Crítica


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Sinopse

Depois que um experimento sabotado ter deixado Luke Cage com uma super-força e pele indestrutível, ele se torna um fugitivo que tenta reconstruir a vida no Harlem, bairro de Nova York. Mas logo ele é forçado a sair das sombras e lutar pela sua cidade, bem como confrontar o passado do qual tentou fugir e assumir a identidade de herói.

Crítica

Dois anos antes da Marvel investir em Pantera Negra (2018)como seu primeiro protagonista negro nos cinemas, num imenso sucesso de bilheteria, a parceria com a Netflix já havia apresentado outro super herói, talvez não tão conhecido mundialmente, mas com grande representatividade e muito pé no chão, em Luke Cage. Após aparecer de forma explosiva como interesse amoroso e conflito emocional de Jessica Jones na primeira temporada da heroína, o poderoso à prova de balas ganhou série própria no ano seguinte. Além do personagem principal carismático, a produção introduziu bons coadjuvantes, um vilão interessante (e outro nem tanto), trazendo um discurso político e racial que até então não havia sido visto. Se Demolidor (2015) é uma crítica ao submundo de qualquer metrópole e Jessica Jones (2015) uma ode ao feminismo, Luke Cage foi responsável por trazer a dinâmica do racismo ao mundo dos heróis do streaming.

Luke (Mike Colter) é um cara como qualquer outro, mas foi preso injustamente. A chance de sair da cadeia veio com um experimento científico que o deixou com força sobrehumana e a pele impenetrável. Porém, não são seus "poderes" que fazem o personagem se tornar um herói. Pelo contrário. A ideia martela na cabeça, mas Luke só quer limpar seu nome e viver tranquilamente. Mas, claro, no Harlem isso pode ficar difícil com pessoas ao redor que, aos poucos, começam a saber de seus dons. Principalmente, quando o protagonista lembra, mais uma vez, das desigualdades sofrida por ele e pelos outros, seja pela sociedade em geral ou pela polícia que não dá bola para a guerra do tráfico que se estabelece na região.Algo comandado, aparentemente, por Cornell Stokes, o Cottonmouth – ou Boca de Algodão (Mahershala Ali, vencedor do Oscar por Moonlight, 2016).

Este não é apenas um vilão a ser vencido. Cottonmouth pode ter seus métodos duvidosos e caprichar na arte do crime, mas nem sempre suas intenções parecem ser das piores, tornando o personagem muito carismático. Chega ao ponto, quando há um embate dele com Luke, que fica difícil torcer para apenas um (por mais que não se concorde com as ações do bandido). Até porque, a esta altura, já se sabe que há algo pior por trás. E talvez seja após o fim do primeiro arco desta temporada que a mesma sofra uma leve queda em seu ritmo. Talvez aítenha se criado o clichê de que várias séries da Netflix (não apenas as da Marvel) poderiam ser mais curtas, não com 13, mas 10 ou oito episódios, para priorizar a qualidade narrativa.

Porém, mesmo com o bíblico Cascavel (Erik LaRay Harvey) sendo uma bela adição ao rol de vilões, fica claro que, numa crescente do primeiro ao último episódio, quem faz a roda girar é a vereadora Mariah Dillard. Uma personagem tão ambígua (na pele de uma brilhante Alfre Woodard), que ajuda a todos, mas também consegue ser inescrupulosa tanto nas suas ligações com os que agem fora da lei quanto com as próprias ambições. É o retrato da má política de assistencialismo barato com segundas intenções mais ousadas e maléficas, visando sempre o benefício próprio ao invés de servir para aqueles que a cercam.

Neste meio, o Harlem não é apenas o cenário onde acontecem as ações principais da série, mas também um grande personagem. A região novaiorquina, tradicionalmente conhecida pela maioria da população negra, também revela os traços comuns de uma comunidade em que ser de outra cor ainda é problema para muitos. Desigualdades sociais e tráfico de drogas andam em paralelo com um senso de irmandade positivo que impera nas relações interpessoais entre Luke e os coadjuvantes. 

Além de um belo roteiro, o criador Cheo Hodari Coker utiliza referências pop próprias da comunidade negra para embalar o desenvolvimento de um herói em busca de sua identidade própria. A blaxploitation típica dos anos 1970 está presente tanto na fotografia amarelada – que contrasta com o "uniforme" de Cage (sua já marcada camiseta básica da mesma cor, que, inclusive, voltou a ser utilizada nas HQs após o sucesso da série) – quanto a trilha sonora, que incorpora blues, rap, hip-hop, jazz e soul na mesma medida, criando um cenário afroamericano totalmente contextualizado com as origens do personagem, tanto nos gibis quanto na própria série televisiva.

É claro que se não fosse o protagonista, metade deste sucesso não existira. Mike Colter não apenas incorpora Luke Cage com toda sua complexidade como parece fisicamente ter saído dos quadrinhos para embarcar na tela. Ele representa a versão contemporânea do herói nas páginas de Novos Vingadores, grande sucesso de público e crítica que retomou as boas vendas dos títulos dos Vingadores na Marvel (algo que não acontecia há anos). E mais: Luke chegou a ser o líder do super grupo durante um período. Quer mais poder do que isso? Quem sabe futuramente não haja uma interação maior entre as séries da Marvel com o MCU nos cinemas e possamos ver algo próximo disso se tornar realidade. Enquanto não há previsão, o jeito é curtir esta bela produção enquanto se aguarda a segunda temporada, prevista para 2018.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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