Crítica


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Sinopse

Elena Greco e Raffaella Cerullo são duas melhores amigas, além das melhores alunas da escola. Porém, enfrentam a resistência dos pais: a mãe de Elena quer que ela pare de estudar para ajudar em casa, assim como o pai de Raffaella, que não dispõe de dinheiro para bancar os estudos da filha.

Crítica

Elena e Lila há muito deixaram de ser crianças, mas ainda não são adultas – por mais próximas que estejam deste dia. Afinal, a primeira segue avançando nos estudos, e o destaque que consegue na sala de aula serve não apenas para aumentar sua autoestima, mas também como impulso para outras áreas de sua vida – como o surgimento do primeiro namorado. Já a segunda está cada vez mais ciente do mundo ao seu redor, e determinada a não ficar para trás, por mais adversas que sejam suas condições. “O medo vem da ignorância. Quanto mais sabemos, menos medo temos das coisas”, afirma. E é assim que My Brilliant Friend chega à metade da sua primeira temporada, rompendo barreiras e abrindo-se para a realidade ao seu redor ao mesmo tempo em que se aprofunda nos dramas íntimos que formam o cerne da relação das duas protagonistas.

Numa das primeiras cenas de Le Smarginatura, quarto episódio de L’Amica Geniale (série baseada no romance A Amiga Genial, de Elena Ferrante), Elena está caminhando pelas ruas do centro de Nápoles com o pai. Um não poderia estar mais orgulhoso do outro. Ele desfila com a filha logo após matriculá-la no colegial, mostrando que a família, apesar da pobreza e de todas as limitações, está se esforçando para oferecer o melhor possível a ao menos uma das filhas. Ela, por sua vez, constrangida com toda aquela atenção, se sente gigante ao lado do pai, ao mesmo tempo em que vai desvendando um mundo que lhe é tão próximo e, ainda assim, inédito aos seus olhos. É o mar que se descortina diante dela, aumentando seus horizontes para um ponto que nem imaginava existir. A lembrança é de um momento perdido no passado, quando ela e a Lila mataram escola para conhecerem o oceano, mas acabaram desistindo no meio da aventura de voltando para casa. Lá, o medo existia e impedia o passo seguinte. Agora, ele desapareceu, e as surpresas se fazem presentes quando menos se espera.

Assim se dá também no cotidiano do bairro onde moram. Antigas desavenças são superadas, enquanto que inimigos de nascença superam os erros dos antepassados para formar novas alianças. No meio desse caminho, está Lila, cada vez mais bela, atraente, esperta e ambiciosa. Ela pode não estar na escola, mas estuda secretamente com todos os livros da biblioteca a que tem acesso. Pode não estar namorando, mas tem todos os rapazes das redondezas aos seus pés. Pode não ter visto o mar, mas já vislumbra um mundo muito maior do que aquele que sempre conheceu. A sede por conhecimento a sacia e serve de inspiração aos que estão ao seu lado. Ao irmão, que ambiciona riqueza e poder. Aos amigos e vizinhos, que querem seguir seus passos. E a Elena, é claro, que tanto a ama quanto a odeia, em proporções bastante similares.

É curioso a escolha de Elena como protagonista. Afinal, ela é aquela presença apagada, sempre ao lado daquela que mais chama atenção, dona de brilho próprio. Mas também frágil. Nem todos podem ser heróis, e se a maioria é formada por aqueles que sonham com um instante de reconhecimento, a identificação com a jovem Lenu pode ser providencial. Ela é o ser real, a que tem vida, que sofre e vibra com cada pequena conquista. Assim, somos encaminhados a um dos momentos mais insólitos dessa trajetória, a simbólica batalha de fogos de artifício que transforma uma noite de renovações e esperanças em pleno terror e promessas de vingança. A mudança se dá de forma tão sutil e inesperada que somos, em ambos os lados da tela, pegos de surpresa. Assim como essa série, que arrebata justamente pelos pormenores daqueles que pouco vivem, mas muito anseiam. E o melhor ainda está por vir.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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