Crítica


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Sinopse

Jovens recém-formados competem por um emprego num banco de investimentos londrino. As vagas são bastante limitas, o que acirra a disputa. Uma vez contratados, eles são tomados pela cultura corporativa definidas por egos, sexo, drogas e a constante confusão entre as fronteiras que separam pessoal e profissional.

Crítica

Depois de Wall Street: Poder e Cobiça (1987), de Oliver Stone, é provável que todo filme ou série feita a respeito dos bastidores do mundo dos negócios soe um pouco (ou muito, em alguns casos) redundante. Talvez O Lobo de Wall Street (2013), de Martin Scorsese, seja uma exceção, assim como outros poucos, como A Grande Aposta (2015) ou Margin Call: O Dia Antes do Fim (2011). Pois bem, conseguir se colocar ao lado de grandes como os aqui citados não é pouca coisa, e Industry, série criada por Mickey Down e Konrad Kay, consegue esse feito com relativo sucesso. Ainda mais se levada em conta a pouca experiência prévia de ambos, que pode ser resumida em um único longa (Gregor, 2014) – que ninguém viu – e uma participação pontual na equipe de roteiristas do misto de comédia e reality show Hoff the Record (2015) – nada de grande impacto, como se percebe. Mesmo assim, ambos conseguiram, ao menos nessa temporada de estreia, construir algo sólido, e este parece ser o maior mérito da dupla.

Em apenas oito episódios de quase uma hora cada, Industry acompanha a chegada de cinco estagiários a uma das maiores empresas de operação da bolsa de valores de Londres – uma bela mudança de cenário, aliás, oferecendo um descanso à nova-iorquina Wall Street. Reflexo dos (felizes) tempos politicamente corretos dos anos 2020, este grupo representa com ênfase a diversidade étnica e cultural do novo século. Harper (Myha’la Herrold, de Modern Love, 2019), é uma garota negra norte-americana que se mudou para a Inglaterra em busca de um novo começo para si, ao contrário de Yasmin (Marisa Abela, de Cobra, 2020), que veio de uma rica família do Oriente Médio, e essa posição de “mulher do mundo” tem tudo para lhe dar mais desenvoltura no ambiente profissional. As duas vão de aliadas a inimigas (e novamente unidas) de duas a três vezes em cada capítulo, fazendo da inconstância do relacionamento delas um dos maiores pontos de interesse do programa. Podem parecer diferentes uma da outra, mas ambas querem a mesma coisa – a vaga no final do período de teste. E estarão dispostas ao que for preciso para isso (ou quase).

Já entre os homens, outra característica marcante da trama será colocada em evidência: o sexo. É quase uma releitura de Grey’s Anatomy (2005-), só que ao invés de um hospital, por aqui se transa em hotéis, banheiros de boates e restaurantes, quartos de albergues e suítes milionárias. O principal deles é Robert (Harry Lawtey, de Carta ao Rei, 2020), o único realmente britânico do grupo, que tenta esconder as origens proletárias usando sempre o mesmo terno – até seus colegas perceberem, ao menos – ou fazendo uso à exaustão de um charme no qual deposita todas as suas fichas (e até as que lhe faltam também). Gus (David Jonsson, de Deep State, 2019) é o gênio, de comportamento quase autista, que pouco se importa com os demais e, na maioria das vezes, nem mesmo com suas responsabilidades profissionais – que acaba por considerar irrelevantes diante do seu potencial. Gay, mantém um relacionamento às escondidas com um antigo colega, Theo (Will Tudor, de Game of Thrones, 2013-2015), que é noivo (de uma garota) e ocupa uma posição de maior relevância – e em outra área. Por fim, Hari (Nabhaan Rizwan, de 1917, 2019), de origem asiática, é o workaholic disposto a ir de encontro aos próprios limites para mostrar seu valor.

Se Hari e Gus, por um motivo ou outro, acabam sendo deixados de lado – ainda que, mesmo ausentes, suas ações gerem repercussões com as quais todos naquele ambiente terão que lidar até o final da temporada – o foco dos realizadores estará, e isso é evidente, mais na relação entre as duas garotas, com um ou outro destaque oferecido a Robert, tanto pela postura ninfomaníaca que não consegue disfarçar como, também, pelo esforço que empreende constantemente para se ajustar a uma nova realidade que a todo momento se descortina diante dele. Cada um dos novatos terá um ‘mentor’ a sua disposição, alguém com o qual poderiam aprender – mas que, na maior parte do tempo, estarão de fato a serviço, atendendo as demandas e urgências de última hora. E se o do rapaz será o dinossauro prestes a ser ultrapassado – e enterrado – serão as meninas que terão muito com o que se espelhar no trato com aqueles ao seu lado, tanto para se colocarem à altura das expectativas desses, como também para perceberem o momento certo para se equiparar – ou, ainda, superar – o que delas se esperam.

É nesse ponto, no entanto, que Industry perde um pouco do seu rumo. No anseio em estabelecer uma dualidade entre Harper e Yasmin, questões importantes a respeito das duas – e nem vamos mencionar os rapazes, que são jogados a uma posição coadjuvante pouco justa aos seus esforços – que mereciam ter sido melhor trabalhadas. Tanto a falta de formação educacional tradicional de uma, como as problemáticas familiares de outra, por vezes ameaçam ganhar maior visibilidade, apenas para logo em seguida se verem novamente relegadas a um segundo plano. Uma está disposta a seguir passo a passo a cartilha, não se importando em servir saladas e café a todos ao seu alcance, como uma secretária qualquer, se isso for lhe proporcionar um reconhecimento diferenciado mais adiante. A outra, por sua vez, logo deixa claro se guiar por um outro modo de ver as coisas, ignorando conselhos e advertências e investindo mais no próprio instinto, mesmo que isso nem sempre aponte para o certo a ser feito. Ela sabe que pode perder tudo em apenas uma jogada, e está disposta a isso, pois entende que será esse mesmo lance que poderá lhe colocar, caso o golpe seja de sorte, na dianteira da competição.

Se os (muitos) momentos de discussão sobre ganhos e perdas podem soar enfadonhos (e, de fato, o são), Industry busca equilibrar essas sequências com muito sexo e drogas (rock’n’roll, quem sabe, ficará para um segundo ano). A nudez nunca é em excesso, mas também não chega a ser disfarçada, está presente – masculina e feminina, em iguais proporções – de modo despojado e natural, mas também sexy e atraente quando necessária. Pessoas jovens e bonitas, intrigas do começo ao fim e a possibilidade de conquistar – ou jogar fora – tudo o que se é possível vislumbrar são elementos cruciais para uma história que promete muito – e entrega quase tudo. Algumas pontas soltas, personagens mais profundos e consequências não tão duradouras podem incomodar, mas não chegam a eclipsar os bons momentos de uma série que, mesmo sem nomes conhecidos ou grandes alardes na produção, consegue conquistar com boas atuações – por mais desprezíveis que sejam, é quase impossível se desinteressar pelos seus destinos – e diálogos viciantes. Parece simples, mas, às vezes, é o detalhe que faz a diferença.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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