Crítica


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Sinopse

Logan Roy precisa desarticular uma agressiva operação de aquisição por parte de um concorrente. Em meio a isso, mantém Kendall fidelizado por conta de um segredo e continua jogando para ver quem o sucederá.

Crítica

Diante de uma série cuja premissa dirige o foco aos herdeiros, é curioso perceber que o grande personagem de Succession é, indiscutivelmente, aquele que deixará a herança àquele que escolher como afortunado – ou, melhor dizendo, amaldiçoado (talvez?). Logan Roy, vivido com maestria por Brian Cox, é o resultado do feliz encontro entre ator e o papel ao qual nasceu para interpretar. Longe de entregar uma figura desprovida de sentimentos, também é capaz das maiores barbaridades justamente por ser tão maior do que a vida – a expressão vem do inglês larger than life, e funciona melhor no original. Seus quatro filhos o adoram, mas não se engane: qualquer um o apunhalaria pelas costas no primeiro minuto possível, sem hesitação. Dono de um conglomerado de comunicação sediado em Nova Iorque, o nível de riqueza e poder que ele e a família desfrutam possibilita uma dinâmica tal que por vezes é difícil estabelecer relação com o espectador, uma vez que foge por demais do ordinário. Sendo assim, é na humanidade desses seres, desprezíveis e encantadores, que reside a verdadeira atração pelo programa.

Se a primeira temporada era focada mais no evidente favoritismo de Kendall Roy (Jeremy Strong), o segundo filho e único realmente comprometido com o dia a dia das empresas familiares, e na tentativa desse em dar um golpe para garantir uma posição que muito provavelmente acabaria naturalmente no seu colo, esse segundo ano amplia seu espectro de possibilidades – e é surpreendente o quanto isso é benéfico à narrativa. Não apenas os quatro filhos estão de volta à disputa em posições mais ou menos similares, como outros jogadores entram na corrida, como o primo Greg (Nicholas Braun, de Como Ser Solteira, 2016), o cunhado/genro Tom (Matthew Macfadyen) ou até a executiva da concorrência Rhea Jarrell, que surge como um furacão com o corpo e a voz da oscarizada Holly Hunter. Sem um candidato óbvio ao cargo mais cobiçado, qualquer um poderá apresentar credenciais para preencher a vaga, ao mesmo tempo em que se verá frente à desafios além dos esperados – e frente aos quais também não estarão preparados, aumentando ainda mais a temperatura de cada episódio.

Com Logan recuperado dos problemas de saúde que o abateram no início da série, ele começa a brincar com os filhos e os demais próximos de si como um gato malvado diante de camundongos que apenas reagem aos seus comandos. Kendall está em suas mãos, e assim seguirá pela maior parte da trama. Roman (Kieran Culkin) segue buscando uma via alternativa, a do rebelde irreverente, mas com tantos problemas urgentes caindo no seu colo, será difícil manter uma independência que tão bem lhe servia. Shiv (Sarah Snook) é a que faz a aposta mais alta, abandonando uma carreira na política para se posicionar ao lado dos irmãos com maior segurança, mas ela é uma pessoa estratégica, e a tentativa de ocupar duas cadeiras ao mesmo tempo talvez não lhe favoreça por muito tempo. E é bom não ignorar o primogênito Connor (Alan Ruck, de Curtindo a Vida Adoidado, 1986), pois por mais alucinado que sejam seus planos – ele ambiciona ser nada menos do que o próximo presidente dos Estados Unidos – cada um dos seus passos também será monitorado pelo patriarca.

No segundo ano de Succession, acompanhamos Kendall fazendo as pazes com o pai, Shiv aceitando uma proposta que não sabe ao certo se – ou quando – se tornará concreta, Roman assumindo desafios muito além das suas capacidades e Connor se vendo obrigado a, pela primeira vez na vida, colocar os dois pés no chão e buscar soluções racionais para os problemas que ele mesmo criou. Escândalos começam a se acumular, e entre permitir uma ofensiva de um grupo de acionistas ou a venda controlada a um grupo concorrente, cada movimento terá que lidar com consequências inesperadas. Chama a atenção a estrutura de alguns episódios, nos quais é possível perceber que tanto um ataque terrorista num ambiente de trabalho como a visita a uma amável família inimiga acabam ganhando contornos similares, de claustrofobia e agitação. Nada é feito de modo aleatório. O relacionamento complicado de Connor, o vício em drogas de Kendall, o casamento manipulador de Shiv e a estranha dinâmica sexual ao redor de Roman começam a se misturar, alterando percepções e interferindo no modo como passam a ser vistos por um pai nunca disposto a um momento de trégua: para ele, tudo é julgamento e condenação, numa rotina em que cada ponto pode fazer diferença.

Se Brian Cox carrega a série nas costas, com ainda mais desenvoltura do que no ano anterior, Jeremy Strong é quem acaba decepcionando, principalmente por assumir um tom monossilábico e quase sonâmbulo que mais indica apatia do que perspicácia. Kieran Culkin segue num ritmo muito próprio, assim como Sarah Snook – ambos em pleno domínio dos seus potenciais, capazes de monopolizarem as atenções sem muito esforço, seja pelos pequenos detalhes que inserem em seus personagens, como também pela versatilidade com a qual acabam se habituando nesse jogo de crescente tensão. Como já dito acima, Holly Hunter é um excelente acréscimo ao elenco, assim como a sempre talentosa Cherry Jones – as duas representam forças que, tanto alinhadas como em conflito, irão provocar rachaduras importantes no clã Roy. Por outro lado, figuras desprezíveis, como Tom ou mesmo Connor, só conseguem ganhar relevância graças à habilidade de Matthew Macfadyen e Alan Ruck, respectivamente, capazes de fazer chover com o pouco que tem em mãos. Por fim, é impossível não lamentar a falta de destaque à Hiam Abbass, que segue apagada – ela nem chega a participar dos últimos episódios – como a esposa de Logan, Marcia Roy.

Jesse Armstrong (indicado ao Oscar pelo roteiro de Conversa Truncada, 2009), criador do programa, ganhou o Emmy pelo primeiro ano de Succession, e deixa claro nessa nova temporada que o que havia feito antes era apenas um aperitivo frente a tudo o que ainda está disposto a desenvolver no âmbito dessa família e no mundo de intrigas com as quais eles são obrigados a enfrentar de modo cotidiano. “Você não é um leão”, Logan diz a um dos seus filhos, deixando claro – talvez pela primeira vez – como ele os vê de fato. Pois bem, é importante ter cuidado com o que se deseja – ou com o que uma eventual cegueira possa estar impedindo de vislumbrar. Pois num tabuleiro em que todas as peças são móveis e cada um parece estar disposto a qualquer sacrifício para não apenas manter seu pescoço à salvo, mas também para eliminar toda ameaça que se apresente no seu caminho, nunca se sabe ao certo quem dará a última risada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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