Crítica


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Sinopse

Nina decide recomeçar a vida numa mansão da Nova Inglaterra com seus três filhos quando o patriarca da família Locke é assassinado. No entanto, o que surgia como possibilidade de um novo começo, um espaço propício a uma fase mais tranquila, logo se revela um lugar repleto de mistérios e magia.

Crítica

Publicado pela primeira vez em 2008, as histórias em quadrinhos criadas por Joe Hill e Gabriel Rodriguez já tiveram outras incursões pelo audiovisual. Curiosamente, todas as versões anteriores de Locke & Key também foram para a televisão. A diferença, no entanto, é que se trataram de telefilmes. Mark Romanek (Não Me Abandone Jamais, 2010) entregou sua versão de Locke & Key (2011) com Miranda Otto como protagonista, em um projeto desenvolvido pela Amblin de Steven Spielberg. Na verdade, se tratava do piloto de uma série para a Fox Network, que acabou não tendo continuidade. Mesmo propósito e fim do Locke & Key (2019) estrelado por Danny Glover, dessa vez feito sob encomenda para a plataforma de streaming Hulu. Como o resultado também ficou aquém do esperado, foi preciso que a Netflix entrasse no jogo. O resultado é a série de dez episódios criada por Meredith Averill (A Maldição da Residência Hill, 2018), Aron Eli Coleite (Heroes, 2006-2010) e Carlton Cuse (Lost, 2004-2010). Um time de peso, como se percebe, e que ao menos nesse episódio de estreia já deixa claro o que pretende.

E qual o objetivo deles? Promover uma combinação de todas essas séries de sucesso com as quais estiveram envolvidos antes. De A Maldição da Residência Hill, bom, vem o mais óbvio: se trata de uma família que acabou de se mudar para uma mansão, literalmente no meio do nada, e que, obviamente, é assombrada por fenômenos muito antigos. De Heroes, observamos os personagens tendo acesso a artefatos – as chaves e fechaduras do título – que lhes concedem poderes inimagináveis. E de Lost, os inexplicáveis mistérios que permeiam toda a história. Afinal, como tais eventos podem ser possíveis? Qual o segredo que habita aquele lugar e quais as motivações por trás de cada um destes acontecimentos? Há muito a ser explorado, com certeza, e um tanto mais a ser descoberto pelo espectador que tiver paciência para ultrapassar as mais óbvias referências do gênero.

Já no primeiro capítulo, descobrimos que a família Locke foi desfeita quando o pai, um professor, é assassinado por um dos seus alunos. O rapaz queria uma resposta, justamente a respeito da casa onde agora estão, e o patriarca se recusou a concedê-la. Sua pena, portanto, foi um tiro que lhe tirou a vida instantaneamente. Mesmo diante desse aviso – afinal, os filhos e a esposa presenciaram a tragédia – a mãe decide que precisam de um ‘recomeço’, e por isso se mudam para a propriedade há muito abandonada. Quem ficou feliz com a notícia foi o tio, Duncan (Aaron Ashmore, de Designated Survivor, 2019), que pode se ver livre do lugar – e pelo jeito, há motivos para a sua alegria. Todo mundo na cidade, no entanto, parece saber que há algo de errado por lá. Mas não apenas isso: estão cientes, também, do drama que se abate sobre os recém-chegados, e por isso o entrosamento deles nessa nova realidade tem tudo para não ser dos mais tranquilos.

Entre dificuldades na escola que os dois filhos mais velhos passarão a frequentar e a adaptação em um lugar tão fora dos padrões com os quais estavam acostumados, caberá ao pequeno Bode (Jackson Robert Scott, de Maligno, 2019) a tarefa de descobrir os mistérios que os aguardam. A pista inicial surge do poço, onde ele conseguirá não apenas ouvir, mas, literalmente, conversar com seu próprio eco. Será essa voz que lhe dirá o que fazer, como encontrar as chaves espalhadas pela casa e o que fazer com elas. Umas abrirão portas de sorte e felicidade. Outras, de puro desespero e agonia. Como lidar com elas, evitar umas e partir em busca de outras será algo que terão que aprender através de muitas tentativas. Sim, no plural, pois não tardará para que Tyler (Connor Jessup, de O Monstro no Armário, 2015) e Kinsey (Emilia Jones, de A Casa do Medo: Incidente em Ghostland, 2018), seus irmãos mais velhos, assim como Nina (Darby Stanchfield, de Mad Men, 2007-2008), a mãe, também estarem a par de tudo que o novo lar lhes reserva.

O tom assumido por Locke & Key, ao menos nesse episódio de estreia, é absolutamente juvenil. Chega a ser curioso, portanto, a sugestão etária mais voltada ao público adolescente, uma vez que certos desenlaces são quase infantis em sua ingenuidade. As supostas pontas soltas – as intenções da Eco e as reais motivações do assassino – não chegam a ser muito complicadas, e é bem provável que as relações com os novos vizinhos e colegas acabem por tomar maior parte das tramas dos próximos capítulos, resignando-se a ser apenas mais um genérico como Riverdale (2017-) e tantos outros similares, sem nunca alcançar os méritos de um Stranger Things (2016-), por exemplo. Mas talvez seja cedo para tais julgamentos. O mais certo nesses momentos iniciais é acreditar que algo verdadeiramente original possa surgir dentre tantas portas a serem abertas. Material em mãos, pelo que pode presumir, existe. Basta coragem para deles se apropriar sem ressalvas nem meias palavras.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.