Crítica


4

Leitores


2 votos 6

Sinopse

Os bruxos são seres dotados de capacidades extraordinárias. Geralt de Rivia, um dos mais poderosos deles, utiliza as suas habilidades em função da caça de monstros. A mesma humanidade que eles mantêm em segurança os hostiliza simplesmente por serem diferentes.

Crítica

A certo ponto da história, um feiticeiro de longos cabelos brancos se aventura a escalar uma montanha, acompanhado por um grupo de anões, para, juntos, enfrentarem um dragão. Esta série de eventos, que acontece em Rare Species, sexto episódio de The Witcher, define bem o espírito do programa: ao invés de se inspirarem no que há de melhor por aí no gênero, parecem ter optado por usar como referência cópias genéricas e facilmente esquecíveis. Como o exemplo acima citado, que poderia ser descrito com exatamente as mesmas palavras para a trama da trilogia O Hobitt, ao invés de olharem diretamente para a muito superior saga O Senhor dos Anéis. Sendo assim, o que se encontra é um programa que aposta mais no marketing e numa série de possibilidades que nunca chegam a ser exploradas a contento, do que um enredo realmente envolvente, realizado a partir de uma produção de qualidade, que denote comprometimento e dedicação – aliás, bem pelo contrário.

Criado pelo escritor polonês Andrzej Sapkowski em meados dos anos 1980 e conhecida no Brasil sob o nome de A Saga do Bruxo Geralt de Rívia, cujo primeiro volume foi batizado como O Último Desejo, The Witcher (a série manteve o título original) anunciou como um dos seus maiores atrativos a presença de Henry Cavill como o protagonista. Pois basta assistir a meio episódio – como Marcelo Müller bem atestou em sua crítica do capítulo de estreia – para perceber que o ator que viveu Superman na telona até pode ser uma imagem forte, porém inadequada para o que o personagem lhe exige ao longo desta temporada inaugural. Geralt é um witcher, ou como é traduzido nas legendas da Netflix, um bruxo. Mas está longe de ser aquilo que qualquer espectador esperaria de alguém assim definido. Está mais para um caçador de monstros, por assim dizer. Um ser mutante, cuja origem passa por muito sofrimento e privação, e cujos poderes extraordinários nunca chegam a ficar exatamente explícitos. Sabe-se que não se trata de um homem comum, mas não muito mais do que isso. O suficiente, no entanto, para ser rechaçado pelos demais, visto como uma pária nessa sociedade medieval.

Isso tudo deve ser bem explicado ao longo dos nove volumes literários já publicados pelo autor. Na telinha, no entanto, há pouco esforço em esclarecer tais detalhes. Assim, a nítida impressão que se tem é que se está discursando apenas para iniciados, ou seja, para aqueles já familiarizados com esse universo de livros e, principalmente, videogames. O assunto é tão de nicho que, para se ter uma ideia, essa não é a primeira adaptação para o audiovisual. Além dos jogos, há ainda um longa – Wiedzmin (2001) – e uma minissérie – também chamada Wiedzmin (2002) – ambas realizadas na Polônia e das quais apenas os fãs mais fervorosos já haviam ouvido falar a respeito. Estes formatos – Cinema e Televisão – no entanto, estão cada vez mais se voltando ao espetáculo, enquanto que o consumo imediato e popular tem se concentrado no streaming – bem o que a Netflix aqui se ocupa em oferecer. Quem for esperando um novo Game of Thrones, certamente irá se decepcionar.

Geralt de Rívia, graças aos processos pelos quais foi submetido até se tornar um bruxo, se transformou em um ser bruto e sem emoções. Henry Cavill confunde tais características com falta de expressividade. Como resultado, o que se vê é um digno representante da escola Ricardo Macchi / Cigano Igor de atuação (!). Ele mantém o mesmo rosto do início ao fim da série, e assim o espectador se vê sem opções de identificação, ansiando para que qualquer outra figura em cena possa cativar as atenções. As que se saem melhor nesse propósito são, não por acaso, três mulheres: Ciri (Freya Allan, de Into The Badlands, 2018), uma jovem órfã de passado misterioso, Yennefer (Anya Chalotra, de Wanderlust, 2018), a corcunda vendida pelo próprio pai que irá se tornar uma poderosa feiticeira, e a Rainha Calanthe (Jodhi May, de Gentleman Jack, 2019), a monarca que vê seu pescoço ameaçado quando o reino que comanda é invadido por uma nação vizinha. É de se lamentar, por outro lado, que elas existam quase que única e exclusivamente em função da ligação que possuem – ou irão estabelecer – com o protagonista. Talvez fosse mais interessante vê-las por si sós, sem relação com o muro abrutalhado.

A criadora da série, Lauren Schmidt, deixa de lado a excelência percebida em alguns dos seus projetos de maior impacto (The Umbrella Academy, 2019, ou Demolidor, 2016) para investir em um sucesso rápido, que deverá ecoar apenas entre os previamente convertidos (como se deu com Os Defensores, 2017, outra iniciativa malsucedida). Os cenários são ridiculamente artificiais, os figurinos parecem saídos às pressas das mãos das costureiras, e as locações evidenciam uma nítida falta de pesquisa ou investimento, por redundantes e limitados. Sem um aparato técnico de destaque e muito menos um elenco à prova de maiores deslizes, restaria à história a tarefa de garantir uma experiência à altura das expectativas levantadas, mas nem isso se verifica. Por outro lado, faz-se uso de recursos traiçoeiros – como o uso de duas ou mais linhas temporais, expostas em paralelo, que revelam possuir nenhuma serventia além de uma vã tentativa de ludibriar a audiência – para distrair os olhares diante de tantas – e maiores – carências. The Witcher, pelo que se observa, possui potencial para ser mais do que apresenta. Mas cada vez que uma dessas portas se anuncia, os envolvidos parecem trilhar às cegas, invariavelmente seguindo por caminhos opostos. Algo não apenas frustrante, mas também desesperador.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
4
Lucas Salgado
6
MÉDIA
5