Crítica


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Sinopse

Enquanto tenta se inteirar do paradeiro de seu pai, um adolescente encontra um mapa do tesouro. Na companhia dos amigos, ele acaba descobrindo diversos segredos há muito soterrados.

Crítica

A princípio, Outer Banks aparenta ser uma série sobre adolescentes numa ilha durante as férias, descobrindo novos amores enquanto procuram um tesouro escondido nas redondezas. O romance se mistura com a aventura num cenário paradisíaco. No fundo, esta é uma série sobre John B. (Chase Stokes). O garoto de origem pobre, filho de um pesquisador inteligentíssimo, é o símbolo em torno do qual todas as ações se desenvolvem. O protagonista é escolhido pelo destino para encontrar o tesouro, e depois para enfrentar as pessoas que também buscam pelos US$400 milhões em ouro. John B. conquista as duas garotas principais, e seus amigos estão literalmente dispostos a morrer (e abrir mão de seus planos para o futuro) na intenção de ajudá-lo. Os poucos policiais do local ocupam-se apenas em segui-lo e puni-lo, e cada briga envolvendo os jovens ricos tem o protagonista como pivô. Tempestades aparecem apenas na hora em que John B. precisa fugir. Qualquer escândalo no local está intimamente relacionado ao garoto. Os criadores concebem esta série como um Show de Truman (1998), no qual as ações se desenvolvem para o personagem principal. É difícil imaginar o que aconteceria naquela ilha cheia de aventuras se o jovem não estivesse presente.

Em meio aos amores, tesouros e tentativas de assassinato, a temporada inicial traz outro ponto em comum: a insistente necessidade de agradar aos pais – entendidos como personagens do sexo masculino. As mães não importam, estando ausentes, ou sendo substituídas por madrastas em segundo plano. O conflito em jogo para John B., Sarah (Madelyn Cline), Pope (Jonathan Davis), JJ (Rudy Pankow), Rafe (Drew Starkey) e Kiara (Madison Bailey) se encontra na decisão de enfrentar o pai ou seguir o caminho deste. Os personagens levam cerca de oito horas de narrativa enfrentando os modelos paternos, seja para descobrir que estão repetindo o comportamento paterno, ou para se condicionarem a ele no intuito de representarem o exato oposto. O desenvolvimento dos personagens constitui uma longa e sofrida tentativa de cortar os laços umbilicais com os pais. Nada mais importa nesta narrativa de férias onde as pessoas trabalham pouco, não estudam (trata-se do período de férias escolares) e não enfrentam qualquer instituição social. Famílias (no sentido mais amplo do termo, incluindo tios, primos etc.) são deixadas em segundo plano, padres e professores não existem, prefeitos e governadores estão ausentes. Quando uma tempestade atinge a riquíssima cidade, os personagens precisam de oito episódios para terem energia elétrica novamente. John B. e seus amigos estão abandonados.

Apesar da condição de marginalidade, os criadores e diretores Josh Pate, Jonas Pate e Shannon Burke possuem uma visão amena da pobreza. Os “Pogues”, protagonistas vindos do lado desprivilegiado de Outer Banks, não sofrem de qualquer dificuldade financeira nem estrutural. Seus únicos problemas se encontram na ausência de afeto e nos romances adolescentes. Enquanto a riqueza dos “Kooks” é muito bem retratada em festas, jatos e mansões, os Pogues ganham menor detalhamento de suas casas e suas rotinas, visto que a câmera prefere se focar nas ruas e na bela paisagem. No que diz respeito aos cenários, drones tratam de valorizar a natureza e os casarões, num lugar onde 80% do dia se passa ao pôr do sol – exceto quando a chuva vem atrapalhar os planos de John B., ou tornar seus beijos ainda mais românticos. As cores são alaranjadas, para reforçar a impressão de calor e conforto, enquanto os letreiros cafonas sugerem um imaginário costeiro que normalmente se associaria a séries como C.S.I. Miami, Baywatch e afins. O “valor de produção” se encontra na ostentação de casas, iates e figurinos, além do aceno a barras de ouro escondidas em algum lugar. Enquanto filmam tiros, perseguições e ataques de vilões, os diretores fazem questão de frisar que John B. e seus colegas estão vivendo o melhor verão de suas vidas, do tipo que jamais esquecerão.

Quando não se foca nas paisagens, a produção se revela menos cuidadosa. Os efeitos especiais beiram a precariedade: tempestades, incêndios e cobras criadas digitalmente são pouco convincentes. O episódio “de terror” com uma idosa de aparência possuída, dentro de uma casa mal-assombrada, beira o humor involuntário de tão pobremente filmado, e o mesmo pode dizer de uma queimadura instantânea de água viva. Por mais que a busca ao tesouro se desenvolva a contento, e todas as pontas sejam atadas no episódio final, a estrutura de cada capítulo é praticamente idêntica: John B. reúne os amigos, eles decidem embarcar em algum plano extremamente arriscado (invadir a casa de alguém, roubar uma lancha, roubar um drone, conseguir um mapa secreto, pesquisar um livro escondido etc.), a polícia ou os inimigos chegam e o grupo precisa fugir desesperado, sob ameaça de tiros. Pope surge apenas para dizer que se preocupa com os estudos e tem medo de ser pego. JJ toma alguma decisão abrupta, violenta, precisando ser contido pelos amigos. Kiara se torna a voz da razão e trata de acalmar os amigos homens – é impressionante como as mulheres se limitam a figuras românticas, de instinto materno aguçado. Então os Pogues conseguem uma nova pista, que os levará à pista seguinte, e assim por diante. A trajetória se desenvolve, mas as partes que a compõem são repetitivas.

Isso ocorre porque algumas informações são postergadas pelo simples prazer de segurar a informação ao espectador. John B. sonha em conhecer a verdade sobre o pai desaparecido, e nem precisará fazer muitas investigações para ter a resposta: por volta de dois terços da trama, alguém simplesmente lhe explica o que ocorreu de fato. Mapas e bússolas, preciosíssimos nesta história, estão disponíveis dentro de casas cuja porta principal está aberta. É difícil acreditar na perseverança de tantos homens em encontrar o navio secreto durante décadas, visto a proximidade do navio e a multiplicidade de indícios à disposição. Mesmo os enfrentamentos entre personagens são retardados artificialmente: quando John B. tem a oportunidade de eliminar seus algozes, o rapaz forte e inteligente dá um pequeno soco e sai correndo, para que os vilões continuem a persegui-lo e as cenas de tensão se estendam. O garoto enfrenta pequenos vilões, e depois confronta adversários cada vez mais duros, até chegar ao “chefão”, como num videogame. Muitas sequências soam absurdas, especialmente envolvendo a namorada Sarah e o desafeto Topper (Austin North), no entanto os diretores estão dispostos a sacrificar sua lógica para reforçar o suspense, para valorizar o romance ou garantir um clímax policial mais extenso.

No coração desta aventura se encontra a mecânica previsível das séries procedurais: basta encontrar o responsável pelos crimes e clamar vitória – até chegarem os crimes do dia seguinte. O resultado também é prejudicado pelo elenco fraco. No papel principal, Chase Stokes demonstra variação emocional limita para um garoto que investiga o desaparecimento do pai, se apaixona pela primeira vez e enfrenta mafiosos. Madison Bailey não ganha muitas oportunidades de desenvolver sua personagem para além da garota ciumenta, e Jonathan Daviss basicamente replica o mesmo olhar de pavor e piedade em todas as cenas, algo lamentável para o único personagem negro de destaque, que o roteiro tenta empoderar até o décimo episódio. Rudy Pankow e Madelyn Cline são mais talentosos que seus colegas, porém estão cercados por uma extensa galeria de coadjuvantes canastrões, cujas composições e figurinos reforçam a aparência de telenovela em estilo Days of Our Lives. Todos são belos e musculosos demais, em cenários lindos e iluminados demais, de modo a criar uma aparência de assepsia. No final, os Pogues e os Kooks se diferem pelo caráter, não pela condição financeira.

Feitas as concessões ao roteiro e à estética, Outer Banks sustenta um ritmo satisfatório ao longo de seus dez episódios. Ainda que proponha um desfecho aos principais conflitos, abre possibilidades interessantes para uma sequência. A série abusa de clichês imagéticos e lugares comuns, incluindo frases de efeito, trilha sonora genérica, personagens bonzinhos que se revelam malvados, malvados que se tornam bonzinhos, e adolescentes que encontram tempo para fazer grandes declarações de amor enquanto estão sendo perseguidos por pessoas armadas. “É difícil sair da sua bolha, não é?”, John B. pergunta a Sarah, a jovem rica, sobre o fato de se apaixonar por um garoto pobre. De fato, é difícil para todos eles saírem desta bolha de crimes inconsequentes e amores do destino. Parece não haver mundo fora de Outer Banks, visto que ninguém se comunica com as cidades ao redor. Ao invés da sensação de liberdade, os personagens transparecem a curiosa aparência de estarem presos, literalmente ilhados, precisando fugir uns dos outros num lugar minúsculo onde todos se veem e se conhecem. Pelo menos, a segunda temporada acena à possibilidade de abrir as pontes e investigar o mundo. Talvez seja bom para John B. e seus amigos descobrirem o que existe fora da bolha.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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