Crítica


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Sinopse

Demolidor, Luke Cage, Jessica Jones e Punho de Ferro, individualmente, estiveram na linha de frente da batalha para manter as ruas da cidade seguras. Mas agora, com um inimigo mortal do passado remoto fazendo um movimento para unir todo o submundo, os quatro terão que se tornar: Os Defensores.

Crítica

Demolidores são vermelhos
Jessicas Jones são azuis
Luke Cage é amarelo
E Danny Rand… vish, Jesus.

De largada, já fica clara a abordagem que Os Defensores escolhe para singularizar seus personagens. Matthew Murdock (Charlie Cox), o Demolidor, surge banhado em neon vermelho, enquanto Jessica Jones (Krysten Ritter) habita uma paleta dessaturada e puxada para cores frias, como o azul e o roxo. Já Luke Cage (Mike Colter) vive num mundo de luzes tungstênio que, normalmente amareladas, combinam com suas roupas e objetos de cena, quase sempre com essa cor estampada. Por último e, de fato, menos importante, Danny Rand (Finn Jones), o Punho de Ferro, tem lampejos de verde por todo o seu arco. Não surpreende, então, que durante seu primeiro encontro o quarteto esteja num ambiente completamente branco. Cor essa que não apenas simboliza a vilã vivida por Sigourney Weaver, sempre transbordando alvura em seus trajes, como também representa a soma de todas as cores. Quando, logo após isso, o grupo conversa sob as luzes coloridas de um restaurante, a simbologia se completa – sendo especialmente divertido notar como a partir daí as quatro cores surgem juntas em diversos stabilshing shots, ou como elas são usadas em subversões aqui e ali: em um diálogo entre Luke e Jessica, por exemplo, ele surge sob um spot de luz azul, ela sob um amarelo.

Desenvolvida para ser o grande encontro dos heróis televisivos do universo cinematográfico da Marvel, Os Defensores jamais consegue alcançar essa almejada individualidade, e acaba pecando na tentativa de construir uma atmosfera, ponto no qual suas predecessoras acertavam tranquilamente. Peguemos Demolidor, em que a ambientação quase exclusivamente noturna casava perfeitamente com a trama de gangsteres e mafiosos confabulando na surdina em prédios abandonados que, por sua vez, eram palco de lutas violentas, gráficas e bem coreografadas. Pense naquele plano chuvoso de Matthew nocauteado no chão, levantando vagarosamente enquanto um filete de sangue saindo da boca serve de cordão umbilical que o liga ao solo da cidade que tanto ama. Isso é construção, é estabelecer uma elegância na visualidade e no ritmo da narrativa, delineando para o espectador que tipo de universo é esse. Em Jessica Jones podemos lembrar de Kilgrave (David Tennant), mencionado por dois episódios inteiros e, mesmo assim, tendo o rosto ocultado em sua primeira aparição, mistificando o perigo que o vilão representa. Luke Cage já usa uma abordagem diferente, inspirada na blaxploitation e no movimento Hip hop, embalada por uma trilha incessante de batidas típicas do jazz, com suas escaladas que pontuaram ótimos momentos de embate, absorvendo o espectador mesmo esse sabendo que Cage não corria muito perigo por ser praticamente indestrutível.

Aqui, porém, até mesmo essa investida esperta das cores parece uma tentativa trôpega da série de evocar a construção prévia dos personagens em prol do dinamismo. Ritmo por ritmo não é necessariamente uma virtude, ainda mais se o plot já se apresenta pouco inventivo – dona de corporação do mal em busca da imortalidade quer destruir a cidade no caminho de seus objetivos. Mas Os Defensores tem pressa de chegar onde quer, e com isso se esquece de nos fazer ter essa mesma empolgação. Até mesmo as transições de um núcleo ao outro, que apostam em pequenos flashes dentro dos trens de Nova York, como se viajássemos rapidamente pelo metrô entre os bairros, logo se tornam cansativas e agentes de uma condução burocrática.

Por outro lado, é bem verdade que os personagens têm características bem definidas. Qualquer espectador cujo repertório inclua as cinco temporadas anteriores deve ao menos conseguir justificar as decisões a respeito de cada um deles. E aqui reside um dos pontos positivos de Os Defensores, que, ao invés de se tornar uma aventura inconsequente e rasa para os heróis individualmente, o que seria de se esperar de um seriado cujo foco é apresentá-los enquanto supergrupo, não teme usar o enfrentamento com Alexandra (Weaver) e o Tentáculo (a organização secreta por ela comandada) para evoluir o arco de cada um. Matthew e Jessica, especialmente, continuam a ser as figuras mais interessantes em cena. Ele e seu dilema sobre voltar ou não à máscara, e ela decidida a se isolar, depois da traumática luta contra Kilgrave. Apesar disso, são os coadjuvantes que os dois trazem de seus seriados os que menos acrescentam à trama. E se em Demolidor Karen Page (Deborah Ann Woll) era uma mulher forte e proativa, aqui ela é relegada ao papel ingrato do par romântico preocupado, passando praticamente todas as suas cenas dentro de uma delegacia, franzindo a testa e perguntando por Murdock – aliás, ela ficou lá de pé uma semana inteira?

Apesar dos destaques para o Demônio de Hell’s Kitchen e para a detetive beberrona, um dos melhores momentos da série acaba sendo encabeçado por Luke e Danny. Esse último, vindo do seriado solo mais fraco de todos eles, não consegue se redimir, continuando a ser um personagem aborrecido, enquanto Luke, potencializado pelo estilismo da sua primeira temporada, carrega um carisma inerente, apesar da austeridade de sua persona. Juntos, entretanto, os dois protagonizam dois diálogos marcantes, um deles memorável por sua delicadeza, que surge como um oásis de aprofundamento emocional numa série que parece se sentir obrigada a enfiar cenas de pancadaria massiva ao menos uma vez por episódio. E o frustrante é perceber que nem mesmo elas se salvam totalmente. Antes um dos elementos mais fascinantes desse universo, as coreografias de socos e chutes surgem sem vida, vítimas da temeridade geral dia direção. Não há a inventividade dos planos-sequência em Demolidor. Nem o grafismo brutal de Jessica Jones, e passa longe do ritmo jazzístico dos embates de Luke Cage.

Outros dos principais problemas aqui são os vilões, nem interessantes e tampouco ameaçadores. E Sigourney Weaver até que se empenha em não transformar Alexandra numa caricatura, mantendo uma dicção controlada que lhe confere autoridade e controle. Entretanto, o roteiro a coloca constantemente em xeque com seus próprios aliados, o que enfraquece desde o início o temor pelo êxito de seus planos. Já Elektra sofre com a canastrice de Elodie Yung, enquanto a outrora articulada e impassível Madame Gao (Wai Ching Ho) é reintroduzida como uma servente, o que sabota a ideia de trazê-la mais tarde como vilã à altura. Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio), o Justiceiro (Jon Bernthal) e Kilgrave tinham sua construção como obstáculos mortais ligadas diretamente à atmosfera dos seus respectivos seriados. E, tendo em mente que alguns deles ainda estão soltos por aí, é de se questionar porque os produtores simplesmente não trouxeram um desses de volta – e não interessa que esse seja o arco clássico de Elektra nos quadrinhos, pois deveria funcionar em tela.

Entretanto, apesar da falta de personalidade, Os Defensores não é um desastre. E mesmo que fosse, provavelmente ainda seria interessante assistir à interação de figuras como Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage, Punho de Ferro, Colleen Wing (Jessica Henwick), Claire Temple (Rosario Dawson) e Misty Knight (Simone Missick) – para citar outras cativantes trazidas de volta. Porém, ainda que formem um belo colorido juntas (e há, sim, beleza em ver o quarteto principal, ombro a ombro, dentro da ossada de um dragão, pronto à pancadaria), as suas cores surgem chapadas, sem degradê. Seria melhor se o seriado tivesse também se preocupado em desenvolver os vários tons de cada uma, os sentimentos e ideias que evocam as suas paletas, e usado isso a seu favor. Do jeito que está, é preferível a monocromia do universo individual desses personagens.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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