Crítica


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Sinopse

Uma equipe espacial que se prepara para o primeiro voo humano a Marte é confrontada por uma decisão que muda a vida de todos.

Crítica

Entre os episódios da primeira temporada, talvez este seja aquele que exige maior produção – e talvez por isso mesmo, o segmento que melhor escancara as deficiências orçamentárias e técnicas do projeto como um todo. Six Degrees of Freedom aborda um grupo de astronautas numa nave de última geração, prestes a embarcar para Marte. O imaginário relacionado a viagens espaciais produz certa expectativa no que diz respeito à caracterização de uma nave, dos uniformes, do espaço sideral. Mesmo sem possuir conhecimentos específicos sobre a ciência, o espectador acostumado a grandes produções hollywoodianas pode esperar certo esmero na criação deste universo, algo que o sexto episódio da série não consegue concretizar. A espaçonave impecavelmente nova e limpa se assemelha a um cenário asséptico, enquanto os figurinos lembram alguma versão em alta costura dos tradicionais uniformes espaciais. As portas arredondadas ou dentadas remetem a uma visão quase cômica da tecnologia futurista, e a simplificação do aparato científico (telas azuladas com coordenadas genéricas, jamais utilizadas pelos astronautas) beira o cômico.

Além disso, o roteiro depende demais de diálogos para sugerir a situação de perigo extremo, citando escolhas que podem mudar o futuro da humanidade. A equipe comandada por Alexa Brandt (DeWanda Wise) basicamente discute, com um suor exageradíssimo pela equipe de maquiagem, quais medidas tomar. A câmera evita proporcionar novos ângulos, um ponto de vista fora da nave ou fora dos mesmos dois ou três espaços construídos para o episódio. Atinge-se o estágio do “faz de conta” análogo à brincadeira infantil, quando crianças se dizem astronautas e decidem desbravar planetas apenas pelo diálogo, sem que qualquer elemento exterior permita acreditar nessa fantasia. Tudo reside na crença dos participantes, e na solicitação modesta de que o espectador embarque nesta jornada sem possuir reais motivos para tal. Talvez por isso, revelações capazes de subverter aquela realidade – afinal, trata-se de Twilight Zone – não produzem o choque esperado. A imersão no absurdo não provoca qualquer diferença de tom capaz de surpreender, visto que a representação da realidade se mostrava igualmente absurda.

Em paralelo, o diretor Jakob Verbruggen – um especialista em séries televisivas – possui uma noção um tanto curiosa sobre o dinamismo da mise en scène de ficção científica. Para sugerir a movimentação da nave, ele e o diretor de fotografia Mathias Herndl apenas inclinam o ângulo da câmera para captar seus personagens na diagonal, apesar de estes estarem sempre sentados na mesma posição. Um estabilizador de imagem, em estilo steadycam, permite que a câmera deslize por meio de corpos e espaços estáticos. Esta tentativa forçada de sugerir agilidade apenas reforça a imobilidade de seus personagens. A montagem, saltando entre dezenas de dias da viagem espacial sem trazer qualquer transformação significativa nestas elipses, reforça a dificuldade do episódio em construir um cenário espacial verossímil. Uma vez estabelecida a rota para Marte, os personagens apenas esperam que a nave chegue no lugar. Nenhum conflito se desenvolve, de fato, durante o percurso, razão pela qual o grupo se assemelha a turistas espaciais sem habilidades que justifiquem sua presença a bordo de uma expedição inaugural ao planeta vermelho.

É uma pena que Six Degrees of Freedom sofra com tantos problemas de produção, visto que havia intenções realmente notáveis neste projeto. A decisão de colocar uma mulher negra e lésbica à frente da tripulação se mostra interessante, inclusive pela maneira natural como aborda a sexualidade de Alexa. Além disso, o questionamento sobre a natureza das imagens possui forte interesse dentro de uma série que combina realidade e fantasia. O roteiro lança o questionamento: podemos realmente acreditar nos nossos olhos, ou o que vemos constitui uma construção social influenciada por nossas crenças? Caso fosse desenvolvido com maior cuidado e melhor construção de personagens – todos bastante genéricos em suas caracterizações e evolução até o desfecho – poderia criar forte suspense quanto à missão arriscada, levando o espectador a compartilhar a dúvida da equipe e temer por suas vidas. No entanto, o dispositivo teatral destaca-se do naturalismo desde a primeira cena, de modo que dificilmente enxergamos o espaço pelo mesmo olhar dos astronautas arquetípicos.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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