Crítica


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Sinopse

Boba Fett é um experiente caçador de recompensas que tem ao seu lado a letal mercenária Fennec Shand. Para além de acumular conquistas e dinheiro, seu intuito é reconquistar o território de Jabba, the Hutt, em Tatooine.  

Crítica

Um dos principais acertos de Jon Favreau ao conceber a série The Mandalorian (2019-) foi ter recorrido àquilo que influenciou George Lucas durante a criação da saga Star Wars: o faroeste e as histórias japonesas de samurais. Essa linha continua sendo seguida na primeira temporada de O Livro de Boba Fett, derivado que poderia ter como subtítulo “salvo nos últimos episódios por Djin Djarin e Grogu”. Até a quarta parte (de sete), o seriado oscila entre morno e gelado, com um protagonista pouco cativante em meio a uma trama que possui duas linhas temporais desenvolvidas alternadamente. Boba Fett (Temuera Morrison) é um personagem importante de Star Wars, o clone inalterado do caçador de recompensar Jango Fett – nos deparamos com sua origem em Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones (2002). Ele está ocupando o lugar de Jabba, The Hutt, o monstruoso senhor do crime que comandou durante anos uma operação gigantesca a partir de seu palácio de Tatooine. Boba está sentado exatamente nesse trono, reivindicando para si o título de Daimyo, uma espécie de miliciano que garante a segurança de comerciantes e moradores mediante o pagamento regular de tributos (propina). Toda vez em que ele entra na cápsula de recuperação para curar as suas tantas feridas, a história retrocede em longuíssimos flashbacks que mostram como o mercenário chegou àquela situação de liderança.

Essa alternância temporal preguiçosa e mecânica não assegura nada de especial em O Livro de Boba Fett. Por exemplo, saber que atualmente ele é alguém reivindicando um trono importante não soma nada ao percurso passado de Boba entre o povo da areia. Da mesma maneira, conhecer os inúmeros percalços pelos quais passou ao sobreviver após literalmente ser engolido por um monstro não adiciona nada de específico ao atual estado dele como soberano. Se o enredo avançasse cronologicamente sem idas e vindas, a série seria melhor? Difícil dizer, até porque essa estratégia não é o único dos problemas dela. No entanto, certamente não haveria esse vai-e-volta atuando como um distrativo absolutamente descartável. Mas, se há algo de bom nesses primeiros episódios focados no caçador de recompensas que veste uma surrada armadura mandaloriana é o conjunto de alusões ao faroeste e aos jidaigeki – os dramas ambientados no Japão feudal. Boba parece um cowboy renegado que encontra uma segunda chance ao se integrar ao cotidiano de um povo que lhe acolhe. Bem como já foi visto em diversos faroestes. A cena da emboscada ao trem que corta a terra dos Tusken também vem diretamente do cânone do gênero ambientado no Velho Oeste. E todo o aprendizado do protagonista é calcado na jornada de treinamento samurai, com direito até a uma arma talhada em madeira.

Então, enquanto Boba no passado recente aprende a renascer, no presente o encontramos lutando contra a resistência dos poderes que não pretendem reconhecer a sua autoridade em Tatooine. Os roteiros (geralmente a cargo de Jon Favreau) perdem tempo demais em pequenas picuinhas, como se estivesse queimando lenha enquanto preparam o terreno à chegada de algo (ou alguém) mais importante. E essa figura que quebra a monotonia de O Livro de Boba Fett é exatamente Djin Djarin, ou Mando (Pedro Pascal), como é mais conhecido. Aliás, é flagrante que o mandaloriano é uma personalidade bem mais cativante e interessante do que o caçador de recompensas. O episódio cinco é simplesmente o melhor da série até ali, sobretudo porque nele Boba Fett simplesmente não está presente. É como se o programa fosse interrompido por uma breve continuação de The Mandalorian, na qual vemos Mando às voltas com o sabre negro conquistado em batalha e diante dos pares que o renegam pelo desrespeito à doutrina. Claro, há a preocupação com o Grogu, ou Baby Yoda, como ficou conhecido o verdinho antes de ter seu nome revelado. E, vejam só, o sexto episódio continua sem Boba Fett, agora com Luke Skywalker e uma escolha para o pequenino de aparência indefesa, mas capaz de manipular a Força. Até o classudo xerife Cobb Vanth (Timothy Olyphant) retorna ao jogo em grande estilo.

Nessa altura do campeonato de O Livro de Boba Fett, a série já melhorou tanto que não é exagero dizer: sentimos pouquíssima falta do protagonista. É isso mesmo. Não seria nada mal se o enredo continuasse a ser uma espécie de prelúdio da terceira temporada de The Mandalorian. De certa forma, é isso o que acontece, mas agora contando com o retorno de Boba Fett ou, melhor dizendo, com a convergência de várias demandas numa belíssima batalha campal no território disputado. Portanto, é fácil perceber que Boba Fett pode ser um excelente personagem secundário. Suas características o encaixam adequadamente como um bem-vindo suporte à jornada de alguém. Do modo como Jon Favreau o desenha, não se transforma num bom candidato ao posto de protagonista. Mesmo no clímax, quando ele assume uma postura heroica e demonstra honrosa fidelidade ao povo do planeta arenoso, as atenções inevitavelmente acabam recaindo sobre Mando e Grogu. A dupla é a vedete do universo Star Wars no streaming. Dirigido por Robert Rodriguez, o desfecho emocionante tem qualidades inexistentes nas partes anteriores. Novamente pegando emprestadas noções do faroeste – é especialmente bonita a homenagem visual ao clássico Era uma Vez no Oeste (1969) –, o cineasta cria momentos verdadeiramente empolgantes e dramáticos, preparando o terreno à sequência das aventuras do mandaloriano e do amigo candidato a Jedi. Quanto a Boba Fett, melhor que seja coadjuvante, mesmo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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