Sinopse
Crítica
Afinal, o que é ser herói? Se na primeira temporada de Luke Cage essa pergunta ainda não havia sido feita, pois era preciso apresentar a origem do personagem e seu amor pelo Harlem, bairro onde mora, agora no segundo ciclo de episódios os produtores aproveitaram o sucesso de Pantera Negra (2018) nos cinemas para ampliar as discussões sociais acerca da população negra dos EUA e intensificar a jornada do protagonista em busca de quem ele é. Sim, o novo ano consegue ajustar muito do que eram falhas da season one, mesmo que não beire à perfeição.
Desta vez, Cage (Mike Colter) começa como o famoso super-herói das ruas do Harlem. Mesmo que sua humildade o impeça de massagear o ego com tamanha fama, Luke é abordado na rua como o detentor da espada e do capuz, aquele que resolve todos os problemas. Camisetas e outros produtos são vendidos com seu nome. Porém, o que ele quer, mesmo, é ficar em paz com Claire (Rosario Dawson) e curtir a vida com menos dificuldades. Claro, nem tudo são flores, pois Mariah Dillard (Alfre Woodard) continua seu reinado de crime, ainda que queira se livrar o mais rápido possível dessa vida – mesmo que com ações completamente questionáveis. A situação piora quando surge Bushmaster (Mustafa Shakir), jamaicano que tem pendências com a família Stokes (de Mariah) e, por isso mesmo, arquiteta uma vingança contra a ex-vereadora. Luke, na verdade, acaba sendo apenas uma pedra em seu caminho.
Bushmaster e Cage são personagens que conversam um com outro devido às suas trajetórias. Os dois buscam justiça, ainda que o jamaicano prefira o caminho do crime para tal. Para enfrentar Luke, ele usa e abusa de uma espécie de esteroide à base da flor Nightshade, que o deixa hiperforte, ainda que (como todo anabolizante) cause sérios danos ao seu corpo. É justamente por conta disso que o nome do protagonista acaba indo parar na lama. Da popularidade do início, inclusive com iminentes contratos com marcas famosas, ele acaba perdendo fãs ao levar um belo soco de Bushmaster na rua, evento que viraliza na internet.
Mariah também tem uma curva ascendente que logo é interrompida. Da sua tentativa de reconstruir a vida sendo acionista da maior empresa de plásticos comandada por um negro em todo o mundo e a reaproximação com a filha, Tilda (Gabrielle Dennis) – médica, proprietária de uma loja de produtos naturais –, a dona do Harlem's Paradise é obrigada a se preocupar com a presença de Bushmaster, o que faz sua personalidade cruel aflorar como nunca, tornando-a (mais uma vez) a grande vilã da série como um todo. Agressiva, histriônica e nada confiável, Mariah tem um passado obscuro e recheado de violência que dá à sua personalidade uma verossimilhança ainda maior para os atos cometidos. A atuação de Alfre Woodard impacta ainda na construção da personagem, que vai dando vazão à loucura à medida que suas perdas aumentam.
No outro lado da lei, Misty Knight (Simone Missick) ganha os holofotes não como a coadjuvante da primeira temporada, mas assumindo o papel de co-protagonista. Uma decisão extremamente inteligente dos showrunners, já que a personagem tem um séquito de fãs das histórias em quadrinhos, além de grande potencial, explorado minuciosamente neste segundo ano da série. Da perda de seu braço (ocorrida em Os Defensores), até o novo membro mecânico e sua habilidade inquestionável como detetive, Knight passa por momentos de questionamento moral e ético que reverberam por todos os personagens da série, inclusive Luke. Sua dobradinha com o fortão definitivamente coloca os dois como grandes parceiros, mas que ainda tem muitas questões ideológicas para colocar em dia.
Não bastasse essa gama toda de personagens interessantes, ainda o arco de Shades (Theo Rossi) acaba sendo um dos mais reveladores e excitantes da temporada. Agora como amante de Mariah, assim como seu braço direito, o gângster vai do céu ao inferno nessa relação explosiva. Seja pelos questionamentos dos outros bandidos (que não sabem se ele realmente a ama ou apenas é a usa – assim como também pode ser usado como boy toy), ou seus limites no mundo crime, o latino balança de um lado a outro, causando suspense mais do que notável ao andamento da história. Afinal, é através dele que grandes reviravoltas vão surgir ao longo da narrativa. Resta ainda citar o retorno do pai de Luke, James Lucas, último papel de Reg E. Cathey, falecido em fevereiro deste ano. Da complicada relação entre pai e filho, Cathey dispara algumas das melhores falas desta temporada. Não à toa, fecha o ano com a sentença"o poder que vem de dentro".
Porém, Luke Cage não gira em torno somente de personagens e suas intricadas relações. A trilha sonora é uma constante ainda maior nesta temporada, com vários interlúdios gravados como se fossem clipes ambientados no Harlem's Pardise. Todos parecem essenciais à trama e é interessante notar como o estilo musical varia de acordo com a história contada. Se nos primeiros episódios o blues e o jazz dominam no reinado de Mariah, o reggae começa a tomar conta com a ascensão de Bushmaster, para depois o rap e o hip hop falarem mais alto quando o limite moral dos personagens vai se aproximando enquanto a temporada chega ao clímax. É uma ideia bem utilizada e que dá ritmo aos episódios – ainda que fique cada vez mais evidente que a Netflix deva rever a necessidade dos 13 episódios. Não que aqui eles sejam ruins. Pelo contrário, há um prazer gigante na maratona realizada, mas é claro que a história poderia ser resolvida em 10 ou até oito capítulos.
Com mocinhos e vilões em destaque, uma trama que mapeia de forma majestosa o crime nas ruas de Nova York e questionamentos ácidos sobre como um herói deve se portar (além de uma bela participação de Danny Rand, o Punho de Ferro, alívio para os detratores de sua série), a segunda temporada de Luke Cage corrige os defeitos de sua antecessora, aprimora as qualidades da mesma e ainda traz novos rumos para o protagonista, ainda que seu desfecho seja agridoce e faça referência direta a um clássico do cinema sobre máfia. Os caminhos para uma terceira temporada estão abertos. Mas será que Cage, realmente, se tornou o que gostaria? Ou apenas foi na mesma direção das pessoas com quem tem esbarrado pela frente? Resta aguardar para saber se ele vai ser apenas um herói de aluguel ou alguém que luta por uma causa justa. Por enquanto, não há nada definido. E que bom ficar com esse questionamento para ser adiado apenas mais adiante.
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