Crítica


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Sinopse

Patrick, Donizete e Ralph são três amigos que trabalham em uma loja de departamento. Durante o dia, eles precisam lidar com os cliente do local e o chefe implicantes, mas à noite eles se libertam e se transformam em três beldades repletas de brilho: Lemon Chifon, Scarlet Carmesim e Safira Cyan. juntas, elas são as Super Drags.

Crítica

South Park, As Meninas Super Poderosas, Sailon Moon, As Panteras, Três Espiãs Demais, Power Rangers... A lista de animações que inspiram a primeira temporada de Super Drags é extensa, vide a quantidade de referências que pipocam a cada segundo, especialmente nos momentos de ação. Antes de qualquer coisa, vale dizer: essa série produzida para Netflix é voltada aos adultos. Não pelo tema central, em si, com as três drag queens dotadas de superpoderes que ajudam a combater o preconceito e a homofobia, mas pelo alto uso de termos sexuais – a maioria, alusivos ao pênis. Ou pau. Neca. Enfim, são sinônimos utilizados nos cinco episódios. Fica até difícil calcular tamanha profusão. Porém, o mais importante é que os criadores Paulo Lescaut, Anderson Mahanski e Fernando Mendonça acertam em cheio ao dosar a comédia e o drama da vida de milhares de homossexuais – brasileiros ou do mundo afora.

As estrelas são Patrick, Donizete e Ralph. Três amigos gays que trabalham na mesma loja de departamento durante o dia e que, ao apagar das luzes, se transformam nas poderosas drag queens Lemon Chifon, Scarlet Carmesim e Safira Cyan. Elas são lideradas por Vedete Champagne (voz da drag Silvetty Montilla). O objetivo, claro, é "proteger as manas", os mais diversos gays, lésbicas e transgêneros que circulam por aí. Há dois grandes vilões que perturbam a paciência das meninas durante os cinco episódios que compõem a temporada: o Profeta Sandoval Pedroso, da Igreja do Gozo do Céu – como o nome já entrega, um religioso que pretende "curar" os gays", e a Lady Elza – outra drag queen, que aparenta ser rejeitada e usa seu recalque e poderes para "chupar o highlight" das bee bonitas e que chamam atenção. O ponto central é que o show da popstar (e também drag queen) Goldiva (voz de Pabllo Vittar) está para acontecer, mas os dois vilões têm planos que convergem para uma metamorfose do espetáculo.

A estrutura dos episódios é o que mais chama atenção. Se no primeiro temos um contexto geral de como as meninas vivem no Vale dos Homossexuais, as ações de Sandoval querem prejudicar o show de Goldiva através do poder público e Elza já mostra a que veio roubando a energia de todos, é nos três seguintes que a história pessoal de cada uma das protagonistas ganha complexidade. Melhor ainda: elas trazem paralelos com a realidade de muitos garotos e garotas do mundo real, com seus traumas causados por diversas formas de preconceito. Patrick é o gordinho do grupo, o que nunca pega alguém. Portanto, nada mais inteligente que utilizar sua história para versar sobre gordofobia e bodyshaming, fazendo inclusive uma analogia com os aplicativos de namoro e de pegação do lado de cá da tela: o rapaz cria uma persona totalmente diferente (barbuda, malhada, etc) para conquistar os boys através das fotos. Mas, é claro que os encontros ao vivo não dão certo a partir disso.

No melhor de todos os episódios, o terceiro, Sandoval "convida" (ou melhor, sequestra e prende) quem busca uma "cura" para sua sexualidade. Aí descobrimos que Ralph, o bonitão musculoso da equipe (e também o mais burrinho, apesar de um doce), foi expulso de casa pelo pai (aparentemente gaúcho, ainda mais pelo sotaque e a obsessão por churrasco, o que enfatiza o leque da realidade com um dos estados mais homofóbicos do Brasil). O garoto busca a tal cura no acampamento de Sandoval, semelhante a um campo de concentração nazista. Ainda mais tendo em vista a cara de Hitler que o vilão possui. E mesmo nesse episódio, com um tema mais pesado, o humor impera, com declarações como "quem limpa atrás tá esperando visita" – uma alusão a alguns pregadores que dizem que macho que é macho não deve limpar a bunda após fazer suas necessidades.

Já Donizete, preto e pobre, consegue ir além na crítica social, mirando não apenas o trato com a população LGBT, mas também com os negros. O personagem é vítima de um "mal entendido" (preconceito mesmo) de uma idosa que o chama de assaltante. Além disso, sua mãe pede a todo o momento que ele "se comporte como homem", mostrando o quão difícil é a vida de alguém em sua condição social e econômica. Uma pena que o roteiro do episódio se perca ao longo do caminho com uma ação malsucedida de Elza que envolve Goldiva (provavelmente, a personagem mais fraca de todos, por mais importante que possa parecer visualmente).

Agora, dentre tantas qualidades, uma coisa os criadores devem se dar conta: que uma ação ocorrida no primeiro episódio nunca mais se repita. Durante o salvamento de um ônibus sequestrado, Patrick/Lemon encontra desacordado o bandido que dirigia o veículo. Além de achar o rapaz bonito, ela vê o tamanho "do membro" dele e resolve dar uma "acariciada". Para alguns pode até parecer engraçado, mas para uma série que quer combater preconceitos, compactuar com um assédio, em maior ou menor grau, pode ser grave. Por sorte não ocorre mais nada do gênero nos episódios seguintes.

A animação é, antes de tudo, extremamente colorida, como um bom produto representante da bandeira do arco-íris deve ser. Os traços simples, e lisérgicos na mesma medida, funcionam de forma adequada, ainda mais quando trazem personagens como Dild-O (o robô/consolo que ajuda Vedete nas missões das meninas), além de várias referências ao mundo LGBT, televisivo e dos memes brasileiros, com cameos da Grávida de Taubaté e até uma criatura inspirada totalmente na saudosa Hebe Camargo. Com alfinetadas para todos os lados (inclusive sobra para a Netflix, com piadas sobre séries como Sense 8), Super Drags pode escorregar em alguns momentos, mas se consolida como uma produção que vai muito além da polêmica com deputados conservadores e o povo que adora fiscalizar os outros. É uma série com potencial o bastante para agradar os LGBT que têm poucos heróis gays para se inspirar, ao mesmo tempo em que tem potencial para abrir a mente de heterossexuais que queiram apenas se divertir com muita comédia e piadas falocêntricas. Que venham mais episódios para deixar a Netflix e o próprio mundo mais coloridos e livres de preconceito.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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