Crítica
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Sinopse
Crítica
Escrita por Fernanda Young e Alexandre Machado, mesma dupla de Os Normais (2001-2003), Shippados se foca igualmente nas dores e delícias dos relacionamentos amorosos, mas com o acréscimo de uma ternura então sobressalente, característica alinhada aos preceitos de uma galera conectada. Os protagonistas são Rita (Tatá Werneck) e Enzo (Eduardo Sterblitch), constantemente à procura do par “ideal” e, em semelhante medida, frustrados por conta de sucessivos encontros malfadados, de gente que não os entende totalmente. Aliás, na primeira cena da série, ambos estão em dates proporcionados pelos algoritmos dos aplicativos. Verborrágicos, excessivos e estranhos, os dois acabam levando um “perdido”, ou seja, são despistados por seus respectivos pretendentes. Esses personagens centrais não são irresistíveis, pelo contrário, estão longe de habitar um espaço de unanimidade. Melhor dizendo, é difícil imaginar quem dê conta de “segurar a onda” gerada por suas manias e neuras. A graça está no desenho da identificação oriunda de tais fragilidades.
Desde o princípio, embora refutem o romantismo do “felizes para sempre”, os criadores apresentam Enzo e Rita como feitos um para o outro. A dupla racionaliza demasiadamente o envolvimento, cria empecilhos onde eles não existem, recorrem à internet para entender o que sentem, em suma, apresentam uma angústia bem contemporânea. Como alicerces dessa narrativa agridoce estão os coadjuvantes que oferecem outros prismas quanto aos elos amorosos. Valdir (Luis Lobianco) e Brita (Clarice Falcão) formam a dupla sem-noção, frequentemente inconvenientes, cuja maior peculiaridade, no entanto, é o naturismo. Eles passam a maior parte de Shippados totalmente nus, cobertos por um quadriculado que não esconde de todo as suas anatomias. Isso gera instantes cômicos, como nas vezes em que Enzo demonstra desconforto na iminência de sentar no estofado da sala, no qual os corpos descobertos acabaram de tocar. Essa dinâmica funciona bem como apoio.
O outro casal é constituído de Suzete (Júlia Rabello), colega de Rita no balcão de informações de um supermercado, e Hélio (Rafael Queiroga), companheiro de Enzo no dia a dia de uma grande empresa. Shippados costura as singularidades desses envolvimentos repletos de questões a serem resolvidas e intimidades reveladas criando uma sensação de organicidade que aproxima os personagens da realidade. Eles são figuras orgânicas, parecidas com tantas facilmente identificáveis no cotidiano. Há a clara refutação das idealizações, com as pessoas orquestradas, justamente, a partir de suas falhas, daquilo que não está bem resolvido internamente. Nesse sentido é essencial a convivência rotineiramente conturbada da protagonista feminina com sua mãe, Dolores (Yara de Novaes), mulher que esconde da filha a tão sonhada identidade de seu pai. Essa procura de Rita rende momentos impagáveis, como os da viagem a Maricá e o gatilho involuntário que leva à “primeira vez” dos namorados centrais, depois de muita espera e discussões internas.
Shippados é uma delícia por conta do texto afiado, alinhado com uma geração ligeiramente perdida, isso em meio às possibilidades da interconexão virtual. Embora as distâncias sejam reduzidas e o amor da vez esteja ao alcance de uma simples teclada, as ansiedades, as dúvidas, os medos inerentes são universais e praticamente atemporais. No entanto, Fernanda Young e Alexandre Machado focam bastante nas especificidades dessa hiperconexão, vide as passagens em que alguém fica em estado alterado simplesmente porque outrem não lhe respondeu uma mensagem visualizada. Tatá Werneck e Eduardo Sterblitch são a alma do programa, deitando e rolando com a excelência do material em mãos, sobretudo dando vivacidade às muitas digressões que regularmente desvirtuam discussões importantes. O próprio ato de estabelecer links diversos e, com isso, acabar dispersando do essencial, é um traço sintomático do conteúdo atrelado engenhosamente à forma.
Ainda acerca dos atores principais, eles conferem verossimilhança a personagens frágeis, capazes de agir de modo intempestivo num episódio e buscar afoitamente a redenção no subsequente, isso com a mesma humanidade. Nenhum barganha pela simpatia do espectador, mas a eles, inclusive aos secundários que ganham gradativamente espaço, é conferida a possibilidade de revelar o que os torna críveis, além de fáceis de reconhecer e gostar. São figuras apaixonantes, acima de qualquer coisa. Embora os dois últimos episódios fiquem excessivamente reféns de um suspense com desdobramentos manjados, fundamentado na busca de Rita pelo pai, logo ampliada por um suposto plot twist, Shippados consegue manter-se cativante e ocasionalmente atingir profundidade. Pressões familiares, diferenças de perspectivas, bolas-fora cometidas em ocasiões excepcionais, ditos para magoar, mas que geram arrependimento adiante, tudo está contemplado nessa ótima série, cuja estrutura beneficia os imensos talentos de Tatá Werneck e Eduardo Sterblitch.
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