Crítica


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Sinopse

Jamie é considerado um professor exemplar de uma escola de elite. Ele está prestes a ter o primeiro filho com a esposa. Um dia, recebe a visita inesperada de Nick, um antigo colega de faculdade. O reencontro mexe profundamente com o professor, que não consegue esconder os segredos do passado. Dentro de pouco tempo, Jamie se envolve no assassinato cruel do colega. O detetive Harry passa a investigar o que teria levado uma pessoa pacífica a se envolver em atos bárbaros.

Crítica

The Sinner trouxe à televisão um projeto fascinante dentro do subgênero policial. Ao contrário de tantas séries concentradas na descoberta e apreensão do culpado, esta narrativa privilegia crimes cujo responsável está definido e disponível para a prisão. Para ajudar, há provas suficientes para incriminá-lo. Parte-se do ponto que, na maioria das narrativas, constituiria o final, visto que o criador Derek Simonds prefere questionar os motivos do crime. Apresentando um caso isolado por temporada, ele proporciona o mergulho na psicologia dos assassinos para chegar à conclusão de que a origem de um ato destrutivo é muito mais complexa do que um simples relatório poderia sugerir. Em todas as temporadas, o assassino em questão (Jessica Biel, Elisha Henig e, agora, Matt Bomer) está inserido num ciclo de violência física e psicológica que o antecede, e do qual não é criador. Longe de desculpar os responsáveis por seus atos, este posicionamento busca compreendê-lo, eliminando a dualidade entre mocinhos ou bandidos, heróis ou vítimas. Em paralelo, o detetive encarregado dos casos, Harry Ambrose (Bill Pullman) foge ao modelo de virtude e ao talento excepcional de observação. Ele se mostra menos assertivo que alguns de seus colegas e deixa o afeto pelos réus afetar seu julgamento.

A terceira temporada busca trazer ritmo novo à premissa inicial. A morte central não tarda a acontecer: presenciamos o ato, os motivos aparentes e a responsabilidade de cada pessoa envolvida. No entanto, Simonds transforma sensivelmente a fórmula, sobretudo no que diz respeito à linha temporal. Nos casos anteriores, o crime havia acontecido no passado, restando apenas compreendê-lo no presente. A vítima não representava mais um perigo à sociedade, nem corria o risco de reincidir. Agora, o primeiro crime, fragmentado ao longo da trama em pequenos flashbacks, constitui mera porta de entrada para novas mortes. Pela primeira vez, a parte essencial da narrativa se passa em tempo presente, ao vivo, enquanto nos deparamos com a constituição de um serial killer. Além disso, a conexão de Ambrose com o investigado se torna muito mais fusional do que havia sido proposto até então. O detetive representava uma figura paterna aos assassinos anteriores. Agora, o roteiro busca espelhar as atitudes de Harry naquelas de Jamie (Matt Bomer), sugerindo que a barreira entre ambos seja ínfima. Os dois teriam sofrido traumas familiares semelhantes, capazes de levar a comportamentos igualmente perigosos – com a diferença de que um teria colocado as suas pulsões em prática, e o outro, não.

Por este motivo, o roteiro se esforça a trabalhar dualidades. As crises no passado de Jamie estão relacionadas a Nick (Chris Messina), colega de temperamento intempestivo, funcionando como contraponto à racionalidade morna do protagonista. Juntos, eles se provocam e estimulam o prazer da morte, tanto a de si mesmos quanto a dos outros. Os embates entre os amigos-inimigos atingem tal nível que, embora não sejam considerados homoeróticos no sentido tradicional do termo, visto que não eles possuem atração sexual um pelo outro, trazem forte carga sexual. Cada simulação da morte praticada pelos amigos produz o efeito de um orgasmo, ou talvez da viagem de alguma droga viciante. À sua maneira, Harry e Jamie reproduzem essa dinâmica episódio após episódio: eles se gostam e se provocam, temem um ao outro, mas não conseguem ficar separados. O gato e o rato não mais se perseguem, e sim se aliam. A dupla acaba reproduzindo algumas ações que, se estivessem separados, jamais teriam a coragem de executar.

A ideia é tão fascinante quanto difícil de colocar em prática sem recorrer a algumas concessões do roteiro à lógica. Talvez esta seja a temporada mais incongruente até então: o autor quer nos fazer acreditar que Harry acompanharia o criminoso durante dias e noites, oficialmente para impedi-lo de praticar novos crimes, mas extraoficialmente pelo prazer de estar perto de um matador. A longa noite de ambos pelas festas de Nova York está carregada de inverossimilhanças (a perseguição de carro, o encontro com a aluna, a pós-festa na casa de um sujeito rico), enquanto as cenas entre Jamie e Nick (especialmente dentro do restaurante) são marcadas por comportamentos pouco realistas. Talvez pela necessidade de unir segredos do passado com o desenvolvimento de um psicopata no presente, The Sinner acelera passagens que precisariam de calma e cuidado. Como catalisadores, o texto recorre à filosofia e ao misticismo, elementos ausentes das narrativas anteriores: entram em cena as ideias de Nietzsche e Schopenhauer para fomentar um niilismo autodestrutivo, em paralelo com a figura de um médium capaz de revelar presenças malignas ao redor do protagonista. Estas duas ferramentas são exploradas de maneira tão abrupta que beiram o cômico.

No entanto, demonstram o interesse da série em abraçar os códigos do terror: se antes o horizonte mirava no drama psicológico, com sujeitos tristes e sofredores, agora Jamie se converte num assassino frio, comum ao horror tradicional. Não por acaso, o grande embate entre os protagonistas ocorre ora numa cabana isolada na floresta, ora dentro da mata escura, com muito gelo seco ao redor. A narrativa se apropria dos cenários clássicos para o ataque de assassinos sanguinários. As cenas finais, tão belas simbolicamente quanto improváveis narrativamente, transparecem os problemas deste terceiro volume, no caso, a tentativa de forçar uma história dentro de moldes preconcebidos, ao invés de imaginar onde os personagens naturalmente chegariam caso confrontados às situações apresentadas. É visível a vontade de transformar Jamie radicalmente, partindo da figura do professor perfeito ao homem enlouquecido. Em paralelo, percebe-se a vontade de introduzir a fascinação irresistível de Harry pelo assassino, atingindo o limiar da cumplicidade entre ambos. Logo, o roteiro efetua os malabarismos mais improváveis na tentativa de justificar as guinadas. Simonds tinha muito claro o ponto de partida e o ponto de chegada desejados, forçando seu material humano para caber no percurso de A a B.

Por conta de tamanhas concessões, as atuações também fogem do naturalismo esperado. Bill Pullman é um ator excelente, ainda que a direção o force a sublinhar as dores no corpo, a dicção comprometida e os olhos espremidos, ao limite do exagero. Matt Bomer arregala os grandes olhos em alusão à figura clássica do maníaco, ainda que consiga conter os gestos corporais. As melhores contribuições vêm dos personagens coadjuvantes, a quem se pede menor transformação rumo à monstruosidade ou perda de controle: Jessica Hecht se sai muito bem no papel da mulher de fala doce combinada com gestos agressivos, enquanto Parisa Fitz-Henley rouba a cena no papel da esposa tentando manter a normalidade quando tudo ao redor dela implode. O olhar tranquilo e a fala levemente alterada transparecem um trabalho minucioso da atriz. O resultado imagético ainda impressiona pela qualidade da produção, que mantém a direção de fotografia polida, com paletas de cores bem controladas e ângulos cuidadosamente escolhidos. A aparência de elegância e requinte serve bem à narrativa de pessoas que perdem o controle, como se a forma refletisse a aparência que os personagens buscam inutilmente transmitir sobre si mesmos.

Por fim, a terceira temporada de The Sinner se revela a mais ambiciosa em termos de conceito, e também a mais exigente para seus atores, a quem se pede a composição de ações francamente absurdas (a aceitação de ser enterrado vivo, a vontade de ficar em casa sabendo que o assassino está chegando, o pedido ao homem perigoso que fique nu para ser fotografado). Esta também é a trama mais erótica, mais focada no descontrole do corpo (o homem perfeito que mata, o detetive morrendo de dores e não conseguindo correr, a esposa dando à luz, a pintora que não consegue mais pintar). Simonds mergulhou nas leituras psicanalíticas, filosóficas e místicas, tanto no passado quanto no presente do personagem. O resultado é inchado demais para uma série que vinha se construindo com calma e precisão. Este segmento sacrifica o tempo em busca de efeitos surpreendentes, enfraquecendo o projeto pela concessão ao espetáculo. Quem teria imaginado Harry numa perseguição em alta velocidade pelas ruas da cidade, ligando desesperado aos policiais para salvarem seus entes queridos da morte iminente? Espera-se que a quarta temporada retire o pé do acelerador e se concentre novamente nos sentimentos dos personagens. Ora, a empatia com os criminosos, percebida anteriormente como gesto de humanidade, agora se torna prova de ingenuidade. The Sinner se configura na terceira trama enquanto cautionary tale, embora não trouxesse lições de moral anteriormente. Cuidado com os amigos, atenção às ideias sedutoras dos falsos líderes. Cuidado com os seus desejos, controle-se se quiser viver em sociedade. Depois de tantos traumas e provações, o que Harry Ambrose ainda poderia experimentar numa quarta temporada? O projeto esgarçou tanto a construção de seus personagens que dificulta o caminho para a continuação.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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