Crítica


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Sinopse

"Ele era muito bonito. Usava suéteres de gola alta, cinza, cheirava a loção pós-barba e livros antigos. Tinha 55 anos e recentemente se divorciou pela segunda vez. Ele era meu pai. Na verdade, ele não era meu pai".

Crítica

A premissa deste episódio é perturbadora, mas pelo menos possui plena consciência de abordar temas sensíveis ao navegar no limite entre o amor e o combo formado por incesto, abuso sexual e assédio no local de trabalho. So He Looked Like Dad. It Was Just Dinner, Right? traz a história de uma jovem fascinada por um homem mais velho na empresa onde trabalha. Os motivos da atração são evidentes para ela: o colega possui um “cheiro de pai”, uma postura de pai, uma barriguinha típica dos pais. Assim, a jovem órfã desde os onze anos de idade se vê atraída pela figura paterna substituta. Isso será capaz de levá-los ao romance, ao sexo? Todas as possibilidades são debatidas desde as primeiras conversas entre Maddy (Julia Garner) e a colega Tami (Myha’la Herrold). Ao contrário de When Your Doorman Is Your Best Man, que romantiza um relacionamento abusivo, o sexto episódio de Modern Love faz do dilema moral da protagonista seu conflito central.

Enquanto construção psicológica, o episódio soa tão plausível quanto direto, simplificado. É raro que uma pessoa possua tamanha clareza sobre a origem e as configurações de suas pulsões, e que Maddy jamais deixe a paixão platônica por Peter (Shea Whigham) passar ao nível erótico. De que maneira ela perdeu o pai? Qual é a relação dela com a mãe? Que tipo de relacionamentos (afetivos, eróticos) desenvolve com outros garotos? Caso quisesse estabelecer uma psique complexa, a série precisaria ao menos acenar a estas questões, fundamentais para explicar o desejo da protagonista. No entanto, ele se contenta com uma aproximação entre duas pessoas que, embora considerada imoral pelas regras sociais, soa plausível dentro do universo íntimo da jovem. Ela busca estar perto deste homem protetor, abraçá-lo, ouvir histórias. Ela deseja regredir a uma fase infantil – e que problema haveria nisso? Felizmente, a narrativa encontra maneiras verossímeis de encaminhar o relacionamento entre ambos, sem precisar optar pela idealização romântica nem a culpabilidade incestuosa.

O episódio é prejudicado pela direção bruta de Emmy Rossum. A diretora transforma momentos importantes de ambiguidade em cenas óbvias: o instante em que Maddy espia dentro do escritório de Peter transforma-se no fetiche da secretária que deixa cair papéis no chão, e duas vezes em que ambos se cruzam na escada, quando deveria haver forte troca de olhares, são registradas por uma incompreensível câmera aérea, captando os atores pelos topos das cabeças. Diversas cenas concebidas para aludirem tanto ao sensual quanto ao meramente afetuoso (o jantar, o abraço na cama) reduzem-se a uma frontalidade pouco convidativa ao espectador. De certo modo, Rossum transforma um desejo reprimido e confuso em algo transparente demais, óbvio para todos os envolvidos. Talvez Peter se confunda quanto às intenções da garota, mas mesmo ele parece despreocupado quanto aos rumos do relacionamento. Em suma, o sexto episódio trata de descomplicar sentimentos complexos, o que resulta num esforço ao mesmo tempo louvável pelo naturalismo e decepcionante pela superficialidade.

Embora possua menos estrelas no elenco do que outros segmentos de Modern Love, So He Looked Like Dad. It Was Just Dinner, Right? traz um dos melhores atores até então. A talentosa Julia Garner foge com facilidade à composição sensual ou excessivamente ingênua. Ela conduz a personagem, em corpo e voz, com uma certeza desleixada, inconsequente, algo que Kristen Stewart tem feito muito bem no cinema, por exemplo. Shea Whigham evita a aparência de predador sexual, sem tampouco carregar nas tintas do homem pouco atraente por ser avô. Emmy Rossum, que possui muito mais experiência como atriz do que diretora, demonstra melhor trato com o elenco do que com as imagens. De qualquer modo, ela evita a armadilha da idealização do relacionamento entre Maddy e Peter. Dentro da narrativa da série como um todo, este segmento continua a reafirmar a predileção por “histórias de amor” no sentido mais amplo do termo. Modern Love acredita estar honrando a diversidade social ao apostar numa galeria de personagens que precisariam urgentemente de tratamento psicológico.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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