Crítica


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Sinopse

Thomas Shelby decide parar de beber depois que uma pessoa muito importante de sua vida morre. Ainda enfrentando o fantasma do fascismo, Tommy vai se deparar com um parente que promete mata-lo por vingança.

Crítica

As três primeiras temporadas de Peaky Blinders estão entre as melhores coisas feitas para a televisão nos últimos anos. Tudo bem que para essa afirmação ganhar substância e validade seria necessário o crítico ter assistido a tudo o que foi feito na televisão nos últimos anos – o que, evidentemente, não é o caso. No entanto, começar este texto com uma frase de impacto é um subterfúgio para fazer jus ao programa britânico criado por Steven Knight. Embora muito bom, o quarto ano já dava sinais de uma ligeira fadiga, algo escancarado no quinto (o com menos predicados de todos). Felizmente, é uma sensação menos sentida neste sexto e derradeiro. Atualmente, sabemos que a história continuará num longa-metragem a ser lançado por volta de 2024, mas o que importa aqui é compreendermos de que modo tudo foi encerrado na dinâmica serializada. A trama recomeça imediatamente no instante em que havia terminado na jornada anterior, estratégia incomum para um programa que sempre teve hiatos de anos entre as temporadas. Mas, isso tem a ver com a necessidade de prestar um tributo. A atriz Helen McCrory morreu em 2021, portanto era fundamental dar um fim digno a Polly, uma das principais personagens da produção. E a solução encontrada foi dramaticamente interessante, sem contar que adicionou camadas ao drama do protagonista torturado Thomas Shelby (Cillian Murphy).

Feita a homenagem, aí sim Peaky Blinders utiliza a elipse costumeira e nos joga à frente, quando a Lei Seca está prestes a cair nos Estados Unidos, o que evidentemente muda o jogo do contrabando. Tommy decide parar de beber, mantendo-se abstêmio e supostamente menos descontrolado. E no primeiro episódio é anunciada uma vingança que promete ser central, já que o primo Michael (Finn Cole) jura assassinar o protagonista. Porém, essa vendeta pessoal com contornos shakesperianos de tragédia familiar é infelizmente escanteada no desenrolar do enredo que continua (como na temporada anterior) desperdiçando personagens e situações capitais. Tanto que Michael passa boa parte do tempo encarcerado, como se os roteiristas não tivessem muito o que fazer com ele enquanto postergam o instante capital de um duelo que inevitavelmente acabará com a morte de alguém. Ainda dentro dessa observação das figuras subaproveitadas, Gina (Anya Taylor-Joy) se transforma numa sub-Lady MacBeth, que nem bem consegue se impor como peça ameaçadora num tabuleiro de xadrez complexo e tampouco dá conta de ser uma presença desestabilizadora pela utilização da sexualidade como estratégia para angariar poder. Ainda nesse núcleo norte-americano, o todo-poderoso Nelson (James Frecheville) fica perdido e mais prometendo do que necessariamente cumprindo como um dos vilões.

A sexta temporada de Peaky Blinders não corrige à rota que começou a degringolar com a entrada de Tommy na política. Se na quinta já se sentia a falta de espessura quanto ao papel do protagonista na Câmara dos Comuns do Reino Unido, desta vez a atuação fica bastante subordinada a outras dinâmicas felizmente mais bem resolvidas. E, o que de melhor vemos nesse ano derradeiro é uma espécie de exacerbação da melancolia que acompanha os personagens centrais desde o começo. Não à toa, é uma temporada que possui sequências tristíssimas, neste sentido com destaque para três dilacerantes: o velório cigano da criança morta precocemente por causa da tuberculose (e o pedido não contemplado ao irmão para ler o discurso é de cortar o coração); a conversa que Tommy tem com o irmão Arthur (Paul Anderson) em torno do diagnóstico de saúde nada favorável (com um desempenho notável de Anderson como esse homem prestes a perder a referência); e um personagem se despedindo de seus entes queridos sem que estes imaginem estarem num instante derradeiro (com ênfase à reação da irmã que aparentemente percebe a realidade dura em meio ao encontro terno). No quesito beleza, poucas sequências são tão fortes quanto Tommy visitado por alguém vindo do além para salva-lo do que parecia outro daqueles momentos da série em que o fim do protagonista era inevitável.

A temporada final de Peaky Blinders vale o quanto pesam esses lindos instantes em que os personagens principais se deparam com a finitude de um modo literal e filosófico. Steven Knight e sua equipe criativa lidam bem com essa relação mística entre a morte e o encerramento dos mitos que extrapolam a simples existência terrena desses personagens que frequentemente falam de maldições, visitas de espíritos e outras intangibilidades. Nesse sentido, a cena de Arthur acertando contas com alguém, envolvido por escuridão e bombas, é mais bela plasticamente do que necessariamente eficiente do ponto de vista da trama. Porém, pelo menos, essa beleza melancólica serve para transformar a ocasião em algo maior do que ela aparentemente é, vide a estilização da batalha no escuro. A situação poderia ser tratada como banal em meio a tantas vinganças, mas que é observada quase como uma reparação espiritual. Voltando aos personagens desperdiçados (ou subaproveitados) nesse ano derradeiro. Arthur se recupera ligeiramente, mas acaba ainda muito restrito ao papel do homem consumido pelas drogas. Uma pena, pois se trata de uma das figuras mais fraturadas, complexas e intensas do programa. Já o caçula Finn Shelby (Harry Kirton) continua sendo tão “avulso” que ganha um destino apressado, numa resolução forçada que parece somente existir para tirá-lo (tardiamente) de cena. E Duque (Conrad Khan), o filho então desconhecido de alguém, é introduzido e desenvolvido às pressas.

Aliás, a participação de Duque é um indício de como Peaky Blinders vinha se descuidando de seus personagens. Ele é inserido como o herdeiro do lado obscuro de um dos homens mais poderosos do mundo, oscila entre a inadequação e a falta de vontade de assumir uma posição na família Shelby, mas, sem cerimônias, depois é visto agindo como se o gangsterismo estivesse realmente circulando junto ao sangue em suas veias. Esse despertar da sua natureza poderia ser enquadrado dentro da esfera mística anteriormente mencionada, mas é apenas uma conveniência do roteiro diante da falta de tempo para elabora-la melhor. E o grande vilão? E o fascismo que acena como o principal mal nesses turbulentos anos 1920/30? Mosley (Sam Claflin) vira uma sombra meio vampiresca da nova namorada, Diana Mitford (Amber Anderson), mulher que desempenha uma função capital no escuso jogo político envolvendo intrigas, sexo e disputa por espaços de poder. Mas, realmente era preciso (ou mesmo útil do ponto de vista narrativo) que Tommy novamente se envolvesse sexualmente com a representante feminina do setor inimigo? Entre mortos e feridos, a sexta temporada demonstra fragilidades semelhantes as da ano anterior, mas ganha pontos pela forma como lida com morte e tristeza. E, além disso, lança mão de um engenhoso plot twist para garantir a sua continuidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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