Crítica


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Sinopse

Uma chuva de meteoros espalha uma misteriosa infecção por uma cidade inteira, afetando alguns habitantes bem mais do que outros.

Crítica

Uma chuva de meteoros está prestes a atingir a Terra. Nada próximo de uma catástrofe, apenas meteoritos que poderão ser observados a olho nu, como eclipses e cometas passando pelo céu. Quando chegam, atingem uma caixa d’água perto de Annie (Taissa Farmiga), jovem funcionária em seu primeiro jantar romântico com um colega de trabalho. Mesmo assim, a jovem não se sente em perigo, e inclusive se aproxima dos pequenos fragmentos pelo chão. Diante da insistência do rapaz (Luke Kirby) em fazer sexo, Annie decide interromper o encontro e ir embora. Ele se mostra cada vez mais agressivo, algo que a protagonista interpreta como um efeito colateral inesperado dos meteoritos. Ou ele seria apenas um sujeito agressivo com as mulheres? Ao contrário da maior parte dos episódios de The Twilight Zone, que criam uma narrativa plenamente verossímil até introduzirem um elemento fantástico no clímax, Not All Men introduz a possibilidade do absurdo desde o início.

No caso, tudo pode ser interpretado pelo ceticismo ou pela paranoia: os homens se mostram cada vez mais violentos uns com os outros, e especialmente com as mulheres. Talvez eles só tenham bebido, talvez seja a crise financeira – ou talvez seja o meteoro. Assim como em Replay, este sétimo episódio da temporada inicial surpreende ao se apropriar de evento típico da ficção científica para criar uma metáfora para problemas políticos e sociais. Desta vez, o machismo se assemelha a uma contaminação zumbi, entendida como a transformação de humanos em seres desprovidos de racionalidade, agindo unicamente por impulso, sem medir o impacto de seus gestos (auto)destrutivos. A principal brincadeira deste segmento consiste em transformar um comportamento cultural (garotos são ensinados em família a serem conquistadores, violentos, a não demonstrarem sentimentos) num fenômeno natural, ou ainda num acidente apocalíptico. As mulheres, no caso, estão isentas de transformações, mesmo que encostem nas pedras.

O título do capítulo ainda traz uma ironia especial: “Nem todos os homens” corresponde à desculpa padrão fornecida por interlocutores masculinos quando confrontados a acusações de machismo. Não pode generalizar, certo? Ora, o episódio brinca com o machismo e a selvageria enquanto componente biológico – logo, são todos os homens sim -, passando a encontrar variações dentro desta fórmula: os homens podem controlar seu grau de agressividade? Os homossexuais se diferem dos heterossexuais de alguma maneira? Há diferenças entre brancos e negros neste caso? O segmento toma a precaução de manter o ponto de vista feminino, enquanto fornece uma divertida alegoria do enfrentamento diário das mulheres contra o assédio, o abuso de poder e o estupro. Talvez este seja o episódio #MeToo da temporada, adequado à lógica muito particular de The Twilight Zone. Ao invés de sugerir que acreditemos piamente na realidade proposta, a diretora Christina Choe assume o absurdo de sua premissa, deixando que o espectador a interprete como mundo possível ou apenas releitura de gênero do mundo real.

A comprovação desse distanciamento crítica se encontra nos momentos de humor escancarado – uma cena violenta ao som de “Carmen”, de Bizet -, assim como nas associações imagéticas, a exemplo de um canudo forçado no refrigerante editado junto de uma mão na bunda de uma mulher. Talvez os efeitos visuais pareçam exagerados, ou mesmo toscos. Os olhos vermelhos dos homens são tão expressivos que as mulheres dificilmente não os perceberiam, e a passagem dos meteoros não conta com os recursos digitais mais desenvolvidos do mundo. Mesmo assim, o aceno ao filme B permite a maior parte destas licenças poéticas, o que inclui a atuação de Ike Barinholtz fazendo sua melhor versão de Jack Torrence. Ao invés de colocar mulheres em posição de vítima, fazendo dos homens vilões, Not All Men prefere escancarar ao espectador masculino a artificialidade de um comportamento análogo ao realista, ainda que sublinhado ao limite do grotesco, enquanto transforma as mulheres em heroínas do apocalipse machista.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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