Crítica


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Sinopse

Mark Grayson tenta levar uma vida normal, mas essa é uma tarefa difícil para o filho do maior super-herói da Terra. Pouco depois de seu 17º aniversário, o garoto começa a desenvolver alguns superpoderes. Ao precisar do pai para começar a controlar essas habilidades, descobre que o legado familiar é mais sombrio do que ele imaginava.

Crítica

Pressupomos que os super-heróis têm integridade moral ilibada, sendo incapazes de utilizar forças desproporcionais para causar dor e sofrimento gratuitamente. Nesse universo muito presente atualmente em séries e filmes de grande orçamento, a subversão do modelo clássico também está se transformando numa fórmula-antítese, ou seja, com figuras superpoderosas apresentando falhas, expondo ambivalências de caráter e uma nem sempre irrefutável inclinação pelo bem. Em Invincible, série animada baseada nos quadrinhos homônimos de Robert Kirkman, Ryan Ottley, Cory Walker, o protagonista é Mark (voz de Steven Yeun), adolescente ciente de ser filho do maior paladino da Terra, o Omni-Man (voz de J.K. Simmons). A frustração por ainda não ter qualquer habilidade extraordinária dura pouco e logo ele começa a ser introduzido no mundo bastante exclusivo dos que possuem a capacidade de voar, força inimaginável e a quase indestrutibilidade. Paralelo a isso, dilemas da adolescência, vide amores e a vontade de ser aceito no meio.

Desde o começo, há algo de edipiano em Invincible, afinal de contas, assim que é oferecida ao espectador a constatação aterradora de que Omni-Man é um assassino, fica implícito o iminente embate doméstico. O garoto se empolga com a possibilidade de experimentar o meio vivido pelo pai, compreensivelmente se excitando com as coisas que pode fazer ao assumir o que parece o cumprimento do destino traçado desde seu nascimento. O que primeiro sobressai na série é a brutalidade não atenuada. Na luta entre o herói/vilão e o time de sentinelas que oficialmente toma conta do planeta, decapitações, ferimentos horrendos e cabeças explodindo não são exceção, mas a regra. Aliás, o tom adulto não está somente na violência gráfica, mas também nas circunstâncias distantes de uma apreciação restrita ao viés da aventura/ação. Em determinado episódio, por exemplo, o melhor amigo de Mark, William (voz de Andrew Rannells), tem frustrado um final de semana com seu possível namorado em virtude dos desvarios de um lunático criador de zumbis robotizados.

Há várias coisas acontecendo paralelamente na primeira temporada de Invincible. Enquanto persiste a dúvida acerca do que induziu Omni-Man a exterminar colegas e, inclusive, a mentir acerca do que o levou a nocaute, Mark tenta começar um relacionamento amoroso com Amber (voz de Zazie Beetz); Cecil (voz de Walton Goggins) personifica o controle norte-americano sobre uma brigada de contenção das ameaças globais; um novo time de vigilantes se adequa aos poucos; e terrenos são preparados para estofar as já confirmadas segunda e terceira temporadas. Em certos episódios, especialmente em dois ou três que se aproximam de uma estrutura narrativa própria às séries procedurais – aquelas que apresentam em cada fração um caso a ser resolvido –, a intenção é justamente expandir o nosso entendimento quanto às geografias desse entorno. Isso acontece na traição da confiança do protagonista pelo homem que se diz chantageado por um vilão, mas também em toda a dinâmica envolvendo a busca de Robô (voz de Zachary Quinto) por algo na surdina.

Gradativamente, os idealizadores acentuam o protagonismo do super-herói cujo nome confiante rende boas provocações, tais como “você não acha que se chamar assim é um tanto otimista demais?”. Alguns personagens possuem características que remetem a super-heróis conhecidos do grande público. Eve Atômica (voz de voz de Gillian Jacobs) alude à Feiticeira Escarlate; a Menina Monstro (voz de Grey Griffin) faz menção do Hulk; Omni-Man é uma versão dúbia, bigoduda e turbinada do Superman – lembrando que ambos são alienígenas pretensamente empenhados em salvaguardar a Terra de todos os perigos. Nessa saborosa progressão, em que Mark precisa lidar com as turbulências de sua juventude à medida que crescentemente tem esmigalhada a sua inocência, sobra espaço também para esses coadjuvantes que não ficam completamente à mercê do protagonista, gravitando em torno dele, mas não sendo de todo subalternizados. O privilégio da aventura não interdita os contornos emocionais e psicológicos das pessoas, estes adensados eventualmente.

O episódio final da primeira temporada de Invincible apresenta uma forte carga dramática, em meio à qual é enfatizada a tal lógica edipiana. Diante do pai perverso, Mark precisa fazer uma escolha dolorosa. Se permanecer fiel ao homem que o criou, automaticamente dá as costas aos demais vínculos de seus ainda 17 anos. Se optar pela humanidade, terá de aniquilar o pai, provavelmente convocado posteriormente a substituí-lo. No fim das contas, o protagonista da série é alguém que atende à tradição dos super-heróis virtuosos, os que merecem ser adorados, inclusive, por estarem dispostos a sacrifícios extraordinários. As mentiras contadas para distanciar a namorada de sua identidade secreta, as hesitações frente à amiga que surge como uma constante tentação e as dúvidas quanto a aceitar ou não aquilo que o sangue lhe convoca a ser, tudo isso é insuficiente para torna-lo controverso. O mesmo não pode ser dito de seu meio, cheio de pessoas dispostas a mentir (como o Robô), a trair (como Rex, voz de Jason Mantzoukas), ou seja, a perverter o ideário do super-herói irretocável, algo projetado nos corpos empilhados e no quase genocídio enquanto dois fenomenais lutam.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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