Crítica


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Sinopse

Quando os pais são deportados para a Índia por não estarem com seus documentos em dia, o pequeno Kabir se vê obrigado a lidar sozinho com todas as obrigações de uma pessoa adulta, inclusive tendo que administrar o hotel da família.

Crítica

Você sabia que um dos nerds de Silicon Valley (2014-2019) já foi indicado ao Oscar? Pois então, Kumail Najiani, que interpretava o paquistanês Dinesh, um dos braços direito (sim, ele tinha vários) do protagonista vivido por Thomas Middleditch na série da HBO, conseguiu esse feito ao lado da esposa, Emily V. Gordon, pelo roteiro que ambos escreveram juntos da comédia romântica Doentes de Amor (2017). Tudo bem que nem chegaram perto de levar a estatueta dourada para casa – o vencedor nessa categoria foi Corra! (2017), e os outros três na disputa eram A Forma da Água (2017), Lady Bird: A Hora de Voar (2017) e Três Anúncios para um Crime (2017) – mas é saudável perceber que conseguiram aproveitar esse status recém adquirido para empreenderem novos projetos que, de outra forma, talvez nunca chegassem a ver a luz do dia. Entre eles está a antologia Little America, na qual ambos assinam como roteiristas e produtores. Em foco, algo próximo da realidade dele – que, de fato, nasceu no Paquistão – e, ao falarem de si, ao menos tentam se comunicar com o mundo. Afinal, talvez esse esforço seja, de fato, o maior mérito do conjunto.

Segundo os realizadores, o único elo em comum nos oito episódios dessa primeira temporada de Little America está o fato de todos serem sobre imigrantes tentando sobreviver nos Estados Unidos. Para lá foram em busca de uma vida melhor, provavelmente tendo deixado para trás países subdesenvolvidos, em situações de guerra, fome, falta de trabalho ou outras carências tão ou mais problemáticas. Há de se ter o cuidado, nestas percepções, para evitar ver o grande país da América do Norte como a solução de todos os problemas do mundo, como se fosse um lugar perfeito e desprovido de falhas. Nesse sentido, os criadores parecem ter tomado os cuidados necessários ao chamarem para dirigir cada um dos capítulos realizadores oriundos dos lugares espelhados pela ficção. Outro crédito é que se tratam de relatos reais, retirados de uma coluna da revista Epic. A impressão, ao menos a uma certa e supostamente segura distância, é de que ao menos tomaram as precauções necessárias para evitar exageros, seja para um lado, ou para outro. O problema, no entanto, estava em algo ainda mais básico.

Tomando como ponto de partida o primeiro minifilme – cada um é independente dos demais, e funcionam tanto isoladamente, como no cenário maior que buscam criar mais pelos pontos de convergência nas tramas do que pela repetição de personagens ou ambientes – ser imigrante nos EUA não é fácil, mas também está longe de ser difícil. Em O Gerente, Sarita (Priyanka Bose, de Lion: Uma Jornada para Casa, 2016) e Krishan (Ravi Kapoor, de Ad Astra: Rumo às Estrelas, 2019) moram há anos no interior de Utah, onde administram um hotel de beira de estrada. O trabalho é puxado, mas levam com bom humor. Porém, quando uma oficial da imigração bate à porta com más notícias, precisam voltar para a Índia, até que a regulamentação esteja correta. Kabir, o filho de oito anos, provavelmente nasceu na América, e por isso a ordem a ele não irá se aplicar. O garoto ficará aos cuidados de um conhecido da família, que também responderá pelo estabelecimento comercial, nos poucos meses que os pais, imaginam, ficarão fora.

Aí é que está o ponto de virada. Krishan e Sarita não se ausentam por um mês, seis meses ou mesmo um ano. Eles acabam se ausentando por quase uma década! Nesse período, o homem no qual haviam confiado o filho e o negócio próprio simplesmente desaparece, revelando irresponsabilidade e falta de comprometimento. E nas costas de quem recaem as responsabilidades? Exato, do pequeno Kabir, que com o passar do tempo é interpretado por Ishan Gandhi, Eshan Inamdar e, por fim, por Suraj Sharma, que deixou meio mundo encantado com sua performance como protagonista do oscarizado As Aventuras de Pi (2012). Com pouco o que fazer, uma vez que seu personagem é dividido com outros dois atores – ainda por cima crianças, em passagens mais iluminadas – todo drama e conflito que poderia se esperar dessa história se resume ao olhar de desencanto e desânimo que o protagonista revela diante de qualquer situação, de uma festa com amigos, na lida com os clientes e até mesmo no reencontro com os pais.

Deepa Mehta, uma das mais conceituadas realizadoras de Bollywood, premiada no Festival de Cannes por Sam & Me (1991), assina a direção sem maiores exaltações, desviando de qualquer uma das possibilidades levantadas pelo roteiro. A criança criada sozinha, o adulto guardião que desaparece, a professora que acredita no talento do pequeno para soletrar palavras, a participação dele em um concurso nacional, seu encontro com a primeira-dama Barbara Bush (a história se passa no início dos anos 1990), os esforços paternos para voltarem para casa, como aprendeu sozinho a cuidar de um hotel, etc... tudo é tratado superficialmente, sem maiores detalhes. A pouca duração – são meros 30 minutos – também não colabora com uma reflexão mais profunda. Mas seria de se esperar mais desse retrato de uma dificuldade que muitos devem passar – como sair da ilegalidade em um país que não é o seu – ainda mais sendo essa a história escolhida para abrir o projeto. Não mais do que morno, está longe de apresentar graves problemas, mas também nem perto do potencial anunciado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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