Crítica


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Sinopse

Inventor brilhante e idealista radical, Allie Fox foge dos Estados Unidos com a família para as selvas mexicanas em meio a um estado de paranoia. Supostamente eles estão se livrando da perseguição do governo dos EUA.

Crítica

Na primeira adaptação do romance de Paul Theroux, o filme A Costa do Mosquito (1986), Harrison Ford aparecia como um inventor com ares de maluco que levava sua família (a esposa Helen Mirren e os dois filhos, entre eles um novato River Phoenix, em um dos seus primeiros trabalhos) para viver no meio da selva costarriquenha, pois havia decidido que “a civilização havia dado errado” e era necessário dar início a uma “nova sociedade”, a qual somente ele, é claro, saberia ao certo como funcionar. A questão é que lá não apenas se tinha um bom diretor – Peter Weir, indicado ao Oscar por trabalhos como Sociedade dos Poetas Mortos (1989) e O Show de Truman (1998) – como, principalmente, um excelente roteirista – ninguém menos do que Paul Schrader, autor de Taxi Driver (1976). Porém, mesmo com um conjunto de talentos como esse, o projeto se revelou um retumbante fracasso. Mais de três décadas depois, no entanto, o sobrinho do próprio autor decidiu retomar a história, só que dessa vez levando-a às telas no formato seriado. O resultado é esse The Mosquito Coast, que poucas semelhanças guarda com a versão cinematográfica, ainda que se esforce para emular um sentimento próximo o suficiente para justificar uma atenção detalhada.

Em entrevistas de divulgação, Justin Theroux, que assina também como produtor, afirmou que menos de 30% do livro do seu parente teria sido levado em consideração nessa temporada de estreia. Nestes primeiros sete episódios, portanto, o que se vê nem é suficiente para chegar ao ponto no qual Ford, Mirren e crianças se encontravam. Para quem lembra do longa, portanto, o que se tem aqui é quase uma prequel, uma trama de origem que explica como essa família foi parar naquele destino no qual já se sabe onde irão terminar. O que inevitavelmente gera, também, uma sensação de desconfortável segurança, pois independente do perigo no qual se metam agora, é notório que deste conseguirão se desvencilhar sem maiores consequências, pois adiante seguirão – e, o mais importante: todos juntos. Nesse sentido, se torna curioso, para não dizer desnecessário, o esforço dos realizadores em criar uma tensão que nunca chega a se confirmar, pois estarão sempre um passo adiante de qualquer problema que porventura lhes surja nesse caminho.

No começo da temporada, Allie (Justin Theroux), Margot (uma sumida Melissa George), Dina (Logan Polish) e Charlie Fox (Gabriel Bateman, visto na nova versão de Brinquedo Assassino, 2019) moram em uma casa um tanto afastada no interior dos Estados Unidos. Lá essa visão anti-vida-capitalista-em-comunidade do pai já estava em curso, com a anuência materna. Sem acesso a telefones celulares e computadores, entre outras facilidades modernas, as crianças são motivo de chacotas entre os colegas da escola, da mesma forma que até as mais simples tarefas domésticas se revelam complicadas de serem executadas. O clima de paranoia se faz presente, porém é disfarçado por um discurso pró-natureza e sustentabilidade, com soluções caseiras sendo improvisadas a todo instante para lidar com o que poderia ser resolvido de modo mais prático. Os filhos, e principalmente a filha mais velha, já uma adolescente, não seguirão comprando essa oratória por muito tempo. E num sinal de rebeldia típico da idade, sem noção das consequências, eles são, enfim, descobertos. Algo que só é possível de se acontecer àqueles que, antes de qualquer coisa, se mantém escondidos

Eis, então, a grande questão: se manter afastado de tudo e todos, portanto, não parece ser apenas uma escolha. É, também, uma necessidade. Agora, o que os teria colocado nessa situação? A partir do momento em que partem em fuga, duas verdades vem à tona. A primeira, é que independente do que tenham feito ou provocado, deve ter sido muito sério, pois quem está atrás deles não é apenas uma lista de suspeitos ou um investigador particular: é ninguém menos do que o governo, e quem se desloca para a captura deles é um verdadeiro exército. Eles não são bobos, principalmente o pai. Assim, Allie se mantinha constantemente preparado para se – e quando – essa situação se apresentasse. Tanto que, mesmo a perseguição surgindo literalmente de uma hora para outra, os quatro conseguem se antecipar à captura e cair na estrada antes de serem pegos. A partir desse ponto, The Mosquito Coast, a série, se mostrará ainda mais distante de A Costa do Mosquito, o filme. Pois o programa se verá transformado em um road movie (ou seria road serie?), com os Fox em constante movimento.

Justin Theroux é uma escolha acertada para o papel do protagonista. Imbuído da mesma autoridade vista naquele que talvez seja o maior sucesso do seu currículo, a série The Leftovers (2014-2017) – pelo qual foi indicado ao Critics Choice, GALECA, Gold Derby e premiado no Online Film & Television Awards – ele tanto é bem-sucedido em imprimir a certeza de estar fazendo o mais apropriado pelos seus, como também garantir a segurança de saber qual o melhor passo a ser dado a cada momento, seja na travessia pelo deserto entre EUA e México, ao receber abrigo numa fortaleza de mafiosos mexicanos ou ao ser perseguido por um misterioso assassino (Ian Hart, de Harry Potter e a Pedra Filosofal, 2001) – mesmo que muitas dessas decisões se revelem, instantes depois, equivocadas. A maneira como vai impondo sua vontade diante dos demais gradualmente eleva a tensão em um núcleo familiar sempre prestes a explodir, seja pela esposa que se vê em dúvida se estava certa ou não em segui-lo, pela filha cada vez mais revoltada por algo que desconhece os motivos, ou ainda pelo filho que, na ânsia de provar seu valor, poderá colocar todos esses esforços a perder.

Assim, The Mosquito Coast acerta na originalidade diante da expectativa levantada – sim, eis aqui uma trama distinta daquela conhecida pelo filme anterior – da mesma forma como frustra, em medida talvez até mesmo superior, por não conseguir ir além do formato que assume logo no começo. Eles nunca se acomodam, não chegam a um consenso e nem conseguem deixar claro o que estão buscando – e nem do que estão fugindo. Mais confusa ainda é a origem dessa necessidade: seria, como se imagina a princípio, motivado por essa visão radical do pai, ou, como chega a ser vislumbrado em um ou outro momento no decorrer desse curso, estaria na mãe a culpa de tamanho perigo? Os showrunners Tom Bissell (roteirista de Artista do Desastre, 2017) e Neil Cross (indicado ao Emmy por Luther, 2010-2019) deixam claro estarem mais preocupados com a formação do suspense do que em sua elucidação. Pode até funcionar num primeiro momento, mas é sabido que, quanto maior a expectativa, mais intensa pode ser também a queda, caso o que se apresente não se mostre à altura do imaginado. É de se aguardar, portanto, pela segunda temporada e torcer para que tamanha espera se justifique.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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