Crítica
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Sinopse
Ana e os gêmeos Sofia e Beto formam um trio de irmãos com poucas coisas em comum, além do fato de morar em São Paulo, uma das cidades mais efervescentes do Brasil, e se negar a vivenciar os amores e afetos como seus pais.
Crítica
Vivemos em tempos fluidos. A geração surgida a partir da virada para os anos 2000, principalmente aquela localizada nos grandes centros e atenta às demandas e solicitações históricas de minorias tradicionalmente ignoradas, tem se preocupado cada vez mais em incluir em sua agenda uma atenção ao diverso, ao incomum, ao que foge dos padrões pré-estabelecidos por seus pais e avós. Derrubando muros e paredes para reconstruir essas mesmas estruturas a partir de um novo ponto de vista, mais agregador e socialmente consciente. Não que tudo seja cor de rosa nessa realidade: muitas dessas mudanças só tem início a partir de empurrões vindos de outras ordens, na maioria das vezes, por instâncias superiores: como dos adultos, antes tão preocupados em proteger e cercear, agora mais ocupados consigo mesmos e prontos para deixar que cada um cometa seus erros por si mesmos. No caso de Lov3, série criada por Felipe Braga e Rita Moraes (mesma dupla por trás programas como Samantha, 2018-2019, e Sintonia, 2019-2021), a iniciativa é, mesmo, parental. Mas esses são apenas os propulsores da transformação: estão nos jovens o poder a respeito do que fazer a seguir. E esse viés, perseguido do início ao fim dessa temporada inaugural, garante um frescor que, se não totalmente original, ao menos é suficiente para assegurar um olhar mais atento por parte da audiência.
Quando aqueles que sempre lhes garantiam assistência os forçam a se mexer, três irmãos se veem obrigados a lidar com o mundo lá fora, distante no ninho que sempre os preservou. Ao contrário do que o título poderia sugerir – Lov3, ou seja, amor com um três no final – os protagonistas não formam um triângulo amoroso (por mais que esse seja parte importante da trama). Sofia (Bella Camero) e Beto (João Oliveira, de novelas como Deus Salve o Rei, 2018) são gêmeos e moram sozinhos na casa da família, após mãe (Chris Couto, de Ilha de Ferro, 2019) e pai (Donizeti Mazonas, de Onisciente, 2020) terem partido para viver no interior. A situação dos dois começa a mudar quando a irmã mais velha, Ana (Elen Cunha, de Sob Pressão, 2017), ao atravessar uma crise com o marido (Drayson Menezzes, visto em 5X Comédia, 2021), decide voltar para o lar da infância, ao mesmo tempo em que Baby desiste de carregar sozinha as responsabilidades maternas e, insatisfeita com a constante omissão do marido e dos filhos, declara independência pessoal, afetando a todos ao seu redor: a relação com Fausto está com os dias contados, o cachorro de estimação morreu e quem quiser continuar morando naquele endereço terá que pagar aluguel.
A postura daquela que deveria inspirar segurança pode até soar impositiva num primeiro instante, mas logo se revelará parte de um processo de aprendizado. Estão todos por demais acomodados, e será ao se jogarem na vida real que as coisas, enfim, começarão a acontecer para os três. A situação de Ana talvez seja a mais complicada. Envolta por um relacionamento que se demonstra desgastado, por outro lado se recusa a aceitar essa verdade, lutando como criança mimada para não ter que enfrentar uma realidade que por muitos seria vista como fracasso: do investimento, das trocas, do que por tantos anos construíram juntos. Artur, o esposo, está longe de ser uma companhia a ser evitada. A questão é que ambos deixam claro estarem em sintonias distintas. Se no começo decidem retomar os laços, aos poucos entendem que, como estavam, não poderiam continuar. Primeiro pensam em abrir a relação, permitindo se envolverem com terceiros. Mas o que deveria ser apenas sexual, logo avança para o emotivo. Como estabelecer limites quando é o coração que está ditando as regras, e não mais o cérebro? Tanto Elen quando Drayson demonstram forte química juntos, o que se no início favorece a formação do casal, mais adiante revelará estranheza ao vê-los separados.
Apesar de ter a mesma idade da irmã, Beto assume para si uma postura de caçula: sempre foi o mais resguardado, o mimado, aquele com menos condições de se virar sozinho. Ciente disso, opta por ser radical, deixando quem sempre esteve consigo desde o útero para, enfim, caminhar por si só. O passo seguinte será encontrar um lugar para ficar, e a sorte virá ao se deparar com Luis (Samuel de Assis, afetado na medida certa), que lhe oferece o quarto dos fundos como abrigo. O garoto trabalha, então pagar o valor a ser cobrado pelo pouso não será problema. Mas o que fazer na hora do sexo? Afinal, seu maior problema é ter um lugar onde possa receber os contatos que estabelece através de aplicativos online. O mais frequente é o Hétero Curioso (Tatsu Carvalho, eficiente em evitar que seu personagem se transforme num desvio cômico indesejado), que o deseja apenas para aqueles minutos de prazer, mas logo em seguida, já aliviado, voltar para a esposa e filho. Diante do cenário armado, não se exige muito para antecipar qual será o desfecho desses laços, numa das jornadas mais previsíveis do enredo.
Por fim, Sofia se mostra a mais esperta – e, também, mais acomodada. Pois sua solução, retirada como que do fundo de uma cartola, será se envolver com um trisal já formado, e convencer seus integrantes a se mudarem para a casa como se numa oportunidade de ocasião. Sem pensar muito nas desvantagens – afinal, terá que viver com três desconhecidos – e apenas no feito final – com a parte de cada um deles, o valor cobrado pela mãe será quitado – a garota abre espaço na sua vida para Isa (Ingrid Gaigher, de Segunda Chamada, 2019), Matheus (Jorge Neto, de Pico da Neblina, 2019) e Joaquim (Caio Horowicz, em uma composição próxima a tipos por ele vividos em Boca a Boca, 2020, Música para Morrer de Amor, 2019, ou Califórnia, 2015). Se a irmã mais velha é heterossexual e o irmão é homossexual, cabe a esta experimentar a bissexualidade, indo de um extremo a outro sem a maleabilidade que talvez fosse ambicionada. Como a estrutura parece se guiar por uma cartilha de amores modernos, é apenas mais uma etapa a ser preenchida. Lamenta-se, no entanto, que essa via não seja levada adiante pelos realizadores, como se o envolvimento múltiplo fosse apenas uma etapa antes do assentamento entre dois – ou duas. Faltou coragem, por mais que se alarde o contrário.
E entre discursos pretensamente revolucionários, Lov3 ainda incorre em outras armadilhas que poderiam ter sido evitadas. Uma delas pode ser percebida a partir das leituras impostas pelas funções dos corpos negros na trama. O trio de protagonistas é formado por jovens brancos cis, mas, de uma forma ou de outra, todos acabam se envolvendo, em diferentes graus de fetichismo, com parceiros negros, sejam eles motivadores de arrependimento, realização ou mesmo prazer momentâneo. Uma abordagem complicada, que talvez não tenha sido aprofundada pelo tempo limitado dessa primeira temporada – são apenas seis episódios de 30 minutos cada – mas que, justamente por isso e pelo potencial problemático que abraça, merecia um olhar mais cuidadoso. Por outro lado, se essa é uma questão que fica na conta dos roteiristas, o elenco se mostra desenvolto o suficiente tendo que lidar com tipos que refletem uma verdade cada dia mais frequente. Por mais auspicioso que esse início possa se mostrar em alguns momentos, há tanto a ser dito a partir da premissa escolhida que o encontrado por aqui resulta em mais de uma vez superficial, para não dizer redundante. Os elementos estão reunidos, bastava, para isso, organizá-los de modo convincente. Ousadia no formato e conseguir se apropriar do discurso proposto não podem ser apenas peça de marketing, mas, sim, parte fundamental da receita.
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