Crítica
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Sinopse
O relacionamento de Marianne e Connell é feito de encontros e desencontros. Jovens de origens distintas, eles se apaixonam mutuamente em diferentes fases da vida.
Crítica
Provavelmente, a palavra que melhor sintetiza a trajetória emocional dos protagonistas de Normal People é “impossibilidade”. Os personagens não são lidos a partir da coragem no enfrentamento de questões (de ordens e origens distintas) a serem resolvidas. O olhar repousa sobre a adequação dolorosa diante de tantos obstáculos. Connell (Paul Mescal) e Marianne (Daisy Edgar-Jones) são singulares, mas atravessados por interdições comuns. Ele, jovem que camufla a introspecção e distancia dos olhos dos amigos da escola a sua verdadeira natureza solitária. Ela, a colega que disfarça as inúmeras adversidades oriundas da criação distante e fria, logo se tornando uma pessoa submissa, mas que agride primeiro com medo de ser novamente machucada. E na primeira parte da série, em que eles são adolescentes finalmente encontrando a quem se expor, é estabelecido um ideário narrativo em que a câmera, com uma habilidade impressionante, segue em busca das revelações dos gestos, mais interessada nos pequenos toques e nas hesitações que se avolumam.
O que torna Normal People uma lufada de frescor no panorama desgastado dos dramas românticos é a forma adulta de desenhar os personagens, especialmente Marianne e Connell. Eles não barganham em busca de adesão, passando longe de serem figuras essencialmente virtuosas que “merecem” o afeto alheio e a nossa irrestrita simpatia. O que os diretores Hettie Macdonald e Lenny Abrahamson (cada um deles dirige seis dos 12 episódios da primeira temporada) buscam é delinear a essência ordinária dos dois a partir das várias ambiguidades, daquilo que não os deixa ser designados de modo binário, ou seja, como bons ou ruins. Envolvido pela colega ridicularizada na classe por não seguir à risca os protocolos de inclusão social naquele hostil ambiente secundarista, o sujeito tem atitudes absolutamente reprováveis que são devidamente problematizadas e nunca esquecidas. Os mais afeitos a “cancelamentos” e afins talvez encarem Connell como um escroto irreparável, mas a trama vai mostrando que existem muito mais nuances entre o céu e o inferno.
Do ponto de vista da linguagem, a série é marcada, além dos plano-detalhe em meneios que denunciam o não exposto, pela excepcional utilização das elipses para compreender um considerável período de tempo. Esses saltos cronológicos criam lacunas que amplificam a sensação de que as coisas – aos personagens, não ao espectador – estão passando rápido demais. É evidente que Marianne e Connell apenas atingem algum grau de apaziguamento na presença um do outro, mesmo quando a vida os coloca em polos praticamente opostos de uma mesma questão. A saída da escola, por conseguinte da pequena cidade, e a mudança para Dublin é simultânea, mas não conjunta. Esse deslocamento transforma a superfície dos protagonistas, colocando-a como uma insuspeita caloura descolada e popular, enquanto ele acaba mergulhando em seu isolamento sem o suporte do mundo mais ou menos epidérmico (mas funcional) construído com a sustentação dos amigos da infância. Os desencontros passam a ser maneiras de ambos experienciarem certas dinâmicas e retornarem.
Normal People é também beneficiado pelo desempenho brilhante de Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones. Connell e Marianne são pessoas complexas às quais a ficção não confere a benesse da linearidade tão utilizada em histórias de amores transformadores. O envolvimento não respeita a ordem conflito-desenvolvimento-resolução, principalmente porque os personagens estão em constante conflito, intermitentemente exasperados por não vislumbrarem a possibilidade de uma redentora resolução. E isso faz com que os debates acerca dos turbilhões afetivos sejam mais verossímeis, orgânicos, menos maniqueístas e potencialmente manipuladores. Gradativamente, aliás, percebemos com clareza que, a despeito de ser essencial, o elo entre Marianne e Connell é menos definidor do que as jornadas particulares de cada um. O vínculo se torna um porto seguro ao qual voltar quando a vida parecer demasiadamente punitiva ou incompreensiva. Se trata de uma ode ao afeto como cura, mas sem idealiza-lo como uma âncora infalível à qual se apegar para evitar todas as tormentas.
A maturidade do olhar direcionado a Marianne e Connell, bem como às suas impossibilidades – as individuais e as casais – é o núcleo de Normal People. Ela cresceu tendo sua autoestima despedaçada, encontrando improvavelmente o amor na relação com sintomas do abuso emocional e, adiante, embarcando em outras de semelhante natureza por acreditar que não é digna de ser amada sem a gerência da dor. Ele é assombrado por seu pântano interno, exibindo uma incompetência dramática para expressar carinho, como se fosse necessário não se apegar a fim de evitar os efeitos das inevitáveis rupturas. Os dois localizam um pouco de paz no corpo alheio, como se pode notar nas lindas cenas de sexo em que a intimidade, enfim, pode ser experimentada com tamanha intensidade. Os diretores capturam esses instantes de entrega com a intenção de mostrar, inclusive tendo como componente os contrapontos de ambos com os demais parceiros, que efetivamente aquilo se trata de um elo extrapolando o ordinário, uma conexão tão rara quanto perturbada por certas verdades duras.
Normal People é sobre pessoas sensíveis que sofrem frente as formalidades. Estas, crescentemente assumem a função de máscaras encarregadas de encobrir-lhes o lado menos bonito, aquele que evidentemente ninguém quer deixar à mostra. Essa delicadeza comovente perpassa as dificuldades que Marianne e Connell encaram diante da urgência de se desprender de determinados cordões umbilicais nocivos e entender a dor como um estágio que não se pode evitar completamente. O caráter pesaroso da série advém exatamente da constatação de que, embora os protagonistas tenham vislumbrado no outro um terreno potencialmente seguro, por conta das contingências a eles não é opcional o “felizes para sempre”. O suicídio de um conhecido traz à tona o tópico da saúde mental, da investigação da depressão como estilhaço das tantas repressões. A submissão sexual suscita um espaço para a compreensão dos mecanismos de sublimação. A frieza materna, a crueldade do irmão incapaz de uma palavra positiva, os próprios demônios digladiando contra os fachos de luz, tudo isso é articulado meticulosamente para tornar Marianne e Connell profundamente trágicos e triviais.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 9 |
Alysson Oliveira | 10 |
Daniel Oliveira | 9 |
MÉDIA | 9.3 |