Crítica


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Sinopse

A chamada primeira geração de super-heróis manteve o mundo em ordem por quase um século. Quando um herói assume o governo, os filhos desses pioneiros têm de decidir se apoiam o novo regime ou lutam para ficar à altura dos feitos gloriosos daqueles que os precederam.

Crítica

O universo dos super-heróis no audiovisual de entretenimento – cinema, séries – está em constante expansão. Consequentemente, também em contínuo desgaste. Isso se dá, principalmente, pela falta de visão dos realizadores em abordar conceitos até originais – ainda que dentro de parâmetros pré-estabelecidos – porém demonstrando a mesma preocupação com velhas diretrizes. Um bom exemplo disso é o primeiro volume da série O Legado de Júpiter, composta por oito episódios. A despeito da fraca acolhida em sua estreia – e a referência aqui é meramente crítica, que não se cansou em apontar falhas no conjunto, ao contrário da audiência, que rapidamente colocou o show entre os mais assistidos da Netflix – são vários os indícios que a trama não irá se encerrar apenas no que foi mostrado por aqui. Pelo jeito, portanto, ainda há muito a ser vasculhado. E se o início foi claudicante, revelando mais dúvidas do que certezas, ao menos resta a esperança que os desdobramentos se revelem à altura das expectativas – por maiores que essas sejam.

O mero fato dessa leva inicial de episódios ser anunciada como “volume”, ao invés do tradicional “temporada”, já deixa claro que outros tomos foram encomendados e em breve também estarão disponíveis. Outro forte indício está na abertura do programa, na qual o nome da plataforma é apresentado em parceria com o “MillarVerse”. Para quem não entendeu, esse é o apelido dado ao “universo” a ser criado a partir das obras do quadrinhista Mark Millar, cujos direitos foram adquiridos a peso de ouro pela gigante do streaming e que tem como estreia justamente... O Legado de Júpiter. Além de ter passado pela Marvel e DC, deixando sua marca em histórias de personagens icônicos como X-Men, Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Batman e Superman, Millar é a mente por trás também de outras figuras que também se aventuraram pelas telas, como O Procurado (2008), Kick-Ass: Quebrando Tudo (2010) e Kingsman: Serviço Secreto (2014). É diante desse cenário, portanto, que tal acordo foi feito – justamente por isso, quão fundamental era a importância do sucesso desse projeto. Algo que prometia muito, mas entregou menos.

Criada por Steven S. DeKnight – que não é estranho à temática, tendo passado por séries como Smallville (2004-2007) e Demolidor (2015) – a série se desenvolve em dois tempos distintos: no final dos anos 1920, revelando os eventos que levaram à formação dos primeiros super-heróis da Terra, e nos dias de hoje, quando esses, já idosos, precisam lidar com as consequências dos seus atos e o ensinamento que deixaram para seus herdeiros. Ou seja, se quase um século atrás eram pessoas comuns que, diante de um acontecimento extraordinário, se viram obrigadas a lidar com o improvável, agora são pessoas não apenas cansadas das eternas batalhas, mas também em conflito com seus próprios padrões. O que era tão precioso décadas antes continua tendo o mesmo peso no presente? Se tudo muda a todo instante, não se alterariam também as noções de ordem e justiça? São vários os ocorridos que os levam a tais questionamentos, alguns de forte correlação com a atualidade – como a divisão da sociedade em lados opostos e conflitantes – mas há outros mais pontuais, como a valorização da vida humana e o que significa lutar pelo certo quando existem tantas incertezas a esse respeito.

Se o passado é não mais do que uma trajetória de origem, e desse modelo o público já demonstrou em diversas ocasiões estar mais do que cansado, curiosamente são essas as passagens que acabam justificando uma maior atenção por parte da audiência, não tanto pela excelência que apresentam, mas mais pelas deficiências verificadas em sua contraparte moderna. Um dos mais evidentes problemas do seriado é seu elenco, formado ou por desconhecidos, ou por atores de talento, no mínimo, questionável. O principal nome é o de Josh Duhamel, cujo trabalho de maior destaque até então foram alguns longas da saga Transformers. Ele é o Utópico – um misto de Superman com Capitão América – o mais correto, ordeiro e responsável de todos. Sua esposa, Lady Liberty, é interpretada por Leslie Bibb, que um ano antes havia feito par com Duhamel no drama romântico O Marido Perdido (2020). A trinca de protagonistas se completa com o irmão dele, papel de Ben Daniels (The Crown, 2019), como Onda Cerebral – alguém que custa a deixar definido ao lado de quem está jogando (um duo obviamente inspirado em Thor e Loki, porém sem o carisma de um e nem o sarcasmo do outro).

Se fossem apenas os três, já não seria o melhor dos mundos. Mas há, como dito acima, o paralelo contemporâneo, no qual a mesma trinca se faz presente, mas sob uma maquiagem carregada – principalmente os homens – e notoriamente artificial. E se a sensação de vê-los caracterizados é estranha, adiciona-se ao incômodo os jovens, formado por nomes como Andrew Horton (Como falar com garotas em festas, 2017) e Elena Kampouris (Antes que eu Vá, 2017), novatos que não se mostram à altura do drama enfrentado pelos personagens que tentam defender. Os conflitos desses, aliás, são ainda mais básicos: o garoto que anseia por se equiparar à cobrança paterna, a filha rebelde e inconsequente, e por aí vai. Além disso, há uma sensação permanente de implausibilidade na trama: quando, em ação, um dos jovens heróis mata o seu oponente – não ao acaso, mas para salvar os pais do perigo – desencadeia-se uma discussão interminável a respeito da ética no campo de batalha. É possível escolher quem vive ou morre quando é a própria pele – ou a dos que lhes são caros – que está em risco? Um vilão que se descobre não ser exatamente quem imaginavam pereceu, e lhes resta apenas descobrir quem estava por trás do ataque. Seria uma nova ameaça – ou um velho conhecido?

Com dilemas banais e embates frágeis, O Legado de Júpiter ressalta no título – afinal, qual seriam os ensinamentos que os heróis de outrora deixariam para seus descendentes, e como esses lidariam com essas responsabilidades? – algo que não consegue executar em sua narrativa. Se o desenlace que responde pelo verdadeiro chamariz da premissa – ou seja, o segmento atual – se mostra desde o começo desinteressante, seja pelas composições inverossímeis, os intérpretes fracos ou os conflitos tolos, recai sobre as sequências que deveriam apenas servir como suporte – oferecendo o devido entendimento a respeito de como esses poderes chegaram até eles e os transformaram – o mérito (ou não?) de segurar a audiência até o desfecho dessa jornada. As apostas são altas, e justamente por isso, há muito ainda a ser alcançado para que se verifiquem minimamente razoáveis. Ou seja, esse pode ser apenas o primeiro passo, mas é certo que a trilha a ser percorrida será mais longa do que se poderia imaginar.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
4
Chico Fireman
5
MÉDIA
4.5

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