Santos Dumont :: T01
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Pedro Motta Gueiros, Gabriel Mariani Flaksman
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Santos Dumont
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2019
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
Ambientada na França e no Brasil do fim do século 19 e início do século 20, retrata a história do homem que personificou o glamour da virada do século e a façanha de ter sido o primeiro homem a voar em um avião.
Crítica
Por mais que há anos invista em séries brasileiras, Santos Dumont possui um perfil diferente ao habitual da HBO por aqui. Afinal de contas, esta é uma história fechada que não permite novas temporadas, algo mais próximo de The Night Of (2016) e Sharp Objects (2018) do que propriamente suas colegas Magnífica 70 (2015 - 2018), O Negócio (2013 - 2018), Psi (2014 - 2019) e tantas outras. Diante de tal formato, não há enrolação: o objetivo aqui é cobrir toda a vida de seu personagem-título, obviamente dando mais destaque ao seu período mais inventivo, no início do século XX, quando criou ícones como o 14 Bis e a Demoiselle.
Um grande mérito da produção é em relação à escolha do tom a ser encampado pela narrativa, de forte influència também em seu âmbito estético. Como a imensa maioria da trama se passa na elegante Paris da virada do século, Santos Dumont tem por norte retratar a sofisticação de tal época - o que não deve, de forma alguma, ser confundida com soberba. A partir da postura e do comportamento dos personagens, com uma certa galhardia que hoje soa até ingênua, esta é uma história que não permite arroubos emocionais, tão pouco comuns à sociedade francesa. Por mais que tenha nascido brasileiro, Dumont está perfeitamente integrado à elite parisiense que gira em torno do aeroclube local, uma espécie de celeiro de aventureiros na corrida pelo domínio dos céus. E, como tal, mantém-se sempre discreto e com um código de ética inabalável, por mais que sempre atento aos interesses e burburinhos dos colegas.
Tamanha sofisticação se traduz não só em palavras e gestos, mas também pela forma como tal história é retratada. A opção pela iluminação natural não só busca a representação da Paris do período citado como resulta em sequências visualmente belas, que tão bem combinam com o figurino de época e a apurada direção de arte. Mesmo a inserção de breves filmetes em preto e branco, mostrando as experiências verídicas com protótipos de aviões, é feita com extrema delicadeza, de forma que não haja uma mudança visual brusca em tal migração. O tom suave da narrativa também auxilia esta coesão visual, por mais que também seja, por vezes, cansativo.
Na verdade, o grande problema de Santos Dumont como série é a ausência quase absoluta de conflito. O grande objetivo aqui é retratar o gênio inventivo e o espírito aventureiro de seu personagem-título, o que torna seu lado desbravador e as descobertas feitas, mesmo pequenas, o alicerce principal da narrativa. O mais próximo que se poderia chamar de vilão é o personagem de Jean Pierre Noher, de uma antipatia bem esquemática, o que é pouco diante do tanto exibido. Ao longo de seis episódios, coadjuvantes entram e saem da vida de Dumont sem grande aprofundamento; eles estão lá apenas para ajudar a retratar um momento específico do heroi da série, e só. Mesmo quando este se torna revelador acerca de seu comportamento, como o interesse constante em ocultar sua homossexualidade.
Soma-se a isso algumas lacunas relevantes no decorrer desta trajetória de vida. Por mais que a construção do 14 Bis seja apresentada em detalhes, o famoso voo ao redor da Torre Eiffell sequer é mencionado. O acidente a bordo da Demoiselle, que encerra o quinto episódio com Dumont dizendo que jamais voaria novamente, não possui qualquer continuidade no desfecho da série. Teria sido esta uma decisão movida pelo trauma ou por alguma sequela física? Não sabemos. A própria cobrança ao governo de Getúlio Vargas surge afobada e sem a devida ambientação, seja prévia ou posterior. Sua inserção soa mais como um mero check na lista de fatos relevantes na vida do protagonista.
Diante de tais características, Santos Dumont jamais consegue se abster da sensação de ser mais homenagem do que uma série com ritmo envolvente. Por mais que haja tamanho apuro na ambientação, e o desempenho correto do elenco como um todo, há também um didatismo que incomoda. Além disto, é curioso notar como João Pedro Zappa, intérprete de Dumont na fase adulta, é ofuscado por Gilberto Gawronski, que interpreta o personagem em sua fase idosa, apenas no último episódio. A culpa, entretanto, está menos no ator e mais no conflito (interno) existente neste momento, que permite uma riqueza maior na interpretação.
Por mais que sempre interessante, Santos Dumont tem seu brilho maior pelo lado técnico apenas. Não seria uma surpresa se, no futuro, esta série seja usada à exaustão por professores, no intuito de apresentar aos alunos quem foi o pai da aviação. Funcionaria perfeitamente.
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