Crítica


6

Leitores


15 votos 7.8

Sinopse

Acompanha a trajetória de Aminata Diallo, uma mulher que aos onze anos de idade é capturada na África e levada para a Carolina do Sul como escrava no final da década de 1700. Com o passar dos anos, ela aprende a ler e a escrever, o que lhe permite melhorar de posição. Durante o conflito da Revolução Americana ela consegue fugir, estabelecendo residência na Nova Scotia, no Canadá. Lá, ela encontra outros negros que também conseguiram iniciar uma nova vida, mas eles enfrentam a resistência da sociedade local.

Crítica

Minissérie em seis capítulos, Meu Nome é Liberdade é protagonizada por Aminata Diallo (Aunjanue Ellis), africana nascida na Guiné-Bissau, capturada aos 11 anos de idade e levada à Carolina do Sul, nos Estados Unidos, como escrava. A trama se passa nos anos 1700, concentrada na sucessão de martírios da então menina que chega à fazenda de um homem totalmente cruel, cuja atitude cotidiana com suas “propriedades” é desumana. A estrutura narrativa é folhetinesca, semelhante a das novelas, com progressão célere, repleta de eventos marcantes e tom melodramático predominante. Os personagens são bem determinados, não possuem consideráveis arestas ou áreas cinzentas perceptíveis, sendo necessariamente bons ou ruins, com alguns ocasionalmente flutuando nesse âmbito maniqueísta. No entanto, a boa delineação dessas figuras, a despeito da falta de profundidade, bem como a força da história sendo contada do ponto de vista de alguém que experimentou agruras relativas a um sem número de africanos igualmente subjugados, garantem o interesse.

Meu Nome é Liberdade apresenta os acontecimentos de maneira rápida, sem muito tempo para que as conjunturas se assentem, amontoando as etapas da triste trajetória de Aminata. Dessa forma, é flagrante a falta de consistência de passagens como as constantes travessias marítimas, com pessoas aglomeradas em porões, acorrentadas à servidão que lhes é imposta, convivendo com as pestilências e os odores fétidos de sua danação. A falta de nuances e de um mergulho maior nas circunstâncias, porém, não impede o conjunto de acertar bastante em determinados pontos, como na demonstração do quão insidioso e abominável foi o processo de sequestro de homens, mulheres e crianças de suas terras natais e o deslocamento para a colônia inglesa que necessitava de mão de obra. Nem todos os sujeitos brancos em cena são ruins, aliás, alguns demonstram um sentimento abolicionista acanhado quando a protagonista ainda era uma jovem desorientada. Mas, mesmo com limitações, em nenhum momento a perspectiva central deixa de ser a dela, a da oprimida.

Um dos grandes sintomas do infortúnio de Aminata é a história de amor com Chekura (Lyriq Bent), antes um menino escravizado que ajudou a aprisionar compatriotas para os mercadores que aportavam no litoral africano. Esse peso na consciência é acessado verbalmente, não ganhando grandes ressonâncias. Pode-se dizer que os desencontros entre esses personagens apaixonados beiram o excessivo, não exatamente por conta de sua reincidência, mas em virtude da maneira forçada como eles são tornados consecutivos e aparentemente inevitáveis. Sempre que a felicidade parece encontrar algum espaço em meio a tanta tristeza, os dois acabam separados, ora pelo fato de serem de proprietários distintos, ora por conta do conflito entre a Inglaterra, a colonizadora, e os Estados Unidos, a soma de colônias que anseia por independência. Aliás, os criadores aproveitam timidamente a incongruência residente em boa parte dos estadunidenses, uma vez que mesmo seus desejos de liberdade não são suficientes para gerar uma comoção generalizada contra a escravatura.

Um dos grandes valores de Meu Nome é Liberdade é o elenco, a começar pelo trabalho sensível e pungente de Aunjanue Ellis. Ela constrói uma personagem que parece suportar a dor de todos os negros nas costas. A atriz se encarrega de oferecer gradações entre as fases distintas dessa mulher que, em dado instante, resolve se rebelar contra a engrenagem perversa que teima em lhe diminuir. Perifericamente, há a relevância da questão identitária sendo debatida, ainda que moderadamente e a serviço de ocasiões pontuais mais empenhadas em emocionar circunstancialmente que necessariamente em criar um painel amplo e denso o bastante. Sintoma disso, a necessidade dos cativos com relação à verbalização de seus nomes e consequentemente de suas individualidades. Isso também se percebe na forma como Aminata e Chekura se tratam quando é preciso reforçar os laços de seu vínculo resistente, com as menções, inclusive, de sobrenomes, ou seja, a reafirmação de sua existência para além das tentativas constantes de rebaixamento a um nível praticamente inumano.

Meu Nome é Liberdade melhora sensivelmente com o passar dos episódios, especialmente pelo gradativo costume com a narrativa folhetinesca sem tanta atenção às complexidades narrativas e sociais, mas ainda assim potente ao ponto de gerar reflexão. No que tange aos personagens secundários, nomes conhecidos como Cuba Gooding Jr. e Louis Gossett Jr. se destacam, respectivamente, nas peles do estabelecido em Nova Iorque que auxilia Aminata e do idoso praticamente cego que funciona como espécie de guia espiritual à jornada de retorno à Mãe África. Ben Chaplin, encarnando o militar inglês que também cumpre uma função imprescindível no caminho da protagonista, e Stephan James, ator que vive o jovem impetuoso de destino trágico, também sobressaem como o pouco espaço que lhes é concedido. A minissérie é repleta de curvas dramáticas um tanto desajeitadas, abarca vários acontecimentos em pouco tempo e não investe como poderia nos contornos de uma questão tão complexa quanto o tráfico negreiro de milhares. Contudo, é um ponto de partida bem-sucedido, que se mantém focado na narrativa negra, sem desviar-se, chegando a emocionar.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.