Crítica


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Sinopse

Issa deixou seu apartamento, e está prestes a largar também o emprego. De passagem pelo sofá de Daniel, conseguirá ela esquecer Lawrence de vez e encontrar um novo rumo para sua vida? Enquanto isso, Molly começa um novo emprego, e Tiffany se prepara para o maior desafio de sua vida - ser mãe - e o que isso irá significar em relação a sua amizade com Kelli, Issa e Molly.

Crítica

Na primeira temporada de Insecure, série criada e protagonizada por Issa Rae, todos os oito episódios tinham como nome uma variação terminada em ‘as fuck’. Por exemplo: “Insecure as fuck” (o piloto), “Messy as fuck” ou “Guilty as fuck”, que poderiam ser traduzidos como “Insegura pra caramba”, “Bagunçada pra caramba” ou “Culpada pra caramba”, para sermos mais comportados (um cuidado que, felizmente, o programa não tem). Já no segundo ano, a variável empregada foi o ‘Hella’, tipo “Hella questions”, “Hella disrespectful” e “Hella perspective” (o último e, muito provavelmente, melhor episódio do programa nestes três anos), entendido como “Cheia de questões”, “Cheia de desrespeito” ou “Cheia de perspectiva”. Pois bem, com a chegada desta terceira leva de episódios, o termo em comum escolhido foi o “-like”, como em “Familiar-like”, “Ready-like” ou “Obsessed-like”, visto como “mais ou menos familiar”, “mais ou menos pronta” ou “mais ou menos obsessiva”. Uma opção que acaba fazendo sentido, uma vez que, apesar de ter começado em alta, o programa fecha essa trilogia, digamos, de forma “mais ou menos”. Prometia ser bem melhor, mas também está longe de ser um desperdício.

O ano dois chegou ao fim com Issa Dee (a personagem, interpretada por Issa Rae) decidida a recomeçar sua vida do zero, deixando seu velho apartamento e se desfazendo da maioria das suas coisas. Foi colocado um ponto final em suas esperanças em retomar a relação com Lawrence (Jay Ellis), e a história que tinha com Daniel (Y’lan Noel) chegou a um novo e inédito patamar: será no sofá dele onde ela passará as próximas semanas, após ele ter aceitado recebê-la em seu apartamento apenas como amiga. É o primeiro passo de um processo, que terá continuidade com a percepção de que é chegado também o momento de sair do emprego pelo qual há muito não demonstrava o mesmo entusiasmo de cinco anos atrás, quando começara a trabalhar na ONG de assistência social. Enquanto atua como motorista de Lift (empresa similar ao Uber) e vai desenhando os mais mirabolantes planos, busca equilibrar suas próprias emoções.

O balanço visto na temporada dois entre Lawrence, o ex, e Molly (Yvonne Orji), a melhor amiga, sofre uma alteração. Felizmente, o ponto fraco desses extremos – Lawrence – é deixado de lado pela metade dos capítulos (ele só reaparece em “High-like” E05), e mesmo assim, sua presença servirá para consolidar uma compreensão que havia sendo trabalhada desde o final do ano um: o romance dos dois acabou, e agora é chegado o momento de superarem suas diferenças e ficarem tranquilos quanto a isso, mantendo uma proximidade respeitável ou eliminando de vez um da vida do outro (o primeiro caso parece mais provável). No entanto, duas verdades precisam ser levadas em consideração: (1) Issa continua apaixonada por Lawrence; e (2) ele não está mais tão certo de que a separação foi a melhor coisa a ser feita. Ela o traiu, isso é um fato. Mas isso não faz dela uma traidora contumaz, uma mentirosa, uma pessoa que não é digna de sua confiança. Seu arrependimento foi mais do que comprovado. E ele também aprendeu que nada é tão preto no branco, que sacrifícios precisam ser feitos – inclusive nas próprias crenças. Eles estão amadurecendo, portanto. E se esse processo os levará a se unirem mais uma vez, parece ser a grande dúvida do seriado.

Por outro lado, Molly viu o destaque alcançado no ano dois ser dividido com atenções direcionadas às duas outras amigas delas, Kelli (Natasha Rothwell, que é também uma das roteiristas da série) e Tiffany (Amanda Seales). Enquanto Molly parte para um novo emprego e enfrenta as óbvias dificuldades de ajuste em um território ao qual não está acostumada, sua vida amorosa parece ter sido reduzida a zero. Kelli e Tiffany se beneficiam disso, e se tornam mais presentes na vida das protagonistas. Há momentos sinceros com ambas, uma destacando sua vida solitária, a inconsistência dos relacionamentos e a intempérie de suas reações, enquanto que a outra, grávida e pronta para começar uma vida cada vez mais distante das amigas (afinal, é a única casada e prestes a ter um filho), lamenta também essa realidade: “às vezes, é preciso abrir mão de uma coisa para obter outra”, conclui. Elas continuam formando um quarteto e tanto – “High-like”, o episódio em que vão juntas ao festival Coachella, é um dos pontos altos dessa temporada – mas estão mais focadas em suas jornadas individuais.

Assim, voltamos ao caminho percorrido por Issa. Se no começo desse ano ela decide abrir mão de tudo que acreditava estar lhe prendendo a um estilo de vida que não condizia com suas ambições, ao mesmo tempo não são percebidas grandes mudanças a partir de então. Ela segue trabalhando no emprego temporário com a Lift, o evento que está planejando não parece que vai sair do papel tão cedo, e até encontra um novo lugar para morar, que, no entanto, tem mais cara de passageiro do que o apartamento anterior. No campo afetivo, quem entra nessa matemática é Nathan (Kendrick Sampson), que chegou há pouco em Los Angeles e que a conhece por acaso ao solicitar uma corrida no Lift – ele como passageiro, ela como motorista. Os dois acabam se reencontrando, e após bonitos momentos juntos – a sequência da piscina é particularmente envolvente – um começo de namoro se desenha. Porém, assim como surge rapidamente, também se dissipa como fumaça, num estalar de dedos. É um personagem – e uma relação – que nunca chega a ser desenvolvido com a profundidade merecida. E as desculpas oferecidas para seu comportamento são, no mínimo, levianas.

Após três anos, Insecure parece se debater entre a relevância que acabou adquirindo entre as comunidades femininas e afrodescendentes – e na combinação das duas, evidentemente – e a vontade de voltar a ser fresco e original mais uma vez. Grandes figuras, como Molly e Lawrence, se viram eclipsados por coadjuvantes (Kelli, Tiffany) e novatos (Nathan), ao mesmo tempo em que outras foram descartadas sem maiores explicações (Frieda, Daniel). No fim, o que resta é justamente Issa, que segue perdida, em busca de um rumo para si, tomada por uma falta de objetivos de vida que nada contribui para a empatia tão facilmente conquistada pela protagonista nas temporadas anteriores. Como a série foi renovada e irá continuar em uma quarta leva de episódios, resta a torcida para que a coragem e ousadia retorne ao programa, deixando, de fato, desenlaces que não levaram a lugar nenhum, apostando em soluções talvez não tão óbvias, nem mesmo confortáveis, mas que sirvam como provocação e debate, independente do lado da telinha em que se esteja.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
6
Daniel Oliveira
6
MÉDIA
6