novos rumos que podem levar a trupe toda para outra cidade, com novas possibilidades de interação entre a equipe, além de maiores dramas, como a epidemia do HIV, namoro à distância, guarda compartilhada, entre tantos outros. Uma série que ainda parece ter muito a mostrar. Só resta deixar cada vez mais as meninas sob os holofotes. Brilho próprio não falta a essas mulheres boas de briga.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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