Crítica


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Sinopse

"Nos recuperamos, não com a determinação de vencer a todo custo, mas com a paciência e o controle de querer que isso acabasse: nem no verão, nem na infância de nosso filho, nem neste jogo."

Crítica

Dentro da compilação sobre amores contemporâneos em Nova York, não poderia ficar de fora o relacionamento desgastado entre duas pessoas casadas, com filhos, tentando apimentar a união. Quando Sarah (Tina Fey) e Dennis (John Slattery) assistem a um filme juntos, trata-se de A Marcha dos Pinguins (2005), documentário no qual se discute justamente a perenidade dos relacionamentos no mundo animal. Como em todos os episódios desta série, o mundo serve apenas a comentar o estado de espírito dos protagonistas: o empresário interpretado por Dev Patel observava o carinho entre gorilas num zoológico, a jovem bipolar encarnada por Anne Hathaway tinha um supermercado inteiro literalmente dançando para ela. O realismo do projeto é comprometido pelo retrato acessório da realidade: espaços servem de cenário, enquanto personagens coadjuvantes limitam-se a dar a réplica ao protagonista.

Devido à presença de Tina Fey, “Renovando para Manter o Jogo Vivo” tem seu caráter cômico acentuado. A atriz domina as tiradas sarcásticas, mesmo que sustente em paralelo o longo diálogo dramático dentro de um restaurante. No entanto, o tom é de uma leve farsa, com todos os atores atuando um grau acima do realismo para efeito cômico: o desinteresse de Dennis parece acentuado demais, as provocações entre os filhos jovens soam abruptas em excesso, e convenientes para acentuar as brigas entre os pais. Quando o casal decide jogar tênis juntos, é claro que a brincadeira descompromissada se transforma em rivalidade: o roteiro não perde uma oportunidade de frisar o descompasso entre ambos. De certo modo, este episódio remete a uma versão muito mais leve e superficial de História de um Casamento (2019), tentando destrinchar os passos da separação entre duas pessoas que se amaram um dia.

Ora, o criador John Carney jamais deixaria que a dupla se separasse definitivamente: Modern Love acredita no amor acima de tudo, resolvendo qualquer problema. Após uma série de constatações sobre a falência do casamento, a conclusão simplesmente ignora os conflitos para salvar o dia. Instaura-se a lógica das comédias românticas, ou mesmo dos romances idealizados, segundo os quais todo amor escrito pelo destino tende a se consertar eventualmente, de um modo ou de outro, pela evidência do amor. A série sustenta uma briga constante com o realismo, como se o aspecto mais duro e cruel de Nova York fosse atenuado pela perspectiva de descobrir o amor a cada esquina. Carney está sempre disposto a abandonar a verossimilhança em nome do sonho, assim como ocorrerá entre marido e esposa entediados.

Em termos de atuações, os protagonistas estão confortáveis, efetuando um papel que não exija muito de cada um para além das personas às quais estão habituados: Fey apostando no sarcasmo dos diálogos, Slattery explorando a habitual elegância à beira do arrogante. O conteúdo inteiro de “Renovando Para Manter o Jogo Vivo” se assemelha a uma esquete cômica esticada até a duração de pouco mais de vinte minutos. Ela sustenta um tom agridoce, nem engraçado a ponto de despertar grandes risos, tampouco triste para arrancar lágrimas do espectador. O procedimento, assim como os conflitos, soa fácil demais. A direção jamais se arrisca, nem esteticamente, nem narrativamente. A ideia seria fornecer ao público o equivalente cinematográfico de um comfort food, algo não muito memorável, porém suficiente para sustentar a atenção durante um curto período. Há algo triste em conteúdos audiovisuais que, em pleno 2019, se contentam em fazer tão pouco na representação da complexa solidão nas grandes cidades.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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