Crítica


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Sinopse

Apesar de viver uma má fase profissional, um jovem articulista político se encarrega da tarefa de transformar um garotinho no próximo presidente dos Estados Unidos.

Crítica

As razões pelos quais os criadores da série investiram neste episódio são bastante compreensíveis. Através da história de um garotinho eleito presidente dos Estados Unidos por ser adorável e cheio de boas intenções – ao contrário dos “políticos profissionais”, maliciosos e corruptos – o quinto episódio da primeira temporada acerta em cheio o sistema político norte-americano, em especial, o do século XIX, sob o governo de Donald Trump. A ideia de um presidente mimado e infantil, que faz apenas o que quer, quando quer, sem respeitar o decoro esperado para o cargo, exigindo ter hambúrgueres e refrigerantes à disposição, dialoga diretamente com o atual presidente dos Estados Unidos. Em especial, tanto o garotinho destituído de conhecimento sobre política quanto o magnata das Trump Towers têm em comum a figura do “diferente” na política, aquele que soa como novidade e renovação – e, portanto, mais puro em tempos de demonização da política partidária.

Além disso, a premissa possui a particularidade de sublinhar o Sonho Americano ao limite do ridículo. A ideia de que “qualquer um pode obter sucesso no país das oportunidades, bastando se esforçar para tal” é criticada pela campanha política do malicioso estrategista Raff Hanks (John Cho) que enxerga nesta eleição uma vitória pessoal, e uma confirmação de seus talentos. Afinal, o presidente torna-se um produto de marketing qualquer. O fato de transformar um fraco candidato numa figura vitoriosa escancara as artificialidades e falsidades do suposto processo democrático, enquanto reforça a virilidade do estrategista - o verdadeiro Sonho Americano, quem diria, é o de Raff. Por mais aberrante que seja esta trama – talvez a mais fantasiosa de uma série que inclui alienígenas e mundos paralelos – ela serve para dialogar diretamente com a idealização de um país orgulhoso demais de sua noção de sucesso, e sua pretensa superioridade em relação aos demais países.

A metáfora é óbvia, até demais. Neste sentido, ela encontra a sua limitação: The Wunderkind não fornece exatamente um material de reflexão, e sim a caricatura grotesca de um sistema considerado equivocado. Oferece-se o problema e a solução ao mesmo tempo, em chave maniqueísta. Ou seja, ao invés de nos convidar a pensar, o episódio fornece todas as conclusões prontas a respeito da falência das instituições, da decadência dos indivíduos etc. Em seu amplo ataque ao sistema democrático, o episódio corre o sério risco de se inserir no conformismo em estilo “toda política é ruim” e “políticos não prestam”. Ironicamente, é exatamente este tipo de ideologia esvaziada e direitista que contribuiu a eleger pessoas como Donald Trump e seus equivalentes em outros países do mundo. O ataque à própria noção da política enquanto possibilidade de transformação leva à impressão de que tanto faz mudar, afinal, qualquer novo postulante ao cargo será igualmente nocivo. Por isso, votemos em crianças, palhaços e pessoas desqualificadas, por simples revolta ou deboche da nossa crença no futuro do país.

Talvez a história fosse mais interessante caso trabalhasse com cuidado a ascensão de Oliver Foley (Jacob Tremblay) dentro do sistema político. Ora, o roteiro o faz às pressas, em etapas realmente difíceis de acreditar, mesmo dentro de uma malha democrática tão desgastada. Seria um desafio fazer o público acreditar no voto majoritário a um garotinho, porém um bom diretor, capaz de trabalhar metáforas e sugestões, talvez deixasse possibilidades em aberto. Ora, Richard Shepard se revela uma escolha de mão pesadíssima (vide seu trabalho no grosseiro The Perfection, 2018), acentuando os traços para fim humorístico até perder total capacidade de dialogar com a realidade para além de seus acenos a Trump. Em outras palavras, ele efetua uma constatação importante – estamos elegendo pessoas pouco qualificadas e perigosas em nome da nossa descrença na política –, mas para por aí. Qualquer reflexão prévia sobre causas, desdobramentos ou possibilidades de superação está ausente no episódio que se contenta com sua malícia e suas imagens extravagantes sobre o circo do poder.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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