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Sinopse

Nina decide recomeçar a vida numa mansão da Nova Inglaterra com seus três filhos quando o patriarca da família Locke é assassinado. No entanto, o que surgia como possibilidade de um novo começo, um espaço propício a uma fase mais tranquila, logo se revela um lugar repleto de mistérios e magia.

Crítica

Anunciada, à primeira vista, como uma série de suspense para jovens adultos, não demora muito para que o espectador se dê conta de estar diante de uma trama bastante juvenil – em alguns momentos, até mesmo infantil. E essa simplificação dos dramas e mistérios está exposta por todos os dez episódios de Locke & Key, partindo do próprio título – afinal, tudo gira em torno de fechaduras e chaves – e atingindo até mesmo os conflitos pessoais destes personagens, a maioria resolvidos de modo imediato, sem maiores repercussões. Os criadores Carlton Cuse, Meredith Averill e Aron Eli Coleite até podem ter experiências prévias em programas mais adultos – Jack Ryan (2018-2020), The Good Wife (2010-2013), Heroes (2006-2010), respectivamente, são alguns dos exemplos mais notórios – mas parecem ter decidido, em conjunto, que havia chegado o momento de apenas relaxar e curtir. E assim o fizeram.

Após Rendell Locke (Bill Heck, de O Alienista, 2018) ser assassinado por um dos seus alunos, sua esposa e filhos optam por mudar de cidade, indo morar na antiga mansão da família dele. A residência Locke estava há anos fechada, e a chegada de Nina (Darby Stanchfield, de Mad Men, 2007-2008), Tyler (Connor Jessup, de O Monstro no Armário, 2015), Kinsey (Emilia Jones, de No Topo do Poder, 2015) e Bode (Jackson Robert Scott, de It: A Coisa, 2017) não passará desapercebida pelos moradores da pequena Matheson, em Massachusetts. E se o nome da família é “Locke”, a casa não poderia se chamar de outra forma além de “Keyhouse”. E este é o verdadeiro mote do seriado: o local onde decidem habitar possui diversas ‘chaves mágicas’ escondidas, e cada uma delas possui uma habilidade diferente: uma permite que toda porta abra para qualquer lugar no universo, outra dá acesso às memórias de uma pessoa, tem a que possibilita uma mudança de corpo, e há aquela que transforma quem a possui em um fantasma, entre outras possibilidades.

Ao longo de dez episódios, cada um com mais ou menos uma hora de duração, a trama vai da chegada e adaptação a esse novo cenário, as descobertas desses artefatos e como utilizar seus poderes, os estabelecimentos de laços com vizinhos e colegas próximos e, por fim, a elucidação do segredo a respeito da morte do pai e sobre os paradeiros dos verdadeiros Guardiões das Chaves. Nesta última questão, uma figura terá influência determinante: Dodge (Laysla de Oliveira, de Campo do Medo, 2019), primeiro reconhecida apenas como Eco, mas cuja identidade aponta para uma das mais importantes reviravoltas desse ano inicial. Após se encontrar com Bode, ela sairá do poço por onde tanto tempo esteve encarcerada e, de posse de uma das chaves – justamente a que permite ir de um lugar a outro qualquer imaginado apenas com o abrir de uma porta – ela passa a colocar seu plano na ordem do dia. E para isso não estará sozinha, traçando ligações entre figuras tão distintas quanto Sam (Thomas Mitchell Barnet, de Run This Town, 2019), a garoto responsável pela morte do patriarca, ou Ellie (Sherri Saum, de Os Fosters: Família Adotiva, 2013-2018), a amiga de infância que somente aos poucos revelará seus verdadeiros medos e intenções.

Há um espírito que remonta diretamente a clássicos populares dos anos 1980, como Os Goonies (1985), ou mesmo a mais recente saga Harry Potter: os problemas enfrentados são sérios e poderão ter consequências trágicas, mas ao mesmo tempo em que os adultos se mantém alheios na maior parte do tempo sobre o que está se passando, serão as crianças e adolescentes que terão que enfrentar os perigos reais. Dodge está determinada a conquistar todas as chaves para si, e para isso não hesitará em eliminar qualquer um que fique no seu caminho – como exemplo disso, é possível apontar o episódio Dissection (T01 E07), quando um invasor ameaça a segurança da família, como um dos mais tensos dessa temporada. Por outro lado, cada um dos três filhos começa a formar seu próprio grupo: Kinsey e a turma do colégio, Tyler e uma possível namorada, Bode e o filho autista de Ellie, Rufus (Coby Bird, visto também em The Good Doctor, 2017). Essas conexões serão fundamentais no clímax final, quando, somente unidos, conseguirão fazer frente à ameaça que se aproxima.

Baseado em uma história em quadrinhos, Locke & Key é uma série fácil de ser acompanhada, dinâmica no desenrolar dos seus acontecimentos e dotada de personagens carismáticos. Porém, não muito mais do que isso. O seu argumento – as chaves mágicas – é mais interessante do que o desenvolvimento dessas possibilidades. E as forçadas ligações entre passado e presente, na maior parte das vezes, acabam por soar deslocadas, como que introduzidas à força, sem um preparo prévio e nem uma interlocução sólida. Soluções simplistas (como o triângulo amoroso de Kinsey) e outras que mereciam ser melhores exploradas (como o ‘esquecimento’ da mãe, após sua visita ao outro lado do espelho, assim como seus problemas com o alcoolismo) pontuam praticamente cada um dos capítulos, mostrando que, mesmo com evidentes méritos, haviam elementos em cena que poderiam ter recebido melhor tratamento. Em resumo, é não mais do que um passatempo, que evidentemente não se encerra em si mesmo, mas que oferece diversão suficiente para, ao menos, justificar as atenções recebidas. Resta saber se conseguirá permanecer na memória da sua audiência ao menos até o próximo ano (uma segunda temporada já foi encomendada).

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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