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Sinopse

Elena Greco acorda no meio da noite com uma ligação inesperada: Rafaella Cerullo, sua melhor amiga de infância, a quem não vê faz anos, desapareceu. Esse é o motivo para que ela decida sentar ao computar e contar a história dessa amizade cheia de altos e baixos, dela com a garota que sempre admirou, ao mesmo tempo que insistia em ser sua maior inimiga.

Crítica

Muito já se discutiu a respeito da verdadeira identidade de Elena Ferrante, a autora da Série Napolitana, conjunto de quatro livros cujo primeiro, A Amiga Genial, serve de base para a série My Brilliant Friend / L’Amica Geniale (o título original é em italiano, mas no Brasil, sem justificativa alguma, a HBO decidiu exibir com o nome internacional em inglês). Afinal, ‘Elena Ferrante’ é apenas um pseudônimo – confirmado pela editora que, atendendo a um pedido da autora, mantém a identidade dessa em segredo. Aliás, apenas supõe-se que seja uma ‘autora’, pois há até mesmo teorias a respeito de que, talvez, se trate de um ‘autor’. Muitas investigações já foram feitas, todos os pedidos de entrevistas são respondidos apenas por e-mail, e o mistério continua. E se ele tem servido para atrair atenção à obra, uma coisa é certa: os leitores só permanecem durante todos os caudalosos volumes – o primeiro, mais curto, tem mais de 300 páginas na edição brasileira – graças à qualidade da escrita. E pelo que se pôde perceber a partir desse primeiro episódio, a mesma excelência se manteve nessa versão televisiva.

Produção original HBO, My Brilliant Friend agora faz parte de um casting de renome, ao lado de sucessos como Game of Thrones (2011-2019), Big Little Lies (2017-2019) e a brasileira Magnífica 70 (2015-2018), entre tantas outras. A direção e o roteiro de todos os oito episódios dessa primeira temporada ficaram sob a responsabilidade de Saverio Costanzo, vencedor do David di Donatello (o Oscar italiano) por Private (2004) e premiado no Festival de Veneza por Corações Famintos (2014). Ou seja, sua filmografia é de respeito. O mesmo com o qual se dedicou ao se propor a contar a história de duas amigas de infância, Elena Grecco (Elisa del Genio, quando criança), a protagonista, e Lila Cerullo (Ludovica Nasti, na mesma época). A série, no entanto, assim como o livro, começa com uma ligação no meio da noite para uma senhora já idosa. Ela acorda, e ouve do outro lado da linha: “minha mãe sumiu, ninguém sabe onde ela está, você pode nos ajudar?”. É quando Elena (Elisabetta De Palo, da série Suburra, 2017) responde: “deixe ela em paz. Aprenda a viver sozinho. É melhor assim”.

Essa dualidade irá acompanhar o desenrolar da trama. Elena tanto admira quanto reprova o que Lila faz. Essa é a sua melhor amiga, mas também a maior inimiga. Uma tanto quer ser a outra, como também destruí-la. Em Le Bambole (As Bonecas), o capítulo de estreia, temos as primeiras amostras dessa relação cheia de contradições que irá se estabelecer entre as duas. Elas moram em um cortiço em Nápoles, sul da Itália, logo após o final da Segunda Guerra Mundial. O país está destruído, e as pessoas tentam, às duras penas, encontrar um jeito de se restabelecerem. Há os que perderam tudo, e os que enriqueceram em cima do infortúnio destes. As que ficaram viúvas, os que são mal compreendidos em suas tentativas de demonstrarem afeto, e os que precisam ir embora simplesmente por não aguentarem a falação e as fofocas dos vizinhos. Enquanto isso, tudo o que Lena quer é descobrir qual será o próximo passo de Lila, algo sempre difícil de prever. Afinal, por que ela permite que os meninos se saiam melhor nas provas da escola? Por que insiste em enfrentá-los como se fosse mais um deles, assim que pisam nas ruas empoeiradas? E, mais estranho ainda, por que atira as bonecas das duas no porão escuro de Dom Achille?

Ainda há muito a se desenvolver, e os que já leram o romance – milhares ao redor de todo o mundo, pois estamos falando de um best seller de proporções assustadoras – podem antever os desenlaces amorosos das duas meninas com seus primeiros pretendentes, a tensa convivência de Lena com a mãe, manca e sempre irritada, e de Lila com o pai, o sapateiro obtuso frente às modernidades dos novos tempos, ou mesmo os novos atritos que irão surgir pela vizinhança. My Brilliant Friend deverá seguir os passos das duas até a adolescência, e mais sete episódios parecem ser suficientes para abranger esse percurso. Agora, é necessário superar essa sensação de “precisamos fazer as devidas apresentações” e mergulhar de vez na história e nas personalidades dessas duas garotas, tão opostas e, ao mesmo tempo, tão complementares. Afinal, ‘a amiga genial’ não é uma, ou outra: são as duas. E ambas sabem muito bem disso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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