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É pouco provável que a maior parte do público brasileiro tenha ouvido falar de Phyllis Schlafly. É ela, no entanto, a protagonista de Mrs. America, série criada por Dahvi Waller (roteirista que passou por programas como Desperate Housewives, 2006-2008, e Mad Men, 2009-2010) e que recebeu nada menos do que 10 indicações ao Emmy 2020 – e com grandes chances de vitória em muitas delas. Aliás, algo que, se acontecer, será mais do que merecido, tanto em questões técnicas – trilha, figurino, roteiro, fotografia – como, e principalmente, pelo desempenho absolutamente arrebatador de seu elenco, liderado por uma hipnótica Cate Blanchett e que ainda apresenta nomes como Margo Martindale, Uzo Aduba e Tracey Ullman (as quatro indicadas ao Emmy), entre tantas outras. Um produto que se apresenta desde os primeiros minutos não apenas como um importante registro histórico, mas acima de tudo como resultado de um esforço artístico de empatia e análise de discurso, independente de que lado do mundo – esquerda ou direita – cada um se encontre, tanto atrás como à frente das câmeras.
Com apenas nove episódios, se sabe de antemão que cada um terá como foco uma das personagens femininas. O primeiro, o qual o Papo de Cinema teve acesso antecipado oferecido pela Fox Premium do Brasil, é o dedicado justamente à Phyllis, interpretada por uma Blanchett que mostra que, mesmo com dois Oscars no currículo (e outras 150 estatuetas em casa, o que comprova sua posição como uma das mais conceituadas intérpretes de sua geração), ela está longe de se acomodar. Schlafly era uma dona de casa que aspirava por muito na vida. Queria liderar, ser respeitada e ditar regras e tendências. Ao mesmo tempo, tinha marido, filhos e uma casa para cuidar. Não particularmente brilhante, mas longe de ser uma pessoa obtusa – muito pelo contrário, aliás – foi através da análise de como driblar as adversidades à medida em que essas iam se apresentando que encontrou um modo de se destacar. É de se lamentar que tenha sido da pior maneira possível, porém.
Isso porque Phyllis Schlafly se tornou uma das líderes do movimento contra o Movimento Feminista nos Estados Unidos. Era uma mulher que, veja só, era contra a igualdade entre homens e mulheres. Dotada de uma grande capacidade de oratória e convencimento, mobilizou dezenas e centenas de outras como ela que, aparentemente, estavam felizes em serem apenas mais uma na multidão. Queriam ter resguardado seus direitos de ficarem em casa e serem sustentadas pelos companheiros – apesar de ninguém afirmar que tais condições estavam ameaçadas. Blanchett, uma mulher do mundo e de postura declarada libertária e igualitária, consegue criar com esmero e dedicação aos detalhes uma figura que é o seu oposto, com o mesmo empenho que se dedicaria a mais potente heroína à disposição. Vê-la em cena é tão arrepiante quanto assustador.
Muitas outras mulheres terão seus momentos de atenção no decorrer da minissérie. Gloria Steinem (Rose Byrne, luminosa), Shirley Chisholm (Aduba, poderosa), Bella Abzug (Martindale, sagaz), Betty Friedan (Ullman, furiosa) e Jill Ruckelshaus (Elizabeth Banks, ponderada), por exemplo, terão suas jornadas melhor detalhadas nos capítulos seguintes. Todas, no entanto, estão unidas contra uma só: Phyllis Schlafly. Ela é o motivo de ser de Mrs. America. Do estupro consentido no próprio âmbito familiar à postura ousada no avanço e distribuição de boatos – as temidas fake news, populares mais de meio século depois, mas já vigentes na época – estará no ressentimento amargo que engole em seco as origens de uma forma de ver o mundo que fez dessa mulher um exemplo não apenas a ser estudado, mas também combatido para que o mesmo não se repita. Um começo de fôlego, daquele que tem tudo para se tornar um dos grandes programas de 2020.
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