Crítica


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Sinopse

Bruno não está tão interessado em ser militar. Sua prioridade é reencontrar o seu irmão, que não vê há anos. Ele decide viajar para Porto Alegre a fim de revê-lo, mas parece que seu irmão não está mais por ali. No entanto, o que parecia ser uma viagem perdida, é na verdade, o início de uma jornada de autoconhecimento.

Crítica

Bruno escapa por alguns dias de seu serviço militar no interior gaúcho para ir a Porto Alegre em busca do irmão, gay assumido que foi expulso de casa há anos após revelar sua orientação sexual para a família. O simples mote acaba servindo como um legítimo McGuffin dos diretores e roteiristas Filipe Matzembacher e Marcio Reolon para traçar um panorama da cena gay menos vista da capital do Rio Grande do Sul ou em qualquer outra cidade do país e do mundo na série de quatro episódios O Ninho. Ao contrário dos gays glamourizados de telenovelas ou dos estereótipos normativos que imperam na maior parte da produção audiovisual mundial, os tipos aqui retratados (além do protagonista), são os chamados “estranhos” pela maior parte da sociedade. São meninos e meninas que usam diferentes cores e cortes de cabelos, vestem roupas fora do chamado “comum”, que não se preocupam em serem afeminados ou não. Eles simplesmente são do jeito deles.

Os realizadores seguem a mesma linha de seu longa Beira-Mar (2015), em que a introspecção é a base para compreendermos melhor a narrativa. Além de tudo, é um processo de conhecimento e amadurecimento, não sobre sua sexualidade no aspecto fisiológico, mas social e psicológico. Uma ampliação da temática do filme vencedor do Festival do Rio e competidor do Festival de Berlim. A cada episódio de O Ninho acompanhamos um capítulo desta saga de poucos dias do chamado “milico”, em que o assunto principal varia para mostrar diferentes nuances do meio LGBT. Bruno é um rapaz que não conhece a cena gay, especialmente a portoalegrense. Vindo do interior, sua única referência são os aplicativos de relacionamentos, ou de pegação, a bem dizer. Mas é o contato feito por este mecanismo que o faz chegar à boate underground, cenário onde vai conhecer a dona, Marlene (Elison Couto) e toda a trupe de adolescentes e jovens adultos que, logo mais, irá se tornar uma nova família.

Esta família escolhida, não determinada pelo sangue, resgata o mote da marginalidade, algo que permeia toda a obra em seus quatro episódios. É a forma de Matzembacher e Reolon exporem como funciona o círculo LGBT de forma universal: excluídos das sociedades, homossexuais precisam criar novos laços num mundo à parte para não permanecerem sozinhos. Pode parecer datado para quem é de fora, mas, mesmo com avanços em alguns direitos e na minimização do preconceito – ainda que na atual conjuntura haja até um retrocesso no quesito homofobia – o ser gay, lésbica, trans não é fácil de se lidar sozinho e sem quem o entenda. Aí desfilam não apenas os jovens que serão a base de Bruno, mas também um idoso bissexual (Luiz Paulo Vasconcellos) e a única figura heterossexual de relevância na história (ainda que não haja nenhuma grande prova de sua sexualidade): Stella (Sophia Starosta), melhor amiga do irmão de Bruno e quem o ajuda na busca por ele. Inclusive, seria um exemplo perfeito do significado do termo “simpatizante”, famoso pela antiga sigla GLS, por sua força junto à comunidade, tanto em união como proteção, como bem retrata a sequência do mercadinho na praia de Pinhal.

Apesar da relevância da narrativa e da bela fotografia, que varia do opaco durante a procura efetiva pelo irmão até o calor realçado quando Bruno parece à vontade com seus amigos, os capítulos variam um pouco sua tonalidade e profundidade. Se o primeiro parece levemente superficial ao focar demais na liberdade dos adolescentes em plena madrugada com assuntos que beiram à futilidade, há um contraponto quando um caso de homofobia gera ações mais instintivas. O segundo parece começar na mesma linha, mas quando dá voz à sexualidade na terceira idade, o encanto se torna maior. O terceiro, um mini road movie, é o que mais promete e entrega ação efetiva para, no quarto, fecharmos o círculo e voltarmos onde tudo começou, num desfecho melancólico, mas não menos assertivo. Mas e o irmão de Bruno, onde fica no meio disso tudo? É uma resposta que a série pode responder de diversas formas com seu final aberto. Algo que não diminui nem um pouco o acerto de Matzembacher e Reolon como bons contadores de histórias LGBT.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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