Crítica


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Sinopse

David Budd agora trabalha para a Filial de Proteção Especial da Polícia Metropolitana de Londres. Quando ele é designado para proteger a ambiciosa e poderosa Secretária do Estado, Julia Montague, cuja política representa tudo o que ele despreza, Budd se vê dividido entre seu dever e suas crenças.

Crítica

A série Game of Thrones (2011-2019) ficou conhecida, entre outros motivos, por eliminar abruptamente alguns dos seus personagens principais. Após o choque provocado pela morte de Ned Stark (Sean Bean) no final da primeira temporada, a sensação se confirmava: ninguém estava seguro, podendo desaparecer de uma hora para outra, sem aviso prévio. E destes que, de fato, foram eliminados, poucos causaram tanta surpresa – e deixaram uma marca tão forte no programa – quanto Robb Stark, interpretado por Richard Madden. E ele não apenas se retirou em grande estilo, como o ator foi hábil em potencializar essa despedida a seu favor, impulsionando sua carreira em Hollywood. Tanto é que na sequência estrelou como o Príncipe Encantado o campeão de bilheterias Cinderela (2015), mostrou competência no thriller Atentado em Paris (2016) e ainda revelou charme e leveza na comédia romântica da Netflix Ibiza: Tudo pelo DJ (2018). Mas parece estar na televisão, de fato, o seu ambiente mais cômodo, pois nesse meio tempo aproveitou para fazer uma parceria com ninguém menos do que Dustin Hoffman na minissérie Medici: Masters of Florence (2016) e agora surge como protagonista absoluto de Segurança em Jogo, papel esse que lhe valeu o Globo de Ouro de Melhor Ator em série dramática.

Logo nas primeiras cenas, encontramos David Budd (Madden), acompanhado dos filhos pequenos, em uma viagem de trem até Londres. Ele percebe uma movimentação estranha, e atento ao que estava se passando, acaba evitando um atentado terrorista que custaria não apenas a sua vida, mas a de todos naquele vagão. O episódio ganha repercussão nacional, mas a súbita notoriedade pouco lhe adianta para voltar a ficar em boas graças com a própria mulher (Sophie Rundle, de A Face de um Anjo, 2014), de quem está se separando – por mais que ele declare a vontade de voltar para casa. Bom, é vida que segue, e no dia seguinte, ao retornar ao trabalho, uma nova função lhe é designada: ser o primeiro homem responsável pela segurança pessoal de Julia Montague (Keeley Hawes, de No Topo do Poder, 2015), um dos mais importantes nomes do atual governo britânico. A situação parece ser particularmente crítica pois fica claro que a missão número um dela é aprovar uma nova lei que permitirá a quebra do sigilo em todas as comunicações online dos cidadãos do país. O motivo é impedir antecipadamente novos ataques de rebeldes e revolucionários estrangeiros. No entanto, o alcance de uma ação como essa seria muito maior, afetando grupos que até há pouco nem estavam no centro das discussões.

Nesse ponto há algo interessante que merece ser abordado. Julia Montague é apresentada, pela legenda brasileira, como Ministra do Interior, uma designação um tanto simplista para os nossos padrões. Ela é, na verdade, a Secretária de Estado, a pessoa responsável por tudo que acontece dentro das fronteiras da nação, um cargo tão ou mais importante, dependendo da situação, que o do Primeiro Ministro. Tendo isso em mente, fica claro o poder da personagem, e o alcance de cada uma das suas decisões. A proximidade dela com David Budd, por outro lado, vai sendo construída sem pressa, ainda que caminhe num rumo bastante previsível: do estranhamento inicial, logo os dois estarão se roçando por baixo dos mesmos lençóis. Quando isso, de fato, acontece, é quase impossível não lembrar do romântico – e açucarado – O Guarda-Costas (1992), no qual Kevin Costner é escalado para proteger a cantora vivida por Whitney Houston, até o momento em que a relação dos dois se confunde e acabam se apaixonando um pelo outro.

Felizmente, Segurança em Jogo não é uma história de amor – muitos destes clichês ficam de lado assim que o criador Jed Mercurio (indicado ao Bafta por Bodies, 2004) deixa evidente sua escolha. A relação entre os dois protagonistas até pode ficar um tanto confusa lá pela metade da primeira temporada, mas logo volta aos eixos, ficando claro que ninguém ali é 100% confiável. Outro elemento interessante da narrativa é o ritmo imposto pelos realizadores: com apenas 6 episódios, em intervalos regulares os espectadores são presenteados com sequências de grande adrenalina. Começa-se pelo citado incidente no trem, logo na abertura. Passa-se por não apenas um, mas dois atentados – um no carro, outro durante um discurso em um auditório fechado – à vida da ministra, colocando em risco não apenas a sua existência, mas também a eficácia dos métodos de Budd, alguém que parece estar sempre no seu próprio limite. E, por fim, temos o desfecho, absolutamente eletrizante, porém um tanto atropelado no intuito de resolver toda e qualquer pendência dramática e não deixar nenhuma porta em aberto – por mais que o sentimento de continuidade se preserve, proporcionando as condições ideais para uma eventual segunda temporada.

No mais, Segurança em Jogo resume-se quase que por completo aos esforços de Richard Madden, que se sai muito bem, tanto nas cenas de ação, que lhe exigem mais fisicamente, quanto também nos embates pessoais, tanto com a companheira de cena mais frequente (Hawes é particularmente convincente, tanto no exercício de sua função como nos momentos mais íntimos) como também pelos demais ambientes que frequenta, como em casa, com a ex-esposa e filhos, ou no trabalho, onde se destacam outras presenças femininas, como sua superiora imediata (Pippa Haywood, de Orgulho e Preconceito e Zumbis, 2016) ou a chefe de polícia (Gina McKee, de Um Lugar Chamado Notting Hill, 1999). Aliás, todas essas esferas motivam uma questão pertinente no que diz respeito ao enredo: ninguém é totalmente confiável, os desenlaces são os mais suspeitos possíveis e as ameaças podem vir de todos os lados, e quando menos se espera. Assim, como um thriller eficiente, que prende a atenção do início ao fim, sem estender demasiadamente cada evento e movendo suas descobertas com agilidade, consegue transitar com propriedade por um gênero aparentemente desgastado, renovando as atenções justamente por entregar o básico sem distrações desnecessárias. A aposta, como se percebe, é segura, e acaba por fazer pleno sentido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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