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Sinopse
Terapeuta bem-sucedida, casada com um marido dedicado e mãe de um filho que frequenta uma escola de elite nova-iorquina, Grace vê a vida começar a desmoronar quando está prestes a lançar um livro.
Crítica
São muitos os envolvidos, mas há apenas dois nomes que realmente importam na realização de The Undoing, minissérie exibida pela HBO no segundo semestre de 2020: o do produtor e showrunner David E. Kelley e o da estrela Nicole Kidman. Se a segunda é uma vencedora do Oscar reconhecida internacionalmente, está no primeiro a verdadeira força criativa por trás do programa. Kelley é responsável por programas como L.A. Law (1986-1994), Picket Fences (1992-1996), O Desafio (1997-2004), Ally McBeal (1997-2002) e, mais recentemente, Big Little Lies (2017-2019), que lhe valeram nada menos do que 11 Emmys. Aliás, está na tentativa de recriar o sucesso desse último a explicação para essa nova parceria com Kidman – que ganhou o Emmy, Globo de Ouro, SAG e Critics Choice pelo papel da traumatizada Celeste Wright. Pois bem, se dessa vez ela deixa as amigas de lado e se prepara para um voo solo como a psicanalista Grace Fraser, os problemas que tem pela frente são bem similares, pois também envolvem um assassinato e um marido infiel. Terreno já conhecido que pouco contribui para enaltecer os ânimos em relação a essa empreitada.
Se as expectativas, ainda mais após o segundo ano de Big Little Lies, logo apontam para um arrefecimento, o desenrolar dos poucos episódios de The Undoing confirmam que não há muito o que se esperar de um mistério que nem mesmo Agatha Christie nos seus piores dias talvez demonstrasse algum tipo de interesse. Grace é linda, alta, sempre envolta por casacos milionários e possui uma rede de proteção digna de nota: um marido atencioso, um filho comportado, um pai presente, melhores amigas ao alcance de um telefonema. Pois este cenário quase perfeito começa a desmoronar com a chegada de uma novata no grupo de mães da escola: Elena Alves (a italiana Matilda De Angelis, vista há pouco também em A Incrível História da Ilha das Rosas, 2020). Mais jovem que as demais, não tem vergonha do próprio corpo – amamenta a filha caçula em frente às outras sem embaraço, desfila nua no vestiário do clube e usa os vestidos mais decotados nos encontros sociais. Há um desconforto em sua presença, e a atenção que parece dedicar à Grace é mais do que mera coincidência.
O que era mera impressão, logo se confirma como fato: Elena é encontrada morta em seu estúdio, vitimada de um ataque violento – seu rosto foi destruído por um martelo que a artista usava na elaboração de suas obras. O que já era trágico, piora quando Grace descobre que Jonathan (Hugh Grant, que tem amadurecido dramaticamente de modo exemplar) fugiu de casa, deixando para trás absolutamente tudo, inclusive o celular. Quando a polícia começa a bater em sua porta, a mulher abandonada não terá mais como ignorar a ligação entre um episódio e outro. E assim que a verdade vem à tona – Elena era amante do esposo dela, e ele é o principal suspeito do assassinato – estará nas ações e decisões que tomar a partir de agora os indícios que lhe permitirão emergir desse caos em segurança, ou sucumbir a ele como nunca imaginara. Importante notar que, apesar de ser especialista em lidar com questões matrimoniais no seu ambiente de trabalho, não havia vislumbrado a tempestade que se aproximava de si mesma. Susanne Bier, a diretora – que já passou também por dias melhores – é eficiente em criar esse cenário, colocando cada peça no seu devido lugar. Os problemas começam com os movimentos seguintes.
É neste ponto também que Nicole Kidman passa a demonstrar sua fragilidade enquanto intérprete, ainda mais diante de um material que, por mais que se esforce em privilegiá-la, pouco de concreto consegue realizar a seu favor. Claro que conta contra – e muito – as limitações faciais da atriz, bastante reduzidas graças a um excesso de intervenções cosméticas que tornaram seu rosto límpido como mármore, mas, da mesma forma, incapaz de expressar o conflito emocional que supõe-se que uma personagem em igual situação estaria enfrentando. Kidman está constantemente séria, como que compenetrada, sem nunca ameaçar um desespero ou descontrole – e, quando esse chega (como na fatídica cena da ponte), o constrangimento ofusca os demais sentimentos em relação ao que deveria estar no centro das preocupações. Ao espectador, resta a incerteza se a intérprete se apresenta como que alheia aos acontecimentos por uma questão de culpabilidade de Grace, por uma estratégia – logo descoberta como infundada – que visava esconder revelações pontuais ou pela simples incapacidade de reagir de acordo com cada novo evento. Quando uma artista se mostra tão às claras vítima da própria vaidade, apenas lamento e resignação podem lhe ser destinados.
Por outro lado, estão nos dois homens em destaque as presenças mais fortes e contundentes do elenco. Hugh Grant assume de maneira honesta as rugas do rosto, assim como demonstra esforço e comprometimento na construção de um personagem dúbio, que tanto pode ser o melhor pai e marido do mundo, como também um assassino violento e incapaz de qualquer arrependimento. A manutenção da audiência até uma conclusão anticlimática se deve muito graças à entrega dele, abandonando – felizmente – os tantos anos como estrela de comédias românticas simpáticas, porém irrelevantes. Igualmente hipnotizante é a participação do veterano Donald Sutherland, como o pai de Grace. Ele é o porto seguro, assim como também pode representar uma ameaça que não pode ser desprezada. É sabido o potencial de que poderia alcançar notas mais altas do que as que aqui lhe são exigidas. É de se lamentar, portanto, que um talento como esse tenha sido convocado para tão pouco. O mesmo acontece em relação ao venezuelano Edgar Ramirez, que investe num tipo galanteador e percebe sua relevância ser diminuída com o desenrolar da trama.
Por fim, ao invés de investigar os sentimentos envoltos em um conjunto de ambições e desejo, decepções e trivialidades, David E. Kelley se vê refém de sua protagonista, optando por enaltecê-la em detrimento de assumir as rédeas da história que deveria ocupar suas obrigações. Pistas falsas são atiradas a esmo a todo instante – as outras amantes do marido, as caminhadas noturnas de Grace, o modo como a arma do crime é encontrada – apenas para se revelarem tentativas tolas de enganar a audiência, pois em nada contribuem para o andar dos acontecimentos. E no meio disso, quando mais nada parece ser possível – ou, pelo contrário, quando qualquer absurdo se torna natural – será justamente na mais óbvia das resoluções em que as apostas se encontrarão, em um desfecho morno e distante de qualquer cenário mais arriscado. The Undoing, ou “o desfeito”, termina por funcionar como registro de dois artistas em crise, indecisos entre abraçar novos momentos de suas carreiras justamente pelo desespero de seguirem olhando apenas para o que já foi, ainda mais quando há tanto a ser alcançado.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 4 |
Sarah Lyra | 4 |
Daniel Oliveira | 5 |
Lucas Salgado | 4 |
MÉDIA | 4.3 |
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