Crítica
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Sinopse
Eve tem um emprego burocrático e estável no MI5, o serviço britânico de informações de segurança interna e contra-espionagem. Mesmo a rotina repetitiva e entediante não diminui o seu desejo de se tornar uma espiã. É por isso que quando a primeira oportunidade surge, ela não pensa duas vezes e mergulha numa caçada incansável contra uma assassina. Agora, seu alvo é Villanelle, uma criminosa tão elegante quanto perspicaz.
Crítica
Eve Polastri (Sandra Oh) tem um emprego marcado por rotinas e pouca emoção no MI5, o serviço britânico de informações de segurança interna e contra-espionagem. Estável profissionalmente, feliz no casamento, ela vê sua vida virar de cabeça para baixo quando, após ser mandada embora por apontar a incompetência de seu superior, é convidada a liderar uma equipe secreta empenhada em localizar a assassina que vem deixando vítimas pela Europa. É a oportunidade que uma das protagonistas de Killing Eve tem de experimentar a adrenalina das ruas, de tomar contato com o mundo perigoso e excitante dos agentes secretos, das informações cifradas, dos homicídios de figurões a mando de organizações misteriosas cujos tentáculos alcançam além do horizonte. Carolyn (Fiona Shaw), sua recrutadora, é dada a camuflar assuntos espinhosos em conversas aparentemente banais durante compras no supermercado. O grande alvo da empreitada é Villanelle (Jodie Comer), jovem com talento para aniquilar homens e mulheres que têm suas cabeças a prêmio.
Killing Eve parte do magnetismo dos personagens. Boa parte dos diálogos é ambígua e maliciosa, seja em situações de risco ou na resolução de problemas comezinhos, como a falta de comunicação no matrimônio. Há doses de charme nessas negociações temperadas por humor britânico. As pitadas de sarcasmo perpassam os colóquios, inclusive alguns em ocasiões mortais. A série não fica presa ao desvendar dos intrincados labirintos burocráticos dos países, bem como passa longe de oferecer uma lógica cartesiana do funcionamento das agências de inteligência e dos contraventores enigmáticos que apenas "existem" por meio de representantes encarregados de distribuir as missões aos executores. Desde o princípio, a série se bifurca constantemente, apresentando de forma alternada a trajetória de Eve, gradativamente mais excitada com aquele cenário de investigações ao qual exibe talento e instinto, e Villanelle, a letalidade em pessoa. Sua perversidade latente surge em virtude da forma como sai de estados praticamente infantis para demonstrar falta de escrúpulos.
O time encabeçado por Eve ainda conta com Elena (Kirby Howell-Baptiste), de perspicácia imprescindível em determinados episódios, Kenny (Sean Delaney), o típico nerd valioso por conta do exímio talento para encontrar brechas e preciosos acessos, e Bill (David Haig), o amigo de longa data que, de uma hora para outra, se vê ligeiramente incomodado com a inversão de hierarquia. Killing Eve acirra o jogo de gato e rato, mostrando o mútuo interesse surgido entre as protagonistas, ligação que beira a obsessão e trisca o erótico. A inglesa acaba negligenciando o casamento, até então uma instância supostamente sólida e inquebrantável, para seguir as pistas deixadas propositalmente pela russa então fascinada pela rival. É mantida propositalmente uma tensão sexual entre as duas, nada que descambe à seara da literalidade, instância potente utilizada para adensar a ligação complexa, feita de atração e repulsa, sobretudo quando a assassina se coloca numa posição de inconsequência ao fazer movimentos arriscados em função de sua curiosidade.
Uma vez que Eve e Villanelle são os pilares de Killing Eve, não é se se estranhar que o êxito da deliciosa primeira temporada passe pelos desempenhos de Sandra Oh e Jodie Comer. A primeira vive a mulher comum, repentinamente sacudida por uma missão empolgante e perigosa em semelhante medida. A segunda encarna uma psicopata sem empatia alguma, mas que se pega instigada pela personalidade de quem a persegue. Não são à toa os presentes caros deixados à rival, menos como deboche, mais como exibição genuína da vontade de aproximar-se, ainda que tortuosamente, de acordo com códigos morais e de comportamento singulares. A série desenvolve esses percursos convergentes com bastante inteligência, ancorando-se em falas precisas e na construção narrativa que alude à tradição dos filmes de espionagem, responsáveis por cunhar a atividade no imaginário coletivo como glamourosa e extravagante. Nesse sentido, Eve se deslumbra intimamente, toma gosto, percebendo a imprescindibilidade da adrenalina que outrora lhe faltava na calmaria do cotidiano.
Villanelle atrai Eve por representar a possibilidade de uma vida emocionante, ainda que a integridade física esteja constantemente em jogo. O contrário acontece, porque Villanelle vislumbra em Eve uma oponente/amiga à altura. Killing Eve lida muito bem com a dubiedade de certas figuras, vide a atuação de Konstantin (Kim Bodnia) no limiar entre a marginalidade e a legalidade. Aliás, estas duas instâncias são engenhosamente confundidas de certo ponto em diante, gerando a incapacidade de asseverar, sem margem de erro, quem realmente é bandido. Esse borrar da fronteiras entre o certo e o errado é uma questão fundamental nesta série que transcorre num ritmo gostoso de acompanhar, com os enigmas tornando ainda mais instigantes a vida das personagens envolvidas em intrigas internacionais, desmandos governamentais e nos desígnios do submundo. Já renovada para a segunda temporada, ela encerra seu primeiro ano lançando mão de uma brutalidade derivada da voltagem amorosa (também sexual?) que une as duas ótimas protagonistas.
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