Crítica


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Sinopse

A chegada de um homem misterioso à festa de Natal numa delegacia do Alasca leva um sargento a investigar o que parecem ser segundas intenções.

Crítica

A jovem cineasta Ana Lily Amirpour tem traçado um caminho particular na indústria de cinema. Após diversos curtas-metragens focados especialmente no cinema de gênero, ela se tornou conhecida com o longa-metragem Garota Sombria Caminha Pela Noite (2014), o melhor filme feminista em preto e branco sobre vampiros iranianos que o cinema já viu – e também o único. A partir desta experiência singular, ganhou praticamente carta branca para desenvolver outros projetos, com elencos impressionantes. Amores Canibais (2016) representou um filme sem ritmo nem foco, espécie de malandragem de autor na qual a forma se tornava muito mais importante que a narrativa. Agora, dentro da antologia de The Twilight Zone, ela reprisa tanto a astúcia formal quanto a indefinição conceitual. Mesmo sem ter qualquer ingerência no roteiro, Amirpour ainda imprime uma forma de autoria muito própria – para o bem ou para o mal.

Em termos de roteiro, “A Traveler” é uma bagunça. Chega a ser impressionante que esta seja, de fato, a versão final aceita pelos produtores e filmada pela equipe. Não se determina com facilidade um protagonista entre a policial Yuka (Marika Sila), o chefe arrogante Lane (Greg Kinnear) e o intruso A. Traveler (assim mesmo, com um ponto final, interpretado por Steve Yeun). A pluralidade de pontos de vista poderia render uma perspectiva coral, numa série que se baseava até então firmemente no olhar de um protagonista único. No entanto, a premissa não sabe o que fazer com cada um deles, limitando-se a suspender os conflitos individuais ou dilui-los na introdução da fantasia – este é o primeiro caso em que alienígenas de fato fazem parte da história. Pouco importa o modo como Yuka acolhe o invasor dentro de sua prisão, ou a vaidade de Lane, que o leva a se aproximar do carismático prisioneiro. No final, todos serão deixados a esmo.

Amirpour parece indecisa entre construir um média-metragem de terror, uma farsa ou mesmo uma paródia do cinema de gênero. É normal que o humor se insira nesta proposta, porém aqui nunca se sabe ao certo do que se ri, ou o que se critica através do humor. O pequeno aceno político decorrente das ações de Lane é explicado às pressas, visto que a diretora está encantada demais com o potencial estético de uma prisão subterrânea e de celas cujas portas de abrem num passe de mágica. Os atores estão igualmente perdidos nos registros: Kinnear força um tipo claramente canastrão, sinal de que embarcou no aspecto cômico, enquanto Sila acredita estar atuando numa série policial seríssima. Steve Yeun, na figura do ser misterioso e potencialmente mágico, limita-se à ironia em cada frase, estampada com um sorriso no rosto. O ator parece se deliciar com este personagem, mas a importância do mesmo em estilo deus ex machina são tão acessória quanto absurda (mesmo para a liberdade fantástica habitual da série).

Nos três primeiros episódios desta temporada, as histórias permitiam que um elemento mágico surgisse apenas para o seu protagonista e para o público, sem romper com o realismo ao redor. O personagem principal se confrontava à situação improvável, enquanto as demais pessoas seguiam suas vidas normalmente. “A Traveler” rompe com essa estrutura ao lançar a magia sem qualquer preparação prévia, ao alcance de todos, e mesmo assim menosprezada pelas pessoas como um fator de menor importância. Quem seria capaz de ignorar a aparição mágica de um forasteiro dentro de uma cela? Como uma cabeça ornada com antenas seria esquecida em poucos minutos? De que modo se poderia minimizar tantas verdades disparadas dentro da delegacia, além de um suposto caso de corrupção? Enquanto The Twilight Zone construía sua fantasia essencialmente dentro da esfera psicológica – os acontecimentos dos três episódios iniciais poderiam ser lidos enquanto pesadelos dos protagonistas -, este escancara a magia com um descaso impressionante. Nem Jordan Peele, na pele do narrador, possui função ou espaço ali dentro. Este constitui um curioso ponto fora da curva dentro de um projeto bastante coeso até então.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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