O Cinema e as Cidades :: T01
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Eduardo Wannmacher
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O Cinema e as Cidades T01
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2021
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
O título pode confundir o espectador num primeiro momento. Afinal, O Cinema e as Cidades passa a impressão de um olhar a respeito da relação entre um e outro a partir do uso do singular e do plural em tais expressões, ou seja, como o fazer cinematográfico se dá a partir do contexto geográfico no qual está circunspecto. Ou seja, há muitos cinemas e muitas cidades com as quais se conectar. Porém, basta o começo do primeiro dos quatro episódios dessa temporada inicial para que as dúvidas sejam esclarecidas: aqui estão apontadas apenas uma, inclusas dentro dos mesmos limites geográficos: Porto Alegre. Longe dos principais polos culturais e artísticos do país – São Paulo e Rio de Janeiro, majoritariamente, mas também distante das tendências que volta e meia se manifestam em centros como Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Recife, por exemplo – a capital do Rio Grande do Sul possui uma identidade própria, ora seguindo um fluxo percebido no resto do Brasil, por outros momentos mantendo uma personalidade distinta. É esse o desenho que o diretor Eduardo Wannmacher se propõe percorrer a partir de vinte produções escolhidas a dedo. O resultado, por mais que se mostre claudicante em uma passagem ou outra, é, acima de tudo, estimulante e revelador.
As duas dezenas de produções selecionadas que buscam estabelecer uma linha narrativa ao longo de O Cinema e as Cidades soam quase aleatórias, ainda que respeitem algumas diretrizes um tanto óbvias. Por exemplo, independente do formato do registro, era importante que suas ambientações se dessem mais em cenas externas do que internas – afinal, era imprescindível exibir a cidade, e não o que se passa por trás de muros e paredes. Há também preocupações em ampliar os estilos – a maioria é composta por obras de ficção, mas há também documentários e até animações – assim como não se repetiu mais de um trabalho de um mesmo cineasta. Giba Assis Brasil, montador de Ângelo Anda Sumido (1997) e de Três Minutos (1999), ou Julio Andrade, ator de Um Estrangeiro em Porto Alegre (1999) e de Quem? (2000), são alguns dos entrevistados que aparecem em mais de um título, mas essa repetição é quase acidental: a lógica de que cada um fosse dirigido por um cineasta distinto é seguida até o final. Uma linha perspicaz, pois privilegia os diversos olhares que já se debruçaram sobre essa cidade que, como dito acima, pode se revelar tão comum ou singular, dependendo de quem a observa.
As temáticas de cada capítulo, por outro lado, não são tão rígidas. Há algumas chamadas em comum, como questões de montagem e iluminação, o passar dos anos e o surgimento de novas demandas, os contextos políticos e sociais pelos quais se passou e como isso se refletiu na atividade fílmica, além de elementos mais práticos, como a mudança da película para o digital, ou o cinema de guerrilha para uma prática mais autoral e individual. As exposições dos filmes comentados também não seguem uma ordem cronológica, e esse é outro ponto positivo. Por mais que se inicie com Inverno (1983), de Carlos Gerbase, o mais antigo de todos os aqui reunidos, e percorra essa trajetória de quatro décadas até Um Corpo Feminino (2018), de Thais Fernandes, e Tinta Bruta (2018), de Márcio Reolon e Filipe Matzembacher, os mais recentes, estes e os demais se encontram dispersos ao longo de quase duas horas de programa (cada episódio possui menos de 30 minutos, duração apropriada para evitar um eventual desgaste). Há também uma atenção na distribuição dos “medalhões” do cinema gaúcho – cineastas consagrados, como Jorge Furtado, Otto Guerra e o próprio Gerbase – ao lado de jovens que estão começando, uns aparecendo ao lado dos outros, sem uma hierarquização evidente. O equilíbrio desse pensar é estimulante para seguir adiante.
A Porto Alegre que aparece no início dos anos 1980 é diferente daquela do final dos anos 2010. Se lá atrás havia uma vontade de se comunicar e levantar bandeiras diante do mundo, o movimento ao longo dos anos – e que a série explora sem demonstrar um olhar viciado – é de decepção e abandono. Havia potencial na região, mas parece que esse nunca chegou a ser alcançado. Filmes como De Lá Pra Cá (2011), Castanha (2014) e O Teto Sobre Nós (2015), por exemplo, são fundamentais para explorar esse viés. A rebeldia percebida em Cidade Fantasma (1999) e o lirismo de Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes (2013), por exemplo, soam quase anacrônicos. São ideias que reforçam uma melancolia típica de um estado e de uma cidade que parecem ter perdido o andar do tempo. Percepções que, se não atingem a reflexão necessária, seguem vivas pela câmera atenta, que as deixou impressas tanto em contos imaginados como em retratos urgentes do cotidiano. Wannmacher, que há pouco estreou no formato longa-metragem com o drama Depois de Ser Cinza (2020), não se preocupa em fazer da forma da série o maior atrativo: tem-se apenas uma série de entrevistas, feitas de modo tradicional, intercaladas por montagens dos filmes – longas e curtas – citados. Uma segurança que faz bem ao conjunto, pois demonstra certeza em apontar o foco ao que realmente precisa ser discutido.
Por outro lado, talvez o projeto se beneficiasse de uma curadoria mais incisiva. Às vezes há impressão de que este ou aquele título acabou incluso por outros motivos que não os anunciados pela série em sua apresentação. O Caso do Homem Errado (2017), de Camila de Moraes, não seria imprescindível ao tema, não fosse esse reconhecido – além de seus inegáveis méritos – pelo pioneirismo de sua realizadora. Da mesma forma, os citados Três Minutos (1999), que possui a assinatura do peso de Ana Luiza Azevedo, mas pouco tem a acrescentar sobre a cidade ao redor, ou Um Estrangeiro em Porto Alegre (1999), de Fabiano de Souza, cuja boa parte da trama se passa no litoral, e não na cidade, a despeito do que o título aponta. Por outro lado, opções não tão óbvias, como O Cárcere e a Rua (2005), de Liliana Sulzbach, e o também comentado anteriormente Ângelo Anda Sumido (1997), de Jorge Furtado, se mostram certeiros em seus apontamentos e conclusões. Ainda que não evitem questionamentos a respeito dessas escolhas. Afinal, não teriam rendido mais, por exemplo, A Cidade (2012) e O Homem que Copiava (2003), dos mesmos diretores? Afinal, o primeiro fala de um lado da capital que a absoluta maioria desconhece – além da curiosidade, há ainda um caráter histórico envolvido – enquanto o segundo tem não apenas a expressão e o reconhecimento nacional, como também uma geografia específica elaborada para fins dramáticos. Enfim, conjecturas possíveis.
Exibida originalmente no canal a cabo Prime Box Brazil – ou seja, de alcance que extrapola os parâmetros regionais – O Cinema e as Cidades resulta em um conjunto que vai além do interesse passageiro, mostrando-se também como opção de pesquisa, relevância histórica e porta de entrada para muitas dessas narrativas. Por mais que, indo contra a corrente, termine por privilegiar curtas-metragens – dos 20 títulos selecionados, 13 são nesse formato enxuto – e, consequentemente, se revele tanto como guia do que ser descoberto como fonte de consulta, há ainda o resgate de obras que não tiveram o reconhecimento merecido em seus lançamentos, mas que se confirmam vitais nessa cartografia, como o excelente Ainda Orangotangos (2007), de Gustavo Spolidoro, construído através de um imenso plano-sequência que transcorre alguns dos principais e mais marcantes pontos da capital gaúcha. E assim, entre descobertas, surpresas e algumas (poucas) escolhas questionáveis, há um material que ressalta tanto aos sentidos como diante da proposta inicial, partindo da promessa e se validando como recorte afetivo de um lugar que insiste em se mostrar aquém de suas possibilidades.
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