Crítica


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Sinopse

A Segunda Era foi palco para uma série de eventos importantes que impactaram gerações da Terra Média. Heróis surgiram, os famigerados anéis do poder foram forjados e uma ameaça maligna se impôs entre tantas outras.

Crítica

O épico fantástico de claras inspirações medievais se tornou uma tendência desde a virada do século, em grande parte, obviamente, graças ao imenso sucesso da saga O Senhor dos Anéis. Independente do padrão que se escolha, essa é uma das trilogias mais bem sucedidas da história do cinema: os três filmes arrecadaram mais de US$ 3 bilhões nas bilheterias mundiais e, juntos, somaram impressionantes 456 premiações (e outras 388 indicações), sendo que, entre essas conquistas, estão 17 estatuetas do Oscar! Ou seja, é compreensível que inúmeros projetos seguintes tenham se inspirado em feitos tão impressionantes quanto os alcançados por Peter Jackson e sua equipe. E ainda que poucos (muito poucos) tenham chegado razoavelmente próximo (a saga Harry Potter ou a série Game of Thrones são alguns bons exemplos) nada se equipara, é fato, ao original. Justamente por isso que o anúncio de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, seriado que prometia uma volta à Terra Média e aos seus seres e dramas míticos, causou tanto rebuliço. Produção mais cara de todos os tempos já desenvolvida por uma plataforma de streaming (estima-se que, ao todo, a primeira temporada, de apenas oito episódios, irá consumir um total de US$ 1 bilhão), o que se vê na tela deixa impresso esse investimento em seus dois episódios de estreia, lançados de forma simultânea (também por isso, essa análise discorrerá sobre ambos, e não apenas no capítulo inaugural). Mas com tanta pompa, sobrou espaço para conteúdo? Essa não é uma resposta simples.

Importante lembrar que O Senhor dos Anéis já havia rendido um desdobramento, a saga O Hobbit, que apesar do impacto junto ao público (seu faturamento também se aproximou dos US$ 3 bilhões), obteve uma recepção bastante morna junto aos espectadores e com a crítica especializada. Havia dúvida, portanto, se Os Anéis de Poder penderiam mais para a primeira tentativa, ou pela segunda. Um essencial elo de ligação entre todos são as figuras dos elfos Elrond e Galadriel, as únicas presentes tanto nos filmes (nas duas trilogias) como, agora, na série. Porém, se antes eram vistos de modo adjacente, quase participações especiais, dessa vez assumem condições de protagonistas. Elrond (Robert Aramayo, da minissérie Por Trás de Seus Olhos, 2021) é um apaziguador, alguém com potencial de liderança e em quem é confiada uma importante tarefa (talvez a confecção dos próprios anéis?). Uma observação necessária: a trama de Os Anéis de Poder se passa durante a Segunda Era, milênios antes dos eventos vistos em O Hobbit e O Senhor dos Anéis (ocorridos entre o fim da Terceira Era e o início da Quarta Era). No momento que agora ganha destaque, após ser muito comentado – mas nunca antes visto – há um forte sentimento de paz, fornecido pela derrota de Morgoth. Sauron é só uma lembrança para a maioria, mas há quem ainda sinta sua ameaça. E esse é o papel a ser desempenhado por Galadriel (Morfydd Clark, de His Dark Materials, 2019).

Uma das principais (e únicas) críticas aos filmes dirigidos por Jackson era a falta de personagens femininos relevantes. Em Os Anéis de Poder, os showrunners Patrick McKay e John D. Payne (uns dos tantos roteiristas de Star Trek: Sem Fronteiras, 2016) deixam claro desde o começo estarem atentos a essa questão. Não só pelo destaque dado à Galadriel, mas também por colocarem mulheres em posições de relevância em qualquer um dos ambientes enfocados. Afinal, a Terra Média não é um palácio ou mesmo uma cidade, mas um continente diverso composto por diferentes povos e intrigas. Se os elfos dominam o primeiro capítulo, no segundo serão os Pés-Peludos (provavelmente antecessores dos hobbits, como serão chamados futuramente, sejam pela diminuta estatura, pelo comportamento afável e, claro, pelos... pés peludos) que estarão no centro das atenções. E por um motivo simples: um asteroide (meteoro? Nave espacial? Estrela?) cruza os céus da Terra Média, chamando a atenção de todos, e terminará por cair justamente ao lado da pequena Nori (Markella Kavenagh, de Meu Primeiro Verão, 2020). Para quem ainda está tentando se situar, ela será, é possível prever, a substituta de Frodo ou Bilbo.

Mas não se trata de uma simples queda. Pois, após a explosão, restará apenas o corpo de um homem – ou alguém de semelhantes feições. Descobrir de onde veio e o que pretende esse Estranho (Daniel Weyman, visto em Gentleman Jack, 2019) deverá mover muitas das atitudes da garota, que passa a se sentir responsável por ele. Esse senso de obrigação estará também na relação entre o elfo Arondir (Ismael Cruz Cordova, de Duas Rainhas, 2018) e a humana Bronwyn (Nazanin Boniadi, de O Escândalo, 2019). Ele é um guardião, designado para proteger a paz por diversos povoados, enquanto que ela é uma mãe solteira em um desses vilarejos. Há uma evidente atração entre eles, reprisando o envolvimento inter-racial entre Aragorn e Arwen, com os mesmos preconceitos e estereótipos que o rei humano e a princesa élfica tiveram que enfrentar em O Senhor dos Anéis. No âmbito dos homens, porém, outros incidentes se sucederão, culminando no ressurgimento dos orcs – tal qual Galadriel professava, mesmo diante de tanto sentimento adverso ao seu instinto. Por fim, o segundo episódio reservou ainda o primeiro vislumbre de Khazad-Dûm, o Reino dos Anões, um lugar que nos filmes era apenas citado, mas nunca concreto. A relação entre Elrond e o príncipe Durin (Owain Arthur, de O Grande Ivan, 2020) tem tudo para apresentar desdobramentos reveladores a seguir, desde a recepção fria quando se reencontram, até o segredo sussurrado entre o anão e seu pai, o rei.

Como dito antes, serão apenas oito episódios nesta primeira temporada. Ou seja, em torno de oito horas de programa – menos do que as nove horas da trilogia original (em seus cortes de cinema, pois as versões estendidas passavam das 12 horas!) – haverá muito a ser explicado, desenvolvido e situado, até que uma narrativa de fato independente possa ser trabalhada. Até agora, portanto, o que se tem é a visita a ambientes familiares, substituições de rostos em comportamentos semelhantes, e o mesmo mal uma vez mais surgindo no horizonte. Será o suficiente para que uma identidade própria se confirme? Somente os mais cínicos dirão que não. J.A. Bayona (diretor do emocionante O Impossível, 2012, e do frustrante Jurassic Park: Reino Ameaçado, 2018), responsável pelos dois capítulos de estreia, fez bom uso dos recursos que tinha à sua disposição e posicionou com cuidado as peças por um tabuleiro vasto e intrigante. Caberá aos próximos no comando – Wayne Yip (A Roda do Tempo, 2021) e Charlotte Brändström (The Witcher, 2019) – fazer desse cenário e personagens elementos dignos da expetativa gerada. As apostas são altas. Resta esperar – e torcer – para que se confirmem.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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