Crítica


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Sinopse

Paulo se apaixona à primeira vista por Maria Alice. A partir desse momento, a vida dele nunca mais será a mesma.

Crítica

No que depender da série brasileira Todas as Mulheres do Mundo (2020), o romantismo à moda antiga não morreu. Estamos falando das paixões à primeira vista, juras de amor eterno, provas de romantismo, homens que se jogam para cima da mocinha mesmo sabendo que ela está comprometida. São pessoas que dizem naturalmente as frases “Todo fim é um recomeço”, “A vida é como um rio caudaloso”, “A arte salva, sem arte não tem salvação”. Trata-se de casais heterossexuais que se beijam rindo, transam rindo, fazem brigas de travesseiro rindo em câmera lenta enquanto uma bela luz vem da janela, e depois passeiam por um beco romântico e vazio concebido apenas para eles. São pessoas que se enxergam em câmera lenta, quando uma canção sentimental invade a trilha sonora e o espectador descobre que nada mais importará a qualquer um deles além de amar e ser amado. Fala-se de amor, chora-se por amor, ri-se por amor. Não existe uma cena no piloto deste projeto que não seja ostensivamente dedicada ao sentimento amoroso.

A escolha extrema deve agradar um público específico, saudoso das comédias românticas de décadas atrás, do cortejo de outros tempos e dos golpes do destino. No entanto, talvez os relacionamentos anacrônicos impeçam a imersão de tantas outras pessoas. Por mais que se situe em tempos atuais, a narrativa de amor-e-separação-e-reconquista entre Paulo (Emílio Dantas) e Maria Alice (Sophie Charlotte) soa como uma introdução forçada da organização de gerações passadas na juventude contemporânea. Hoje, o fato de Paulo perseguir a garota por quem está apaixonado, declarar amor eterno ao lado do namorado dela, dizer que ela tem que ficar com ele, e depois segurar o braço da moça quando ele deseja sair de uma festa (e ela, claro, é obrigada a acompanhá-lo) não soa passional, e sim controlador, obsessivo, machista. O rapaz que trai a namorada, mas depois se arrepende porque ela é a mulher da vida dele não corresponde mais o típico macho incapaz de controlar seus instintos, e sim a um sujeito que legitima relações extraconjugais para si mesmo, porém não para a parceira. “Mas não significou nada!”, ele jura. Adivinha se ela vai aceitar o pedido de desculpas?

Em pleno ano de 2020, quando se discute emancipação feminina, tratamento igualitário dos sexos e gêneros, corpos fluidos e formas fluidas de se comportar, este primeiro episódio soa, utilizando o sentido estrito da palavra, reacionário. Não, Maria Alice não aceitará casar, ter filhos e se converter em dona de casa esperando pela chegada do marido para o jantar – ainda bem. Mesmo assim, ela é condicionada ao olhar dele, aos desejos dele, enquanto o roteiro vende a paixão descontrolada e possessiva de Paulo como um gesto de cavalheirismo. Estamos diante do homem heterossexual branco e belo, que se acredita no direito de possuir a mulher porque a deseja. Esse “romantismo” resulta perturbador dentro da lógica do episódio, capaz de sugerir que, voltando ao relacionamento ou não, Maria Alice ainda será suscetível de ceder ao charme de Paulo quando este o quiser, afinal, como resistir às frases românticas e juras de amor? O episódio se converte numa ode à insistência masculina, à conquista vinda do homem sobre a mulher, de maneira unilateral. Ele não se controla e flerta com a veterinária trinta segundos após conhecê-la, mas homens são assim mesmo, não é?

Uma justificativa plausível para esta configuração se deve à prudência da adaptação: Todas as Mulheres do Mundo atualiza o filme homônimo de 1966, quando a sociedade brasileira era bem diferente. Talvez a manutenção destes laços particulares entre homens e mulheres (cabendo a eles tentar, e a elas, resistir) corresponda a uma tentativa de fidelidade à obra original. O cineasta Domingos de Oliveira também era conhecido pelas narrativas de conquista feminina, marcantes em toda a sua filmografia. Mesmo assim, a versão de 53 anos depois precisa se inserir à nova sociedade em que se encontra. Por isso, as frases ultrarromânticas e aceleradas, as câmeras lentas, as luzes típicas de um spot publicitário não se traduzem em homenagem aos romances de antigamente, mas num decalque do naturalismo. Cada ator recebe uma cota de diálogos velozes, escritos em excesso: mesmo os talentosos Martha Nowill e Matheus Nachtergaele sofrem para proferir tantas frases de efeito com o mínimo de verossimilhança. A série aposta no retorno de uma estética que tampouco encontra seu lugar no século XXI.

Em paralelo, os quarenta minutos de duração comportam quase um álbum inteiro da Marisa Monte na trilha sonora; os encontros, separações e reconquistas ocorrem com a velocidade de um trailer; as cenas de beijos na praia e montagens de risos recorrem à mecânica das telenovelas. Não há problema em abrir mão do naturalismo em prol de algo próximo do realismo fantástico, contanto que o discurso tenha consciência de sua distância em relação ao real e adote um teor autocrítico a respeito – via humor autorreferencial ou o aprofundamento do absurdo, por exemplo. No entanto, este não é o caso do início da série, que observa com seriedade este primeiro caso de amor. Na verdade, a porta de entrada da série incomoda não apenas por idealizar o amor, mas por idealizar o amor de uma sociedade que não existe mais. Ora, o que esperar de um projeto sobre “todas as mulheres do mundo” vistas pelo ponto de vista de um homem? Cabe esperar que os demais episódios sejam mais complexos, e que as mulheres se tornem sujeitos, ao invés de objetos do olhar masculino.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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