Crítica


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Sinopse

Uma mulher tenta impedir que um policial racista mate seu filho. Para isso, ela usa uma câmera de vídeo com o poder de voltar no tempo.

Crítica

Entre todas as possibilidades narrativas envolvidas no universo de The Twilight Zone, aquela que mais fascina os criadores diz respeito à possibilidade de reescrever o presente. “The Comedian” (E01) o fazia pela supressão do passado. “Nightmare at 30.000 Feet” (E02) recorre ao anúncio prévio do futuro, abrindo brecha para a manipulação do agora. “A Traveler” (E04) permite que segredos sejam revelados, transformando a percepção dos fatos. Já “Replay” (E03) adota o caminho mais literal possível para transformar o presente: simplesmente rebobiná-lo através do botão “Rewind” de uma câmera de vídeo antiga. Quando Nina Harrison (Sanaa Lathan) descobre o dispositivo mágico do aparelho caseiro, fica surpresa ao descobrir que não são as imagens que se rebobinam, e sim seus referentes – o mundo real, no caso.

Novamente, trabalha-se com a figura do indivíduo escolhido pelo destino, a pessoa detentora de um poder imenso e indescritível, assim como todos os episódios anteriores. Se reunisse todos os seus protagonistas, Jordan Peele teria um belo e perverso grupo de super-heróis em mãos. No entanto, ele se contenta em ver como os poderes podem se voltar contra os próprios poderosos. Ao tentar corrigir os problemas do presente (em especial, a perseguição de um policial branco ao seu filho negro), Nina agrava a realidade a cada rebobinada. O dispositivo se transforma numa bênção e numa maldição ao mesmo tempo: a cada realidade reiniciada, ela desperta versões ainda mais perigosas ao jovem Dorian (Damson Idris). A noção de liberdade de expressão é colocada entre parênteses: de que adianta poder voltar no tempo se você não controla as novas histórias que o perseguem? De que adianta este recurso mágico se a alternativa é sempre pior?

O aspecto mais interessante de “Replay” é o fato de utilizar o dispositivo fantástico enquanto metáfora para o racismo. Os primeiros protagonistas negros desta temporada são afetados por um policial branco, truculento e racista, que persegue mãe e filho munido de desculpas improváveis. Nina pode tentar fugir, rebobinar a imagem quantas vezes quiser, mas o policial (Glenn Fleshler) continua vindo, como um pesadelo recorrente, incapaz de ser interrompido. Peele encontra na união entre os cidadãos negros, e no poder das imagens enquanto documento – belo momento em que o vídeo antigo se une com os registros de telefones celulares – uma arma para combater o racismo silencioso que afeta a todos eles. A câmera se torna uma arma de empoderamento para a mãe que sempre instruiu o filho a não levantar a voz para os policiais, de modo a diminuir a chance de represália. Agora, Nina poderá enfim dizer o que pensa.

The Twilight Zone vinha trabalhando aspectos políticos em cada episódio – o humor constitucional no episódio 1, o fantasma do terrorismo no episódio 2 – mas em nenhum caso a fantasia servia tão bem a representar a própria forma da opressão social quanto neste episódio. É uma pena que o roteiro não controle a vontade de efetuar um longo salto no tempo, no terço final, para imaginar a vida dos personagens após a superação do conflito. A conclusão aberta servia muito bem aos propósitos do discurso, porém a série ainda efetua concessões a um público mais amplo, em busca de respostas claras a cada um dos conflitos sugeridos até então. O episódio também serve a apresentar ao público amplo os ótimos Sanaa Lathan e Damson Idris, atores pouco conhecidos até agora, mas cuja desenvoltura os candidata a papéis maiores daqui para frente. Ao revelar novos talentos negros, “Replay” contribui a dar voz e destaque à comunidade negra para além da própria trama que aborda.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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