Crítica


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Sinopse

O Vaticano está prestes a testemunhar uma nova eleição papal, isso após meses decorridos do fatídico ataque cardíaco de Pio XIII. Com o sumo pontífice em coma aparentemente irreversível, o secretário do Estado consegue emplacar um aristocrata inglês moderado como o novo sacerdote máximo, então chamado de João Paulo III.

Crítica

Há duas frases de apoio, particularmente interessantes, no material de divulgação de The New Pope. Uma afirma que “todo mundo pode ser santo”, enquanto que a segunda afirma que “uma guerra santa se aproxima”. Durante os nove episódios do programa – na verdade, a segunda temporada da série The Young Pope (2016), que ganhou um novo nome e está sendo tratada como minissérie – o diretor e roteirista Paolo Sorrentino, no entanto, se encarrega de desafazer cada uma destas – e outras que, involuntariamente, acabam sendo levantadas – expectativas. Isso seria um movimento interessante, caso fizesse parte de uma estratégia mais ampla. Não é o caso, no entanto. Parafraseando uma das frases de maior efeito da Bíblia, o cineasta até segue por linhas tortas, mas acaba chegando em lugar algum com elas. São muitos os problemas identificados – a começar pelo título, que só não é Dois Papas porque Fernando Meirelles deve ter registrado antes – a partir de um olhar mais crítico, porém a maioria deles escondidos por trás de muita pompa e circunstância, criando um show impressionantemente belo, ainda que vazio em seus sentimentos e intenções.

No final de The Young Pope, o Papa Pio XIII (Jude Law, em interpretação hipnotizante) finalmente resolve dar às caras ao público, e após um discurso emocionante, desmaia, deixando a audiência em suspensão a respeito do que teria lhe acontecido. Bom, agora seu destino ficou claro: ele entrou em coma, e já está por nove meses nessa condição. O Vaticano não pode mais esperar. É preciso fazer alguma coisa, e isso significa escolher um novo mandatário para a Igreja Católica. Nesse ponto, Sorrentino se prepara para apresentar algo que permaneceu inédito por toda a temporada anterior: os bastidores de um conclave, um dos processos mais secretos de toda a humanidade, presenciado apenas por bispos e cardeais do mais alto escalão, e cuja metodologia nunca foi revelada. Ou seja, o que se tem aqui são meras suposições. E se alguém esperava por discursos emocionantes, benevolentes e a busca por uma identidade de entrega e compromisso, muito irá se enganar. Assim como todo movimento político – afinal, em última instância, o Vaticano é também um Estado, e um dos mais ricos do planeta – há muitos interesses em jogo, maracutaias, negociações e troca de favores. A estratégia, portanto, é o que importa em uma hora como essa.

Com apenas nove capítulos – um a menos do que The Young Pope – era de se esperar que The New Pope fosse mais objetivo em sua narrativa. Bom, não é bem isso que se verifica. Para começar, ao invés de “O Novo Papa”, talvez fosse mais apropriado o batismo de “Os Novos Papas”, com outras figuras emblemáticas no cartaz. John Malkovich foi anunciado como a grande novidade da minissérie, supostamente como uma força à altura para um embate digno com o controverso magistrado representado por Law. Mas qual não será a surpresa quando se percebe que é apenas no final do terceiro episódio (um terço da série) é que Malkovich aceita o convite para ser o novo papa – e que, antes disso, houve um outro ainda, intermediário, que é retirado do jogo de forma bastante suspeita, gerando implicações que nunca chegam a ser desenvolvidas a contento. Para se ter ideia, em diferentes momentos da história chegam a se contar quatro papas diferentes, o que deixa em evidência a falta de foco na linha a ser seguida.

John Malkovich é um grande ator, e disso ninguém duvida. Indicado duas vezes ao Oscar, vencedor de um Emmy e premiado pelo National Board of Review e pela Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA, é um intérprete capaz de grande versatilidade. No entanto, desde que aceitou ser caricatura de si mesmo – processo que começou como Quero Ser John Malkovich (1999) – ele tem demonstrado duas vertentes de atuação bastante específicas: ou a ira descontrolada e insana (como em Queime Depois de Ler, 2008, RED: Aposentados e Perigosos, 2010, e Meu Namorado é um Zumbi, 2013) ou a preguiça absoluta e imobilizadora (como em Um Filme Falado, 2003, A Troca, 2008, ou Variações de Casanova, 2014). Em The New Pope, até pelo anúncio de que ‘uma guerra santa se aproxima’, imaginava-se que estaria no primeiro modo. Entretanto, é o segundo que se manifesta. O Sir John Brannox que interpreta é um homem marcado pela tragédia, que viu seu irmão gêmeo morrer na juventude e carregou essa culpa por toda a vida, nunca esquecida graças a rejeição sentida por ambos os pais. Um religioso que serve de consultor de figurino de Meghan Markle para disfarçar o tédio que sente ao morar praticamente sozinho na mansão da família. Quando finalmente concorda em assumir o papado, assim o faz mais para ter o que fazer do que para atender uma vocação imperiosa.

Nada disso, no entanto, é suficiente para esmaecer a beleza que transparece por cada detalhe enquadrado. O uso das cores é muito importante para Sorrentino, desde as luzes fluorescentes que iluminam os desejos pecaminosos que muito se imaginam a respeito daqueles que habitam por trás dos muros do Vaticano, como também nas vestimentas ostensivas dos seus mais ilustres representantes, do branco purificado que muito engana seu propósito, como o vermelho que, ao invés de inspirar o sangue dos inocentes, suscita a lembrança das violências cometidas em nome de um artifício superior. A fotografia de Luca Bigazzi (indicado ao Emmy por The Young Pope) a todo momento busca resgatar a sensação do ambiente santificado pelos quais estes personagens transitam, emulando uma beatitude que as ações não correspondem. Esse sentimento recorrente, das imagens em contradição com os atos, também se verifica na trilha sonora de Lele Marchitelli (parceiro do diretor desde o oscarizado A Grande Beleza, 2013), precisa em reforçar esse sentimento de invasão e desespero, como se a vida que ali se encerra não pudesse mais ser contida. Os que se veem fechados precisam emergir, ser ouvidos e fazer diferença. Até que ponto conseguirão, porém, permanece sendo o maior mistério.

Todo esse apreço estético, no entanto, não encontra ressonância do discurso proferido. O papa revolucionário de Jude Law se tornou uma figura fantasmagórica, quase uma assombração, e a influência que já teve não mais repercute. Tanto é verdade que ele e Malkovich só são colocados um de frente ao outro no último episódio, e, mesmo assim, sem maiores ressonâncias, o que não poderia ser diante de um encontro tão aguardado. Enquanto figuras como a articuladora vivida por Cecile de France adquire, felizmente, maior importância, outras são mal conduzidas (como Ludivine Sagnier, que vai de Maria Madalena a terrorista de segunda categoria, sem nunca dizer exatamente seu propósito). A maioria, no entanto, é simplesmente desperdiçada (como o cardeal vivido por Javier Cámara, que dessa vez não passou de peça de decoração, ou o temido Voiello de Silvio Orlando, o melhor em cena, mas seguidamente subestimado). Outras questões, como a santidade do protagonista – seja ele qual for – seguem sendo tratadas sem o devido respeito, usadas como recurso em momentos de necessidade, apenas para serem descartadas quando não fazem mais sentido. Assim, The New Pope se apresenta provido dos maiores cuidados estéticos, mas carente do elemento que mais discute, sem, no entanto, buscá-lo com afinco: uma alma de verdade.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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