Crítica


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Sinopse

A venda da Waystar é iminente. Logan está definindo os últimos detalhes da megaoperação, mas algo totalmente inesperado acontece que vira o cenário de cabeça para baixo. Afinal, teremos ou não um herdeiro sucessor?

Crítica

Não há nada mais lamentável no universo das séries do que algo começando de modo brilhante e sendo arrastado em temporadas intermináveis por força da vontade de “esgotar a galinha dos ovos de ouro”. Definitivamente, é preciso saber a hora de parar e seguir adiante. Quando Jesse Armstrong, o criador da já icônica Succession, anunciou que a quarta seria a última temporada das desventuras corporativo-afetivas da família Roy, muita gente manifestou desagrado e anseio por mais. Talvez, sejam exatamente as mesmas pessoas que não perdem tempo ao “denunciar” que um programa foi esticado mais do que deveria quando a qualidade deixa de ser equivalente a do início. Enfim, a hipocrisia. De todo modo, Succession não será lembrada como uma dessas histórias que ficaram maiores do que a criatividade dos autores. Acabou quando tinha de acabar. Sua derradeira temporada começa com os três irmãos de um lado e do outro o patriarca amedrontador Logan Roy (Brian Cox). Seria uma oportunidade de emancipação dessa trinca que, nas palavras do primogênito Connor (Alan Ruck), é formada de dependentes emocionais dessa figura paterna que sabe quando distribuir migalhas de afeto a fim de garantir alianças convenientes. No entanto, os criadores do programa tinham planos um pouco diferentes. E eles foram colocados em prática no terceiro episódio, aquele que deveria ser sobre um casamento.

O terceiro episódio da quarta temporada será lembrado como um dos grandes de Succession, especialmente pela forma como criou suspense em torno de algo capital: a morte de um gigante. Uma vez que a série fala do disputado processo de sucessão em que os herdeiros do rei estão esfomeados aguardando a oportunidade para assumir o trono, imagina-se que as coisas fiquem ainda mais brutais quando a corte perder o portador da coroa. No entanto, talvez a saída de Logan de cena tenha sido prematura demais. Um movimento ousado, sem dúvida, mas precoce. Pois, depois dessa perda, enquanto os herdeiros elaboravam seus lutos, havia ainda a urgência de definir os rumos da venda ou não da corporação ao investidor estrangeiro e ainda uma eleição presidencial norte-americana em curso. Ao menos três coisas enormes com as quais lidar. E Jesse Armstrong encara as três concomitantemente, dando preferência aos movimentos destrutivos de Kendall (Jeremy Strong), Roman (Kieran Culkin) e Shiv (Sarah Snook). Principalmente a escolha do novo mandatário dos Estados Unidos e tudo que veio a reboque dela – com a possível eleição de um extremista de direita – ficou excessivamente subordinada aos desvarios mimados dos irmãos. Eleger um lunático que pode beneficiar a família ou evitar o Armagedon? Esse dilema que poderia enfatizar a prepotência do clã foi muito subaproveitado.

Portanto, depois de três episódios excepcionais abrindo a sua temporada final, Succession mergulhou numa espécie de piloto automático confortável. A série não ficou desinteressante, longe disso, mas aquém do próprio legado. Tanto que alguns episódios somente empolgam por instantes em que o brilhantismo parece recuperado. Como no sétimo, em que a discussão cheia de ressentimentos e verdades duras entre Shiv e o seu ex-marido Tom (Matthew Macfadyen) elevou o nível dramático do enredo que até então se limitava a requentar o bom e velho jogo de conveniências praticado pelos irmãos desesperados para ocupar o lugar do rei. Em vários momentos dessa jornada derradeira, quem sobressai é Kieran Culkin como Roman, personagem que chega a sinalizar ter a mesma capacidade do pai para colocar os interesses pessoais acima dos comuns. No tenso (e ótimo) episódio em que somos confinados à turbulência da ATN (a emissora de notícias da família), Rome age como verdadeiro déspota, pouco se lixando com o destino do país, caso isso signifique eleger um homem capaz de evitar a venda da empresa. Claro, ele sabe que sua posição e dinheiro não o deixam numa área vulnerável, enquanto Kendall se depara com as dificuldades dos filhos para viver num país intolerante. Aliás, essa dinâmica de Ken e da ex-esposa, tendo em vista o sofrimento dos pequenos, é uma desculpa para gerar caos.

Kendall chega a demonstrar traços de consciência diante do sofrimento dos filhos por conta da possibilidade de um extremista no poder. Mas, isso é utilizado somente como combustível para manter acesa a chama da imaturidade desse homem tantas vezes assim apresentado. Ao longo da série, Kendall sempre esteve mais perto de vencer. Em vários momentos, as brigas com Logan anunciavam que ele era o único, de fato, com experiência corporativa, avidez e simpatia paterna ao posto. Tanto que Logan o estava moldado para ter o que chamava de “instinto assassino”, algo que se virou brilhantemente contra o CEO da Waystar em certos instantes da trama. Na quarta temporada, Ken vai se aproximando desse espaço, nem que para isso seja preciso utilizar a fragilidade de Roman durante um velório ou arquitetar planos pelas costas de todos. Mesmo assim, Succession não apresentou nesta quarta temporada o mesmo nível de acidez e densidade dramática/emocional das anteriores. A batalha dos irmãos pelo veto à venda e consequente manutenção do poder entre os Roy trouxe variações dos temas antes encarados, mas sem a presença fundamental de Logan, o astro-rei em torno do qual todos os demais corpos celestes sem luz própria gravitavam. Tendo de lidar com um cenário complexo que envolve a sucessão iminente, a nova presidência e todo o turbilhão de sentimentos que atravessa a família privada de seu patriarca, Jesse Armstrong deu a seu filhote um fim bastante digno, mas apenas correto.

Succession sempre foi celebrada, não sem razão, como série acima da média, com potencial para ser daquele tipo que marca época e gera cópias bem menos inspiradas. Portanto, é com um gosto de leve decepção que chegamos ao último episódio. Retomando algo dito anteriormente, talvez Logan tenha saído de cena cedo demais, pois sua crueldade desmesurada (que o tornava maior do que a vida, quase um monstro desumano) iluminava fundamentalmente as questões de todos ao redor. Diante dele, Kendall, Shiv e Roman, os candidatos à sucessão, continuavam se comportando como crianças assustadas em busca do trono. Sem Logan, a série se tornou uma repetição desse turbilhão que envolve complexidades como carência afetiva, sede de poder, capacidade/incapacidade corporativa, disposição à traição, esvaziamento emocional, etc. Uma vez que a decisão sobre vender ou não o império e a anticlimática escolha do novo CEO não seriam protagonistas do episódio derradeiro, por que não assumir isso e ousar ao estreitar o foco na autodestruição da família? A coisa mais importante do episódio final foi a reconciliação com protocolos infantis entre Kendall, Roman e Shiv na cozinha da mãe, ainda que seja uma bonança esquematicamente situada antes da inevitável tempestade. O resto vira perfumaria, som e fúria muitas vezes desperdiçada em meio à impossibilidade de substituir o Sol Logan Roy.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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