Crítica
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Crítica
O universo do balé profissional não chega a ser território inóspito no cinema norte-americano. Clássicos e sucessos como Cisne Negro (2010), Billy Elliot (2000) ou Momento de Decisão (1977), entre tantos outros, já circularam por esses dramas e ambientes relacionados à tules e sapatilhas. Porém, o mesmo cenário se torna mais raro quando o foco está na telinha, como o visto na série O Preço da Perfeição, produção da Netflix. No entanto, após acompanhar os dez episódios dessa temporada de estreia, a conclusão imediata é de que deveriam ter se mantido no âmbito do espetáculo cinematográfico – cuja grandiosidade talvez mais se aproxime do deslumbre dos palcos – do que investido nas proporções mínimas oferecidas pela internet, que em nada favorecem a dança e a desenvoltura dos bailarinos. Sem levar em consideração – afinal, esse será tema dos tópicos a seguir – o fraco desempenho do elenco, somado a uma direção desprovida de criatividade. O resultado não só é pálido, como aponta a todo instante para referências muito nítidas – e melhor exploradas em ocasiões anteriores.
Criada por Michael MacLennan, que passou por séries estilo ‘para toda a família’ como Os Fosters: Família Adotiva (2015-2016) e Chesapeake Shores (2017) – ambas também disponíveis na Netflix – O Preço da Perfeição tem como título original Tiny Pretty Things, que poderia ser traduzido como Pequenas Coisas Bonitas. Bem como o realizador enxerga seus principais atores e atrizes: todos muito lindos, talvez preciosos, mas não mais do que coisas prontas a serem substituídas num piscar de olhos. O programa começa com um toque de mistério: Cassie (Anna Maiche, de The French Teacher: Um Amor a Três, 2019), a principal bailarina de uma escola de elite em Chicago, é jogada do alto do prédio, caindo na calçada quatro andares abaixo. Ela sobrevive, mas está em coma no hospital. Enquanto muitos se perguntam quem teria empurrado a garota lá de cima (mas nem todos, pois há os que preferem ir em frente e ignorar as repercussões do caso), quem acaba sendo beneficiada é Neveah (Kylie Jefferson, cujo talento pode ser visto também no documentário Sonhar e Dançar: O Quebra-Nozes de Chocolate, 2020), uma estudante de Nova Iorque convidada a ocupar a vaga daquela sem mais condições de continuar dançando.
Ao chegar lá, Neveah se depara com o seguinte grupo de colegas: a insegura June (Daniela Norman, de Cats, 2019) e a ambiciosa Bette (Casimere Jollette, que havia feito antes uma participação não-creditada em Divergente, 2014), entre as meninas, e o misterioso Nabil (Michael Hsu Rosen, de Looking: O Filme, 2016), o ressentido Caleb (Damon J. Gillespie, de The Society, 2019), o curioso Oren (Barton Cowperthwaite, visto em Fosse/Verdon, 2019) e o subestimado Shane (Brennan Clost, que participou de The Next Step: Academia de Dança, 2013-2017), entre os rapazes. A esse grupo de sete (ou oito, se contar a acamada) juntam-se o professor antiquado (Shaun Benson, de Entre Armas e Brinquedos, 2020) e o revolucionário (Bayardo De Murguia, de O Atirador, 2016), o médico (Morgan Kelly, de Spinning Out, 2020) e a diretora (Lauren Holly, de Designated Survivor, 2019), a prima dona (Tory Trowbridge, que dançou em Megarromântico, 2019) e a policial (Jess Salgueiro, de The Expanse, 2019). Esse é o conjunto pelo jeito necessário para criar artimanhas, revelações e surpresas que se desenrolam a todo momento, apenas para nos instante seguinte serem desconsiderados entre idas e vindas sem maiores repercussões.
Em primeiro lugar, há o suspense policial a ser resolvido: quem matou – ou tentou matar – Cassie Shore? Esse aparentava, ao menos no começo, ser o principal argumento da série. Aos poucos, no entanto, a audiência começa a perceber que são, de fato, poucos os preocupados com essa revelação, seja na ficção ou no lado de cá da tela. O que passa a se desenrolar são diversas subtramas adolescentes envolvendo os jovens – quem gosta de quem, quem transa com quem, quem está com ciúmes de quem – e outras disputas de egos, como quem será a protagonista da próxima montagem, ou quem terá maior destaque nos cartazes de divulgação ou se há diferenças entre as bolsistas e os demais alunos regulares. Dramas mais concretos, como a garota que opta por entrar na justiça para se tornar independente da mãe – e, assim, seguir estudando balé, ao invés de outra opção imposta pela família – ou o rapaz indeciso entre o colega de quarto e o namoro com a menina mais bonita da turma acabam esvaziados, justamente pela falta de atenção que recebem.
Na verdade, o que se percebe pelo roteiro baseado no livro de Sona Charaipotra e Dhonielle Clayton e escrito por MacLennan, em parceria com Stuti Malhotra, Azia Squire e Aiyana White (todos novatos no formato) é uma vontade de falar sobre muitas coisas, porém sem se aprofundar em nenhum dos dilemas expostos. Há o rapaz gay que não consegue lidar com um relacionamento sério, a menina que só quer a aprovação materna e se livrar da competição com a própria irmã, o rapaz apaixonado por uma mulher mais velha e o casal de lésbicas que parece ter sido formado apenas para atender a uma necessidade de um algoritmo qualquer, de tão improvável que se apresenta. Há ainda o conquistador que se descobre pai de uma das alunas – um desenlace digno de novela mexicana – e a garota rica e mimada que se percebe encantada por um trabalhador braçal de origem humilde. Ou seja, os mais diversos clichês do gênero, entre aqueles frequentes ou também os menos inspirados, que de uma forma ou de outra acabam se manifestando, seja aos trancos e barrancos (como acontece com a maioria) ou de forma há muito anunciada, porém sem a pompa necessária, gerando mais um anticlímax do que qualquer outra coisa.
Uma questão básica na produção era decidir entre ter bons atores, ou bons dançarinos. Não precisa ser nenhum gênio para que fique claro, ainda no capítulo de estreia, que a opção foi pelo segundo caminho. Os atores principais são bons bailarinos, e se saem bem nas apresentações e performances musicais. Porém, cada vez que precisam enfrentar situações tensas, românticas ou até mesmo cômicas, o desastre se anuncia. É um festival de caretas, exageros e gestos em excesso que provocam mais risos do que envolvimento. Pra piorar a situação, todo episódio ainda resvala no brega e cafona com sequências de sonho ou apenas imaginadas que a princípio deveriam antecipar medos e ansiedades dos personagens, mas conseguem apenas emular conflitos tolos e situações descartáveis, que não se sustentam por muito tempo. Enfim, O Preço da Perfeição exige um valor muito alto – quase dez horas de duração! – para uma novela de quinta categoria de está muito longe de poder ser considerada perfeita, independente do parâmetro empregado. É apenas bobo, e absurdamente genérico.
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