Crítica
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Sinopse
Crítica
É possível que o fã de séries de televisão nunca tenha visto um assassinato de crianças tão elegante quanto em The Outsider. O piloto do novo projeto da HBO, dirigido por Jason Bateman, se mostra surpreendentemente refinado em suas escolhas de mise en scène. Para quem espera um suspense sangrento e sobrecarregado, como em tantas adaptações de Stephen King, ou talvez uma abordagem mais sentimental em virtude da temática, vai se surpreender com uma condução glacial do mistério envolvendo o estupro e morte de um garoto de 11 anos de idade. A cena inicial fornece um bom exemplo desta abordagem: sem diálogos nem som direto, apenas a trilha sonora clássica, a câmera passeia pelos ares, desliza lentamente pela árvore de uma floresta, atravessa os belos arcos sob uma ponte até revelar um corpo destroçado. Talvez a barbaridade se torne ainda mais brutal pelo contraste com tamanha polidez.
Bateman multiplica os recursos do tipo ao longo do episódio: as cenas em interiores são vistas por uma câmera que se aproxima lentamente dos cômodos e diminui os personagens em amplos espaços vazios, enquanto as imagens externas posicionam rostos e corpos no canto do enquadramento, utilizando com precisão tanto as tomadas aéreas (sem o sentido de aleatoriedade habitual das captações em drones) quanto as baixas luzes. A abordagem estetizante pode ser considerada uma vantagem ou um defeito da condução, a gosto – não seria absurdo sugerir que a forma se coloca acima do conteúdo, ou que a beleza das imagens chama mais atenção do que as inúmeras reviravoltas do caso policial. Enquanto uma garotinha testemunha um homem coberto de sangue saindo da floresta, é possível se ater apenas à situação de perigo, ou então se focar no complexo plano-sequência que vai da garota ao homem, circulando a van, alternando o foco e por fim revelando uma mão sangrenta acenando à menina.
Para quem embarcar na proposta visual, resta um suspense intrigante em sua parte inicial. Sabe-se que elementos sobrenaturais entrarão na trama mais tarde, assim como novos personagens e efeitos visuais controversos. Por enquanto, observando apenas o primeiro episódio, temos uma espécie de thriller psicológico realista e insolúvel. Todos os indícios rapidamente apontam para a autoria de Terry Maitland (Jason Bateman) no assassinato: impressões digitais, descrição de testemunhas etc. No entanto, o treinador do time de beisebol possui um álibi muito fácil de conferir, com inúmeras provas. Como ele poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? Alguém estaria tentando incriminar Terry? Trata-se de dois homens diferentes? Quem seria a figura misteriosa sob o capuz? Por que o homem, nas imagens de câmeras de segurança, parece posar para o vídeo, como se quisesse ser visto? De que modo os flashbacks reconstruindo a memória das testemunhas correspondem à realidade? The Outsider planta inúmeras dúvidas contraditórias, convidando o público ao jogo de adivinhações.
Obviamente, a história não está completa: faltam nove episódios para completar a intricada narrativa criada por Stephen King. No entanto, há tantos acontecimentos se sucedendo em pouco tempo que o espectador pode se questionar sobre o que resta à série para mostrar. Talvez aí entrem os elementos sobrenaturais de fato... Por enquanto, “Fish in a Barrel” funciona como um excelente teaser: ele apresenta os personagens, os conflitos, cria uma atmosfera opressora e um senso de paranoia constante, sem indicar para onde a história deve se encaminhar. Se por um lado os rumos parecem fáceis demais – conhecemos o crime, o provável criminoso, as provas da defesa e da promotoria – por outro lado, eles soam excessivamente complexos, por sugerirem que todos os indícios apresentados, que seriam suficientes à maioria dos suspenses psicológicos e dramas de tribunal, não bastam para compreender o episódio do garoto assassinado.
Neste primeiro momento, o espectador sequer saberá do que se trata o título: quem é o Outsider, o forasteiro? Seria o próprio Terry, interpretado com o habitual despojamento de Bateman, ou talvez o detetive Ralph Anderson, que ganha a habitual carranca minimalista de Ben Mendelsohn? Seria outro personagem inédito, ou o homem do capuz? Bateman, enquanto diretor, e Richard Price, na direção, armam um fascinante tabuleiro. Falta saber qual caminho o jogo tomará, é claro. Caso o espectador não fique curioso com as provas contraditórias desta investigação criminal, nem comovido com a morte da criança na floresta, ele poderá testemunhar a poderosa cena de uma mãe liberando a sua raiva dentro de casa, com um bastão de beisebol, quebrando os objetos em câmera lenta, gritando sem qualquer som, enquanto pedaços de comida voam pelos ares. É belo, é exagerado, é assustador. Deve despertar amores e aversões, mas dificilmente deixará indiferente.
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