Crítica


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Sinopse

O analista da CIA Jack Ryan é um funcionário de escritório que se vê no meio da ação no Oriente Médio ao descobrir uma série de transferências bancárias duvidosas. Com a confiança do seu superior imediato, ele tentará impedir o surgimento de um novo Osama Bin Laden, um terrorista que visa ameaçar inclusiva a vida do presidente norte-americano!

Crítica

Jack Ryan nasceu em 1984, com a publicação de A Caçada ao Outubro Vermelho, livro de Tom Clancy. Seis anos depois estreava na tela grande, na adaptação homônima estrelada por Alec Baldwin. Desde então foram quase duas dezenas de livros, e outros quatro filmes. A única coisa que não era constante, no entanto, era o ator por trás do protagonista. Harrison Ford assumiu o manto em Jogos Patrióticos (1992) e em Perigo Real e Imediato (1994), mas passou a bola para Ben Affleck em A Soma de Todos os Medos (2002), que por sua vez acabou sendo substituído por Chris Pine em Operação Sombra: Jack Ryan (2014). Pois bem, chegou a vez de John Krasinski defender o herói, desta vez na telinha, em uma série produzida pela plataforma de streaming Amazon Prime Video, que em sua primeira temporada contou com oito episódios. Jack Ryan – ou, no original, Tom Clancy’s Jack Ryan – não é exatamente o que anuncia ser, além de incorrer nos erros mais graves das adaptações anteriores. O resultado, portanto, é tão genérico quanto descartável.

Tom Clancy’s Jack Ryan significa, literalmente, Jack Ryan de Tom Clancy. O que, na verdade, é uma falácia, pois ao invés de adaptar uma das tantas tramas criadas pelo autor, a série concebida por Carlton Cuse (Lost, 2004-2010) e Graham Roland (Fringe, 2010-2013) preferiu apostar em uma história inédita, completamente original – exatamente o que fez Operação Sombra: Jack Ryan, a versão cinematográfica de menos êxito das cinco, tanto de público quanto de crítica. Também é sabido que os filmes de maior sucesso foram os estrelados por Ford, mostrando um Ryan maduro, experiente e no domínio das suas habilidades. Pois Krasinski surge ainda em formação, no início da carreira, exatamente como foram as versões estreladas por Baldwin, Affleck ou Pine. Pelo que se percebe, decidiu-se não aprender com os enganos das experiências anteriores, e o que vemos é a ocorrência dos mesmos problemas de antes.

Quando encontramos Jack Ryan, ele é um analista da CIA que passa seus dias atrás de uma mesa, em um ambiente enclausurado em Washington. Para justificar o corpo sarado do protagonista, uma das primeiras sequências já o mostra de manhã cedo praticando esportes, do remo à bicicleta – é um atleta, afinal. Mas ele possui um passado, e não há episódio que desperdice a oportunidade de mostrá-lo sem camisa – não apenas para colocar em evidência o físico trabalhado, mas também para revelar as diversas cicatrizes que, ao menos em tese, deveriam afirmar algo sobre o seu caráter. Ex-militar, não irá se abrir facilmente – a não ser que esteja se empenhando em conquistar Cathy Mueller, a mulher que virá a ser a sua esposa, aqui interpretada por uma sem sal Abbie Cornish – que fica devendo, e muito, tanto à Anne Archer quanto à Keira Knightley, que a defenderam no cinema. Mas o foco está mesmo em Krasinski, e o esforço do ator em permanecer sério – mesmo para quem conhece suas habilidades cômicas, como visto na série The Office (2005-2013) – não será suficiente para justificar tanto carão e mau-humor por quase toda a temporada.

O que ele descobre? Primeiro, uma série de movimentações financeiras suspeitas que poderiam levar a um ataque terrorista dez vezes maior do que o visto em 11 de setembro de 2001. Ainda que seu superior, James Greer (Wendell Pierce, calçando sapatos que já foram de James Earl Jones) não compre suas suspeitas de imediato, outros fatores acabam colocando os dois em campo. A partir daquele momento, começa uma caçada atrás de Suleiman (Ali Suliman, de O Ídolo, 2015), aquele que pode vir a ser um novo Osama Bin Laden. Mas este tem família, não apenas um irmão (Haaz Sleiman, de O Visitante, 2007), como também esposa (Dina Shihabi, de Cherry Pop, 2017) e três filhos. Esses serão seus pontos frágeis, e entre a fraqueza de uns e a rebeldia de outros, logo estará instaurado um embate entre estes dois homens: Ryan como o promotor da paz, Suleiman como o agente do caos. E se por um lado essa divisão parece maniqueísta demais, ao menos os roteiristas buscam vez que outra mostrar que há mais tons do que apenas o preto e o branco.

É de se lamentar que esse esforço pareça restrito à personalidade do vilão, sobrando – quase – nenhum espaço para o protagonista. A primeira cena do episódio de estreia, para se ter uma ideia, mostra duas crianças brincando no terraço de casa minutos antes da cidade onde estão ser bombardeada por caças norte-americanos. Trata-se de Suleiman e o irmão, que anos depois seguirão juntos, movidos por esse desejo de vingança contra o Ocidente. Em diversos flashbacks durante os oito capítulos, vamos aos poucos descobrindo mais sobre a vida dos dois, como acabaram indo morar em Paris, o preconceito que tiveram que enfrentar e as portas que cada vez mais se fechavam ao redor deles. Em relação à Ryan, por outro lado, parece interessar apenas o presente: sua vida é inteiramente consumida pelo trabalho, e nas poucas vezes que o vemos em casa, é insone, se revirando de tanto pensar em assuntos pendentes do escritório. Até mesmo a relação com Cathy é por demais fria – “vamos ser apenas amigos”, dizem um para o outro. Seria mais fácil acreditar nisso, não fosse a necessidade de inserir um par romântico em cena.

Entre muita discussão de bastidores e figuras mal aproveitadas – o que faz, afinal, o diretor interpretado por Timothy Hutton? Teria ele uma agenda própria? Tipos como o militar Victor (John Magaro, de A Grande Aposta, 2015), o dr. Nadler (Matt McCoy, de A Mão Que Balança do Berço, 1992) e o traficante Tony (Numan Acar, de Em Pedaços, 2017) também ameaçam uma importância que nunca chega a se concretizar – a ação de fato acaba limitada aos capítulos finais, e mesmo assim sem apresentar nada muito diferente para qualquer um atento às tantas produções similares que volta e meia estão em cartaz, tanto nos cinemas como na televisão. Jack Ryan tem nome famoso, mas pouco uso faz desse peso que carrega, preferindo contentar-se com ameaças superficiais, frases de efeito barato e soluções pouco memoráveis, longe de estarem à altura de um personagem que ganhava pontos justamente por seu carisma, e não pelos malabarismos que empreendia em cada missão. Em um universo cada vez mais povoado por James Bonds, Ethan Hunts e Jason Bournes, há um preço a se pagar para garantir um espaço de destaque. E essa é uma verdade da qual não se pode fugir.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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