Crítica


6

Leitores


2 votos 5

Sinopse

Quando o marido morre, Sofia descobre que herdou também o negócio do marido. Qual não será sua surpresa quando for informada que ele era dono de uma das maiores produtoras de conteúdo pornográfico do país!

Crítica

A situação é até mesmo banal: um homem, brincando no pátio de casa com o drone recém comprado, acaba se mostrando desajeitado com o novo brinquedo, e ao invés de pousar a maquininha no terraço – sim, estamos numa cobertura – a parafernália acaba parando no alto de uma árvore próxima. Confirmando a sua inabilidade para tarefas manuais, decide se empoleirar na tentativa de alcançar a geringonça, mas tudo o que consegue é despencar lá de cima – e, com isso, dar fim à própria vida. Assim começa Hard, série brasileira desenvolvida pela HBO Latin America em parceria com a Gullane Filmes – uma das maiores produtoras nacionais, responsável por sucessos como Que Horas Ela Volta? (2015), Bingo: O Rei das Manhãs (2017) e Até que a Sorte nos Separe (2012), entre tantos outros. E se o começo é curioso, seu desenvolvimento se revela ainda mais intrincado, com desdobramentos que servem tanto para seduzir o espectador como para confrontar a audiência com suas próprias certezas e moralismos. Um início certeiro, por assim dizer.

No primeiro episódio da série, cuja temporada inicial contará com apenas seis capítulos, o morto – interpretado por ninguém menos do que Fabiano Gullane, em participação mínima – não é o protagonista. Como sai de cena logo no começo, as atenções se voltarão para a esposa – agora viúva – interpretada por Natália Lage. Atriz veterana, com mais de trinta anos de carreira, ela soma três indicações ao Prêmio Guarani e uma ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, mas continua com a mesma cara juvenil que marcou as suas primeiras aparições. Por isso mesmo, é bom vê-la aqui como uma mulher madura, mãe de dois filhos e tendo que lidar com a partida inesperada do marido. Mais do que isso, sem saber o que fazer com a herança que agora está sob sua responsabilidade. Sim, pois com ele fora de cena, caberá a ela responder pelo empreendimento da casa.

Essa é a grande virada de Hard: Sofia (Lage) não sabe exatamente qual é o trabalho do marido. Seu conhecimento vai até o ponto em que acredita ser ele um empresário que atua na internet junto a diversos investidores, desenvolvendo sites e outras oportunidades. O que desconhece, portanto, é que de todas as investidas dele, a que mais deu certo é justamente um site de conteúdo pornográfico. Funcionou tão bem, aliás, que transformou a plataforma de exibição em também uma produtora de material do gênero, com estúdio e desenvolvimento de filmes e séries pornôs. A mulher começa a perceber algo diferente já no velório, ao se ver diante de um público não muito de acordo com os seus padrões mais conservadores, pessoas presentes para dar adeus ao homem que lhes deu emprego. Porém, ela se verá tendo que rever suas certezas quando descobre que não se trata apenas de uma ocupação profissional do falecido, mas também de toda a família – a sogra é uma das gerentes do negócio – e também garantia do próprio sustento.

Refilmagem de uma série francesa de mesmo nome, a Hard brasileira não terá muito tempo – cada episódio tem menos de 30 minutos – para mostrar que é mais do que um programa de uma piada só. Sofia fica em choque quando se depara com o que o marido fazia, e quer se ver livre de tudo o que encontra o quanto antes. Obviamente, não será tão fácil assim – e é possível antever que ela acabará revendo essa decisão inicial e terminará por se envolver com um trabalho tão distante daquilo que sempre imaginou. Como uma versão romanceada do documentário Atrás da Estante (2020) e sem a mesma profundidade percebida em um seriado como Magnífica 70 (2015-2018), ao mesmo acerta ao apostar em Natália Lage como condutora de uma história que deverá ter tantos altos e baixos conforme for a coragem dos seus realizadores em não apenas chocar sua audiência, mas também agir de acordo com o tema abordado. E qualquer esforço no sentido de destruir visões envelhecidas e provocar novas construções pode e deve ser saudado, desde que, é claro, não se contente em apenas brincar com o assunto, mas o assuma com respeito e maturidade, independente do tom cômico perseguido.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)