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Sinopse

John é um investigador incumbido de descobrir a verdade por traz do misterioso desaparecimento da adorada neta de um grande produtor de Hollywood. Enquanto tenta revelar o que aconteceu, ele resgata segredos perturbadores das profundezas do esquecimento.

Crítica

Para começo de conversa, Sugar apela diretamente à nostalgia cinéfila ao ter como personagem principal um detetive particular que se revela ao espectador em monólogos internos de caráter confessional. Herdeiro da tradição dos inconfundíveis protagonistas torturados do cinema noir, John Sugar (Colin Farrell) mora em Los Angeles, nos arredores de Hollywood, e praticamente exibe todas as características dos homens desse estilo cinematográfico feito ainda de intrigas, femme fatales, ambientes moralmente degradados e segredos sórdidos sustentando um mundo de aparências. Ao ser contratado pelo lendário produtor hollywoodiano Jonathan Siegel (James Cromwell) para encontrar a sua neta desaparecida, ele rapidamente se depara com obstáculos difíceis, alguns deles impostos pelos demais membros da própria família do avô preocupado. Para completar o apelo da série da Apple TV+ aos cinéfilos de plantão, John Sugar é aficionado por cinema, sendo capaz de citar trechos de filmes clássicos em meio à labiríntica investigação que fica cada vez mais obscura. Dirigido por Fernando Meirelles e Adam Arkin, o programa então é encabeçado por um decalque do detetive noir que admira os seus modelos e ainda entrecorta momentos-chave da trama com flashes de obras clássicas. Portanto, a série possui várias iscas para pescar um público específico, o contemplando inteligentemente nos primeiros episódios.

Não sabemos ao certo quem são os verdadeiros chefes de Sugar e qual é a profundidade do envolvimento dos Siegel (família de cinema) com os submundos de Hollywood. Em certo sentido, a série se aproxima tematicamente de Los Angeles: Cidade Proibida (1997), neonoir excepcional que também se embrenha nas frestas sujas da Meca do cinema norte-americano para expor realidades subterrâneas opostas à superficialidade glamorosa. Colin Farrell compõe com estilo e classe um fascinante herdeiro da tradição dos detetives noir, magoado por algo do passado e geralmente destoando desse ecossistema perverso no qual é obrigado a se meter por conta da tarefa que lhe foi incumbida por um dos barões hollywoodianos. A câmera do diretor de fotografia César Charlone muitas vezes captura a ação de modo enviesado, assim tratando de criar visual e semioticamente a ideia da tortuosidade identificada nos comportamentos dúbios e na moralidade ambivalente, características de praticamente todos os personagens secundários. Quanto mais John Sugar entra no universo de enigmas escondidos pelos poderosos, mais percebe estar em terreno hostil. O tempero dos mistérios com trechos de filmes clássicos é às vezes um fetiche (ainda assim causa enorme deleite cinéfilo), em outras vezes dramaticamente forte, como quando o criador Mark Protosevich recorre à cena-chave de O Mensageiro do Diabo (1955) para falar de amor e ódio.

Nem todos os episódios de Sugar são consistentes. Alguns deles apresentam poucas informações relevantes e desdobramentos insuficientes à trama. Mesmo trabalhando muito bem a partir de materiais referenciais interessantes e ricos, recorrendo ao período clássico para inserir um protagonista destoante (inclusive pelo senso de humanidade) num mundo decadente dominado pela perversidade, os roteiristas nem sempre conseguem manter a intriga interessante. Às vezes os autores recorrem a mudanças abruptas de comportamento para avançar apressadamente o enredo. O maior exemplo disso é o personagem Dave (Nate Corddry), irmão da desaparecida, herdeiro do império e ex-promessa do cinema que continua trabalhando por conta da influência da família. Até certo ponto ele é repugnante, enigmaticamente atrapalhando as investigações a respeito do desaparecimento da meia-irmã e adiante desmascarado como predador sexual sem escrúpulos. Depois dos embates com John Sugar, de uma hora para outra, sem algo que sustente uma guinada tão radical, ele se coloca à disposição para confessar pecados com uma atitude inesperadamente penitente. Assim como essa virada estranha, conveniente e desajeitada, temos outros elementos subaproveitados, como o cão (decorativo), a verdade sobre o passado dos Siegel (que não atende às grandes expectativas criadas) e a relação com Melanie (Amy Ryan).

Desde a estreia de Sugar, Colin Farrell afirmou que sua primeira temporada conteria uma reviravolta extraordinária, algo que deixaria os espectadores boquiabertos. Claro, a partir desse aviso, diversas teorias foram geradas, algumas estapafúrdias, outras capazes de antever esse improvável. Na última cena do sexto episódio (a série tem oito ao todo), realmente acontece uma coisa muito surpreendente, ao ponto de reconfigurar John Sugar. De cara, esse plot twist ilumina de modo específico a admiração do protagonista pela humanidade, algo demonstrado, por exemplo, quando ele trata com nobreza o morador em situação de rua, encaminhando o sujeito desabrigado a um futuro menos sombrio (o que não se confirma). Em certo sentido, sobretudo se pensarmos em John Sugar como herdeiro do noir, ele pode ser equivalido ao protagonista de Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), pois ambos escondem algo a respeito de si próprios do espectador que com eles desvenda o submundo. Mas, essa virada que muda drasticamente a leitura do protagonista encobre os outros pontos da trama, sobretudo a intriga policial envolvendo uma das castas de Hollywood e os motivos que levaram Olivia (Sydney Chandler) a ser tida como desaparecida. Ao acrescentar outro gênero cinematográfico, o criador eclipsa o noir, a conexão com a tradição e as citações cinéfilas em função de um espanto tardio.

A sensação de que a mudança radical nos rumos de Sugar joga uma sombra nefasta sobre grande parte da mítica antes conjurada pelas alusões ao noir é confirmada no último episódio da primeira temporada da série. A burocrática prestação de contas com os Siegel é uma pá de cal nas expectativas sobre a importância das entranhas desse clã até então indicativo da ideia de uma imundice sob a camada de glamour. Inexplicavelmente, John Sugar acerta os pontos com os Siegel em conversas sem a mesma malícia implícita nas interações iniciais entre contratantes e contratado. Isso porque Mark Protosevich pretende encaixar definitivamente a ficção científica na equação, mais do que isso, transformá-la em protagonista e ainda garantir a existência de um gancho suficientemente forte para fisgar a curiosidade do público a fim de pleitear a produção de uma segunda temporada (ainda não confirmada). Esse encerramento é bem decepcionante, não pela inserção de uma dimensão inesperada, mas por conta da incapacidade de estabelecer a convivência harmoniosa entre noir e sci-fi, precisando um morrer para o outro nascer. Essa substituição contraproducente é comprovada pelo sepultamento da atmosfera noir quando aparece a ficção científica. A temporada que conta com cinco episódios dirigidos pelo brasileiro Fernando Meirelles proporcionou ótimos momentos. E o conjunto poderia ter sido memorável, não fosse a profunda inabilidade para lidar com a novidade sem enterrar tudo o que veio antes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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