Crítica


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Sinopse

Em Manhattan, 1958, acompanhamos a vida de Mirial "Midge" Maisel, uma mulher que possui a vida que sempre quis: um marido perfeito, dois filhos e um ótimo apartamento no Upper West Side. Contudo, ela vê sua estrutura sofrer uma reviravolta quando descobre que um talento curioso para a comédia e troca a vida que levava pelo universo das apresentações stand-up.

Crítica

Depois de duas primeiras temporadas excepcionais – além de amplamente premiadas nos Estados Unidos – , o terceiro ano de Maravilhosa Sra. Maisel deixou um pouco a desejar. Os personagens seguem cativando, pois muito bem construídos e, principalmente, interpretados com uma qualidade bem acima da média. A direção de arte continua sobressaindo na construção dessa sociedade norte-americana em pleno processo de transição entre os anos 1950 e os 1960. O roteiro ainda é repleto de sacadas espertíssimas, como quando Joel (Michael Zegen) basicamente descobre um porão repleto de chineses apostadores abaixo do espaço por ele alugado para transformar na tão sonhada casa noturna. Mas, há um enfraquecimento do que havia sido o núcleo da dramaturgia dos anos anteriores, justamente a constatação do papel que cada figura ali desempenha dentro da coletividade tradicional estadunidense. Miriam (Rachel Brosnahan), por exemplo, floresceu individualmente contra um patriarcado opressor de modo elegante, sem hastear as bandeiras (o contrário não seria nada ruim).

Na verdade, a causa que a protagonista abraçava instintivamente, sem que alguém lhe doutrinasse a respeito, era o feminismo, a batalha a ser travada em busca de respeito e igualdade de gênero. Em pouquíssimos momentos dessa leva a constatação de um árduo processo em curso é ressaltada. Quando Miriam fala ao microfone abertamente sobre o assunto é para questionar porque apenas um tipo de comportamento pode ser atrelado a essa busca por justiça. A turnê com o celebradíssimo Shy Baldwin (Leroy McClain) dá um frescor à história da Sra. Maisel, oferecendo à protagonista a oportunidade de crescer como artista, de enfrentar percalços e plateias nem sempre favoráveis. Todavia, os responsáveis pela série optam por concentrar os debates nos âmbitos estritamente pessoais, deixando que o substrato social surja apenas circunstancialmente, nas entrelinhas. Ainda é uma delícia assistir ao programa, mas falta aquela densidade subjacente que o enleva.

Certas pessoas ganham terreno nessa temporada de Maravilhosa Sra. Maisel. A afiada Susie (Alex Borstein) enfrenta contratempos para fazer sua nova contratada emplacar na Broadway como “atriz séria”. Porém, a dinâmica com Sophie Lennon (Jane Lynch) é mais pitoresca que definidora, encaixada entre as viagens da agente com a protagonista como subterfúgio para criar pequenos atritos entre as duas. Alex Borstein ainda rouba a cena, repetidas vezes, mas, paradoxalmente, o maior tempo concedido à sua personagem não a torna uma figura mais exposta. Quem deita e rola dentro dessas novas configurações é o impagável Tony Shalhoub, intérprete de Abe, obrigado a viver momentaneamente com os ruidosos ex-sogros da filha. Essa convivência atribulada e repleta de cutucadas sarcásticas adquire ares de um jogo obviamente intermediário entre notáveis bufões. Também são ótimos os instantes com os idealistas de butique, os pomposos comunistas de araque.

Já Marin Hinkle, atriz que vive Rose Weissman, perde chão após sua ascensão na segunda temporada com a viagem à Paris e a resolução aparentemente inalterável de viver no Velho Continente. Neste terceiro ano ela é resumida a um ato de rebeldia contra a família, movimento que parece apenas conveniente para ressaltar o cataclismo econômico tão importante aos desvãos do casal. Verdade seja dita, no episódio derradeiro ela faz um desabafo que remonta à sua subjetividade para além das atitudes intempestivas, tais como tentar arrumar uma pretendente para o ex-noivo de Miriam. Toda vez que Maravilhosa Sra. Maisel promete entrar num assunto potencialmente controverso ou oferecer uma guinada aos acontecimentos principais, há um sutil retrocesso. A conversa da protagonista com uma baixista sobre sexo casual poderia render bem mais. Mas, não. A comediante logo depois se enreda pelo conhecido Lenny Bruce (Luke Kirby) e reafirma seu recato.

Dentro do universo ditado pelos oito episódios, há frações em que ideais essenciais são reforçados, enquanto em outras parece haver a necessidade de correr para dar conta da curva dramática proposta. Na última parte, a série aponta para uma possibilidade ousada de ruptura entre duas personagens praticamente indissociáveis. As ações irresponsáveis de uma colocam em risco os árduos planos da outra. Mas, os roteiristas preferem lançar mão de recursos fácies – como um imóvel segurado que evita a instauração da crise – para manter as amigas unidas. E, como era preciso criar uma bruma de incertezas a fim de deixar um gancho à já confirmada quarta temporada, eles permitem uma mudança telegrafada pelo conteúdo de uma apresentação no palco. Maravilhosa Sra. Maisel continua sendo um programa e tanto, todavia nesta temporada mais entretendo do que propondo reflexões de modo sofisticado. Vamos ver como a série se adapta às turbulências dos anos 60.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

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Marcelo Müller
7
Daniel Oliveira
7
MÉDIA
7