Crítica


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Sinopse

Um lugar paradisíaco, mas nem por isso pouco movimentado ou menos cheio de questões fervilhantes. A cada dia de viagem surgem diversas narrativas envolvendo os funcionários de um hotel, os turistas e o próprio local.

Crítica

ATENÇÃO: Essa crítica sobre a segunda temporada de The White Lotus compreende apenas os cinco primeiros episódios (de um total de sete), pois a HBO Max permitiu acesso antecipado a apenas esses, e não ao conjunto completo

Mike White é como um unicórnio em Hollywood. Vencedor do Film Independent Spirit Awards pelo enredo de Por um Sentido na Vida (2002) – e de uma Framboesa de Ouro pelo texto da animação Emoji: O Filme (2017) – se tornou conhecido do grande público antes como ator, marcando presença em comédias como Casamento em Dose Dupla (2008), entre outras bobagens. No entanto, sempre foi um inquieto, e acabou se reinventando como cineasta – comandou o existencialista O Estado das Coisas (2017) – e, principalmente, como roteirista, transitando entre reflexões sobre a vida e um humor que beirava o constrangedor (sem, no entanto, ultrapassar essa fronteira). O ápice desse olhar apurado, ainda que intrigante, se deu com a estreia de The White Lotus (2021), programa que lhe rendeu nada menos do que três Emmys: Melhor Minissérie, Direção e Roteiro. Esse sucesso, percebe-se agora, parece não ter lhe feito tão bem quanto se poderia supor. E, assim como Big Little Lies (2017-2019) – que também nasceu para ser uma história fechada, mas acabou ganhando uma continuação graças à pressão do público e dos executivos da HBO – chega agora a uma segunda temporada que ninguém pediu, pois absolutamente nada de novo tem a oferecer. Além, infelizmente, de ainda manchar o impacto que tão bem havia construído com seus esforços anteriores.

The White Lotus, para quem está chegando apenas agora por aqui, é o nome de um resort de luxo com filiais ao redor do mundo. Portanto, trata-se de uma fórmula fácil de ser reproduzida: muda-se elenco e cenários, mantendo apenas o logotipo do local onde cada nova ação irá se passar. No ano de estreia, a paisagem era o Havaí, e aqueles por lá reunidos eram turistas norte-americanos em busca de uma semana de descanso e lazer. Havia a família com filhos e agregados, o casal em lua-de-mel, a solteirona milionária, e assim por diante. Conflitos dos bem-sucedidos em um período de exceção – ou seja, sem compromissos profissionais ou alarmes ditando as atividades diárias – acabavam por se misturar com os da equipe do hotel, funcionários que ali estavam para melhor servir os que haviam recém-chegado. Enquanto os primeiros queriam apenas saber de sombra e água fresca (com uma pitada de drama e ciúmes, obviamente), aos demais restavam preocupações com contas a pagar, uma gravidez eminente, oportunidades de progresso pessoal e até mesmo atender a um tesão acumulado no final do dia. Entre tudo isso, havia a proposta de uma reflexão mais profunda, até mesmo filosófica, entre os porquês e as razões de cada um dentro desse intrincado quebra-cabeça social.

Pois bem, eis que no segundo ano de The White Lotus, tudo isso parece ter se reduzido a uma só questão: sexo. O que o leva a ele, o que dele se proporciona, quem com ele ganha e também como se pode perder a partir dele. Uniões e separações, lucros e partidas, futuro (presente) e passado a partir de tensões que até podem ter início em outros debates, mas que, inevitavelmente, acabam se reduzindo a um enfrentamento sexual. Apenas um dos presentes na primeira viagem dá novamente as caras por aqui: Tanya McQuoid, a ricaça sem noção social vivida com desenvoltura por Jennifer Coolidge, que com esse papel conseguiu, enfim, superar a imagem de “loura-burra-mas-gostosa-e-tarada” que tanto explorou em títulos como American Pie (1999) e Legalmente Loira (2001) – e em um sem número de genéricos similares. Agora casada com Greg (Jon Gries, de Napoleon Dynamite, 2004), um aproveitador que conheceu no final da temporada anterior, ela tem consigo também uma assistente, Portia (Haley Lu Richardson, tentando vender uma insatisfação pós-adolescente a qual não parece mais se encaixar).

Tanya, seguindo à risca o que já se sabia a seu respeito, tem apenas um objetivo: suprir uma insegurança pessoal por relacionamentos passageiros que vai comprando como se fossem bolsas ou sapatos. Assim que é deixada pelo marido (que logo sai de cena com uma desculpa esfarrapada), ela primeiro irá abusar dos limites de uma relação patroa-empregada, até se envolver com uma turma de festeiros comandada por um inglês falastrão (Tom Hollander, da saga Piratas do Caribe), que aparece acompanhado de um “sobrinho” sorridente e musculoso e por uma turma que inclui um sósia do Borat e um francês descabelado (são apenas tipos, sem nem mesmo diálogos para defender). O garotão vai dormir com a coroa abandonada, com a jovem perdida ou com um dos gays estereotipados que surgem ao seu lado? Essa dúvida a respeito de quem terminará na cama de quem parece rodear também dois casais de amigos: Harper (Aubrey Plaza, a melhor do elenco) e Ethan (Will Sharpe), ambos ricos, bem-sucedidos e conscientes do lugar que ocupam no mundo, e Daphne (Meghann Fahy) e Cameron (Theo James, adequado como o cafajeste de quem pouco se exige além do tirar da camisa), alienados, aproveitadores e incômodos. O que levou uns a se aproximarem dos outros, se não uma cobiça mal disfarçada? Essa vai desde uma intimidade marital mal resolvida a uma inveja profissional cada vez mais explícita, que dão a entender ser possível resolver apenas na base do “quem tem o p** maior”, ou algo do gênero.

Diante da proposta da vez, não chega a surpreender que duas das protagonistas sejam prostitutas mal intencionadas querendo se dar bem às custas dos estrangeiros: Lucia (Simona Tabasco, a profissional do sexo e, por isso, a mais à vontade) e Mia (Beatrice Grannò, aquela que tenta convencer como a moça de bom coração cujo sonho é ser cantora, sem ter que transar por dinheiro). O fato de estarem na Sicília, sul da Itália, torna tudo ainda mais estereotipado, como se os desejos (e interesses) sexuais fosse algo apenas dos trópicos, de ambientes quentes, com pouca roupa e muito querer. As duas acabam no caminho de três homens de uma mesma família: Bert Di Grasso (o oscarizado F. Murray Abraham, que chega a ameaçar um protagonismo, mas rapidamente é relegado a um cômodo viés cômico), o avô; Dominic (Michael Imperioli, de Família Soprano, 1999-2007), o pai com pouco a dizer além de carregar uma culpa que traz de casa; e Albie (Adam DiMarco, de A Ordem, 2019-2020), o neto (de um) e filho (do outro), a única alma verdadeiramente boa de todo esse grupo, mas que, por isso mesmo, se verá sendo corrompido... pelo sexo. A desculpa para a viagem seria uma busca pelas raízes dos seus ancestrais italianos, mas acabam apenas se revezando entre as visitas das duas garotas (tudo às escondidas, em nome da moral e dos bons costumes). Ao menos sobra tempo para uma visita (rápida) aos cenários de O Poderoso Chefão (1972), não sem antes minimizarem o impacto cultural de um dos melhores filmes de todos os tempos junto às novas gerações.

É possível, ainda que pouco provável, que Mike White consiga reverter as piores expectativas e retomar o rumo das coisas nos dois últimos episódios dessa segunda temporada de The White Lotus. Porém, para que tal ocorra, se fará necessário um esforço que não pode ser percebido durante os cinco capítulos iniciais da trama, e, por isso mesmo, difícil apostar em tal reviravolta. O visto até aqui leva a crer que seguirá tentando repetir o alcance do primeiro ano, porém trilhando os caminhos mais óbvios e seguros – como fazer, novamente, da gerente do hotel uma personagem homossexual e com sexualidade problemática – ao invés de apresentar riscos e assumir desafios. Corpos masculinos são objetificados, quem tem dinheiro seguirá no poder, ainda que com vários ao redor tentando fazer jus de uma parte que lhe seja destinada, e no final tudo acabará sendo resolvido (ou não) entre os lençóis brancos de um paraíso que preserva essas condições apenas aos que o observarem de longe, pois bastará dele se aproximar para que ranhuras e infiltrações se façam visíveis. Tivesse se mostrado satisfeito apenas com a incursão inicial, e o legado teria sido memorável. Porém, ao retornar com uma visão requentada, consegue apenas dar um desfecho preguiçoso a um argumento que tanto prometia, mas que pouco cumpriu.

O Papo de Cinema agradece à HBO Max pelo acesso antecipado da nossa equipe aos cinco episódios iniciais da segunda temporada de The White Lotus

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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